sexta-feira, 26 de setembro de 2025

'A ONU e Lula continuam os mesmos. Trump e o mundo, não!', por Adalberto Piotto

A chancela da organização sempre carregou credibilidade, o problema é quando um lado apenas controla esse privilégio


O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursa na 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas na sede da ONU em Nova York, EUA, em 23 de setembro de 2025 | Foto: Reuters/Mike Segar 


E mbriagado pelo poder de seu consórcio com o Supremo Tribunal Federal, dentro do Brasil, e falando a uma plateia dócil de globalistas que vive a vida boa e segura da democracia capitalista, em Nova York, Lula ficou confuso quando o País foi citado por Donald Trump, em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU. No momento em que o presidente americano dedicou pouco mais de dois minutos ao País, logo após denunciar a Venezuela como um narcoestado, as câmeras de TV flagraram o presidente brasileiro desatento, atabalhoado, que parecia não saber o que estava acontecendo. Coube a Celso Amorim, o embaixador de fato, e a Mauro Viera, o ministro de Relações Exteriores formal, alertar Lula de que Trump o mencionara. 

Mesmo com o aparelho de tradução simultânea no ouvido, o presidente brasileiro mostrou não estar prestando atenção ao momento singular. No que estaria pensando, então? A cara fechada com indisfarçável mauhumor de Janja, a primeira-dama, também distante e perdida, é outra daquelas imagens que revelam muito do casal presidencial. Liturgia, sobriedade diplomática ou simplesmente boa educação em ouvir quem está falando de seu País na ONU, nada disso foi contemplado pelos milhões de pessoas que acompanhavam a transmissão da sessão. O oposto, sim. Recompostos pela urgência do momento, voltaram-se ao discurso. 

O aceno de Donald Trump a Lula foi inesperado. Em forma e conteúdo. Mas só o aceno. O contexto de todo o discurso em que denuncia tudo o que Lula defende no mundo e o trecho sobre o Brasil, que reproduzo abaixo, recomendam cautela diante das interpretações apressadas e eufóricas da esquerda diante da revelação do abraço entre os dois e sobre o rápido encontro que tiveram nos bastidores. Quando se referia a esse momento mais, digamos, simpático, Trump aparentemente saiu do roteiro, mas é importante notar o que disse antes e depois deste aceno, que destaco na fala:


— O Brasil agora tem tarifas imensas em resposta aos seus esforços sem precedentes para interferir nos direitos e na liberdade de cidadãos americanos e de outros por meio de censura, repressão, corrupção judicial e perseguição política de críticos nos Estados Unidos. — Eu tenho um pequeno problema em lhes contar isso, mas devo dizer: eu estava chegando e o líder do Brasil estava saindo. Nós nos vimos, eu o vi, ele me viu e nós nos abraçamos. E você pode acreditar porque eu vou dizer isso em apenas dois minutos. Nós concordamos em nos encontrar na semana que vem. Nós não tivemos muito tempo para falar, só 20 segundos mais ou menos, mas foi bom que eu tenha esperado (nos bastidores) porque as coisas não têm funcionado bem. Mas nós conversamos, tivemos uma boa conversa e combinamos de nos encontrar na próxima semana, se isso for interessante. Ele pareceu uma boa pessoa. Ele gosta de mim, eu gosto dele. E eu só faço negócio com quem eu gosto. Quando eu não gosto, não gosto. Por 39 segundos nós tivemos uma ótima química e isso é um bom sinal. — Mas no passado, você pode acreditar, o Brasil tarifou os EUA de forma injusta. E, por isso, nós também aplicamos altas tarifas de volta. Como presidente, eu defendo a soberania e os direitos dos cidadãos americanos. Eu lamento dizer que o Brasil está indo mal e continuará indo mal. Eles só irão bem se trabalharem conosco. Sem a gente, eles vão falhar, como outros falharam. É verdade.


Trump critica censura e perseguição política no Brasil e relata encontro breve com Lula | Foto: REUTERS/MIKE SEGAR

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Depois da ranhetice quase infantil de Lula que, apesar dos problemas que o tarifaço causa à economia brasileira, negava-se a tomar a iniciativa do contato — algo que ficou evidente na entrevista desconexa que concedeu à BBC dias atrás — Trump foi o adulto da relação e esperou para ter o encontro de bastidor. A esquerda e parte de sua representação na mídia chegaram a comemorar como se fosse um prêmio. Não deixa de ser estranho. Até outro dia, Trump era o “fascista”. Um biscoito em forma de aceno bastou para mudarem de opinião ou era só implicância? Fato é que ao narrar o tal abraço e a aproximação mútua em seu discurso no palco da ONU, Trump expôs Lula aos parceiros preferenciais do petista. O que pensarão um desconfiado Xi Jinping e Vladimir Putin, companheiros de Brics? À sua maneira, Trump pode ter causado de propósito um deslumbre na equipe de Lula. Porque sobre isso não há dúvida. Ficaram deslumbrados. No mais, antes do suposto afago, denunciou “censura, repressão, corrupção judicial e perseguição política” no Brasil. É onde a verdade está e pode ser comprovada, seja pela perda de vistos de aliados do Palácio do Planalto ou pela aplicação da Lei Magnitsky ao ministro Alexandre de Moraes e à sua mulher por decisão da Casa Branca.

A própria ordem dos discursos favoreceu Trump, visto que por tradição o representante do Brasil é o primeiro a falar. E como era de se esperar, a pretensão de Lula em se imaginar um líder global — há muito tempo escanteado pela sensatez internacional — o fez repetir a ladainha da soberania brasileira, ao reclamar das tarifas e sanções, e defender a condenação de Bolsonaro na Primeira Turma do STF — naquele momento pareceu prestar contas ao parceiro de consórcio que o reabilitou politicamente. Na seara internacional, ficou longe do que pensa a maioria dos brasileiros, como de praxe. Condenou Israel, onde é persona non grata, e foi incapaz de exigir a libertação dos 20 reféns israelenses — como Trump faria a seguir — que ainda estão em poder dos terroristas do Hamas. 

Até condenou o ataque de 7 de outubro, mas comparou a operação das Forças de Defesa de Israel a um genocídio. Um escárnio. Até porque é essencial lembrar que o atual conflito só começou depois que o Hamas invadiu o solo israelense. Naquele dia, os terroristas do grupo mataram e sequestraram homens, mulheres, idosos, jovens e bebês. Famílias inteiras foram vítimas do mais brutal ataque a civis desde o 11 de Setembro. Logo depois, num outro momento, insistiu na teoria do Sul Global e não condenou o governo de Maduro, na Venezuela. Vale a descrição deste momento do discurso de Lula: 

— Usar força letal em situações que não constituem conflitos armados equivale a executar pessoas sem julgamento. Outras partes do planeta já testemunharam intervenções que causaram danos maiores do que se pretendia evitar, com graves consequências humanitárias. A via do diálogo não deve estar fechada na Venezuela.


Lula usa discurso na ONU para reclamar de sanções, atacar Israel e defender o Sul Global, mas fica isolado no cenário internacional | Foto: REUTERS/Eduardo Munoz 


Era notório que reclamava das ações da Casa Branca contra o narcotráfico na região. A fixação lulista em proteger o tirânico regime de Maduro é inexplicável apenas pela ideologia. Que outro interesse Lula teria em manter seu ditador de estimação na Venezuela? Ou que esforço fez, usando a “via do diálogo” que reclama, para convencer Maduro a deixar o poder, depois de mais uma fraude explícita na última eleição? Ou para fazê-lo parar a perseguição a opositores como María Corina Machado, a líder da oposição? 

Nada. Ou para nada que tenha sido efetivo. Talvez porque, no Brasil, Lula apoia a perseguição política do Supremo ao ex-presidente Jair Bolsonaro, a vítima mais evidente do mesmo tipo de perseguição política desta crescente e preocupante venezuelização tupiniquim sob seu governo. Mas o ápice da desconexão com a realidade viria a seguir, quando Lula defendeu que não se poderia comparar criminalidade com grupos terroristas. No Brasil, onde facções já estão infiltradas na política, no Judiciário, na polícia e na economia? A resposta a Lula viria a seguir, como política de Estado real e efetiva contra o narcotráfico do terror na América Latina. 

Era a vez de Donald Trump. Ao criticar diretamente a burocracia e a ineficiência da ONU e de organizações multilaterais que se perderam no tempo, tamanha a irrelevância dessas entidades ou tamanhos os escândalos que protagonizaram, Trump não angariaria muitos aplausos em meio ao seu discurso. Foi interrompido apenas uma vez ao defender textualmente a libertação dos civis israelenses em poder do Hamas. Mas o silêncio apreensivo dos mesmos burocratas, durante os 56 minutos de seu discurso, foi eloquente. Trump trouxe números, defendeu a economia do livre mercado e ressaltou a recuperação de investimentos nos Estados Unidos, depois do pífio governo de Joe Biden. Defendeu as liberdades das pessoas e fez forte crítica às agendas ambientais e de imigração do globalismo que automaticamente bloqueiam quem pensa diferente. Foi à ineficiência da ONU nas últimas décadas que Trump dedicou suas mais severas críticas. Não é de hoje que se questiona a efetividade da Organização. 

Daí, Trump só colocou ainda mais luz à pergunta: como se permitiu que determinados grupos de interesse político dominassem as Nações Unidas para apenas legitimar seu discurso em detrimento de outros? A chancela da ONU sempre carregou credibilidade, é inegável. O problema é quando um lado apenas controla esse privilégio em detrimento de outros.


Trump critica a ONU por ineficiência e cobra libertação de reféns israelenses em discurso de 56 minutos | Foto: REUTERS/Jeenah Moon 


É inegável que a crítica dura de Trump às fontes de energia verde mereçam uma melhor contextualização. O Brasil, por exemplo, é exemplo de sucesso de como fontes alternativas podem conviver lado a lado com o petróleo e garantir segurança energética. Desde o etanol, no final dos anos 70 do século passado, até os novos biocombustíveis, a sólida matriz hidrelétrica e as inovações dos parques eólicos e solares. 

Por outro lado, ao criticar europeus que, em determinado momento no passado, transformaram a energia sustentável em ditadura, é impossível não considerar este ponto de seu discurso: 

— Eu odiaria ver a Europa arrasada pela energia (limpa) e pela imigração. Esse monstro de duas caudas destrói tudo. Vocês querem ser politicamente corretos e estão destruindo sua herança… Então, a Europa conseguiu reduzir sua pegada de carbono em 37%. Parabéns, Europa. Ótimo trabalho. Isso custou empregos, muitas empresas fecharam, mas vocês reduziram em 37%. Todo esse sacrifício não fez diferença porque houve um crescimento de 54% nas emissões, muito vindo da China e arredores. A China e países vizinhos produzem mais CO₂ do que todas as nações desenvolvidas juntas. 


O fato não pede licença. Sim, a China e arredores vendem ao mundo bilhões em produtos sem se preocuparem com a pegada de carbono, a mesma que limita a economia no restante do mundo. É esse mundo ocidental apenas que está na mira de ONGs de acadêmicos obscuros. Entre as quais, as mesmas que atormentam o agronegócio brasileiro, financiadas por fundações e grupos de interesse pouco transparentes. Por que o mundo não se junta para protestar contra a China? Há ditadura, massivo consumo de combustíveis fósseis e perseguição às liberdades. O mundo ocidental pode ter defeitos, mas sempre haverá uma democracia que permite o debate. E lá? O discurso do presidente americano, que ainda justificou a ação no mar da Venezuela contra o cartel de drogas do ditador venezuelano — “cada barco afundado pela Marinha tinha potencial de matar 30 mil americanos” — expôs a hipocrisia dessa turma toda. Há uma máxima da história recente do mundo que diz que até antes da Segunda Guerra Mundial, a eleição nos Estados Unidos só interessava aos americanos. Depois, passou a interessar ao mundo. A eleição de Trump é prova inconteste disso.



Trump expõe a hipocrisia global ao criticar a China e defender ações contra o cartel de drogas na Venezuela | Foto: Zurimar Campos/Palácio de Miraflores


Fato é que duas datas definiram a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, em Nova York: os 80 anos de fundação da própria ONU, ressaltados pelo secretário-geral António Guterres, e os 250 anos da Declaração de Independência dos Estados Unidos, que serão comemorados no ano que vem, como lembrado por Trump. Somente uma mantém os valores originais de sua fundação. A inequívoca garantia de liberdade das pessoas, da defesa da igualdade e dos direitos naturais do cidadão ainda permanecem na Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América

\Adalberto Piotto - Revista Oeste