Quando apenas um único ponto de vista predomina, as ideias não podem ser testadas pela realidade, o que torna a sociedade um mundo do faz de conta
O brutal assassinato de Charlie Kirk enquanto palestrava no campus da Universidade do Vale de Utah e as demonstrações de intolerância que se seguiram colocaram no centro do palco o problema gravíssimo da doutrinação ideológica nas universidades, um processo silencioso, solerte e devastador que vem acontecendo há décadas, mas que sempre foi omitido pela imprensa e pelos meios ditos culturais, por motivos óbvios.
Disfarçado de “pedagogia da libertação”, “formação crítica”, “sensibilidade social” e outras máscaras, o veneno ideológico transformou escolas e universidades em todo o Ocidente em centros de militância esquerdista e institutos de intolerância, onde somente o pensamento único é admitido e qualquer visão divergente é carimbada imediatamente de retrógrada, preconceituosa, elitista ou “fascista”. A atestar que esse triste quadro também está presente no Brasil, dentre tantos outros exemplos, está o incidente ocorrido recentemente em Curitiba, com o cancelamento das palestras que o advogado Jeffrey Chiquini e o vereador Guilherme Kilter iriam fazer — a convite dos próprios alunos — na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, pela ação intolerante de um grupo com cerca de 800 manifestantes, que cercaram o prédio e inviabilizaram a realização do evento. A polícia dissolveu a manifestação, mas as palestras não aconteceram, o que causou prejuízo aos 300 alunos que haviam se inscrito.
Deveria ser inquestionável que um dos principais objetivos da educação é formar cidadãos com uma construção plural, livres e capazes de pensar por conta própria, mas, infelizmente, o que se vê nas salas de aula e nos campi é exatamente o contrário: professores comprometidos com causas políticas de esquerda e que, não raramente, utilizam as disciplinas que ministram como pretextos para promover sua visão ideológica e até mesmo fazer política partidária.
A esquerda dita a “Educação” A hegemonia do pensamento progressista nos meios acadêmicos, no Brasil e no Ocidente, não é fruto do acaso. Desde os anos 1980, ao encampar o pensamento gramsciano e adotar a cartilha da Escola de Frankfurt, a esquerda percebeu que, para transformar a sociedade, seria necessário primeiro ocupar os espaços educacionais, culturais e artísticos.
Nessa esteira é que Paulo Freire, o patrono da educação brasileira, com aquela risível prolixidade calculada — que lhe dava ares intelectuais e lhe rendia a admiração dos boçais — sustentava que, mais do que ensinar a ler, escrever e fazer contas, a pedagogia precisava propor uma reinterpretação marxista da realidade. É a “pedagogia do oprimido”, responsável, primeiro, pela construção de gerações de brasileiros idiotas e semianalfabetos, reduzidos à condição de meros repetidores de chavões; segundo, pelo consequente desempenho vergonhoso de nossos estudantes em comparações internacionais; e, terceiro, pela produção de milhões de eleitores cativos dos partidos de esquerda.
Esse processo de fabricação de aparvalhados começa no bê-á-bá e vai até o pós-doutorado. O cenário é ainda mais visível nas áreas de ciências humanas, em que abundam “pesquisas” voltadas para o que a filósofa norte-americana Kimberlé Williams Crenshaw chamou de “interseccionalidade”, ou seja, a sobreposição e interação de temas — apresentados como formas de opressão — como racismo, sexismo, classismo, homofobia, capacitismo e outros assuntos que, na maioria das vezes, apoiam-se em premissas muito mais ideológicas do que científicas. Quem conhece o meio universitário sabe que há uma abundância de relatos de alunos, e mesmo de docentes, que foram marginalizados ou até retaliados academicamente, simplesmente por questionarem essas abordagens.
A marginalização das divergências
Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas de 2021 apontou que mais de 70% dos professores universitários da área de ciências humanas se identificam ideologicamente com a esquerda e que somente 6% declararam alguma afinidade com ideias conservadoras. Ou seja, diversidade de pensamento nas universidades é um bem muito escasso.
No ensino médio, o problema é o mesmo: um levantamento do Instituto Millenium de 2022 revelou que 64% dos alunos relataram já ter presenciado declarações abertamente políticas de professores em sala de aula, a maioria com viés crítico ao capitalismo, aos empresários, ao agronegócio, à economia de mercado, à família e a outros valores tradicionais, e 41% disseram que se sentem receosos de expressar opiniões conservadoras.
Ilustração: ShutterstockÉ bastante perceptível o silenciamento da visão de mundo liberal e conservadora: enquanto qualquer pensador de esquerda, por maior que seja a sua mediocridade ou a fraqueza de seus argumentos, é enaltecido, autores como Bruno Leoni, Roger Scruton, Olavo de Carvalho, Russell Kirk, Eric Voegelin e Jordan Peterson, entre muitos outros, são sistematicamente ignorados nos currículos acadêmicos. Em minha área de conhecimento, há gerações de economistas que se formaram e chegaram a completar o doutoramento sem sequer terem conhecimento de quem são, por exemplo, Thomas Sowell e Israel Kirzner e de quem foram Richard Cantillon, Frédéric Bastiat, Carl Menger, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Milton Friedman e Murray Rothbard, mas que foram bombardeados com ideias de John Maynard Keynes, Celso Furtado, Paul Krugman, Joseph Stiglitz, Thomas Piketty e um sem número de outros economistas “progressistas”.
O material didático das escolas, dirigido pelo MEC e centralizado no estilo soviético, apresenta invariavelmente uma narrativa enviesada da história do Brasil, demonizando desde a família imperial ao “regime militar” e idealizando movimentos e personagens da esquerda armada como se fossem heróis da democracia. A Controladoria-Geral da União revelou, em 2020, em auditoria sobre o conteúdo dos livros didáticos, que mais de 80% das obras distribuídas pelo MEC exaltavam figuras e movimentos ligados à esquerda, enquanto personalidades de pensamento liberal ou conservador eram omitidas, ou mencionadas de forma negativa.
Em 2018, uma pesquisa do Datafolha revelou que 70% da população brasileira é contra a doutrinação política em sala de aula, independentemente da corrente ideológica. O mesmo levantamento apontou que 65% dos brasileiros acreditam que os professores devem se abster de expor suas opiniões políticas durante as aulas. Nos Estados Unidos, a Heterodox Academy, organização fundada em 2015 por Jonathan Haidt para promover a diversidade política nos campi universitários, em estudo de 2020, mostrou que mais de 70% dos professores da área de ciências humanas se identificam como liberals (“progressistas” no contexto norte-americano), enquanto menos de 10% se declaram conservadores. Em 2019, reportagem do jornal britânico The Times informou que 46% dos acadêmicos conservadores do Reino Unido disseram se autocensurar por medo de retaliação.
Por sua vez, o Instituto Paraná Pesquisas, em 2017, apurou que 80,3% dos professores da educação básica avaliaram positivamente os governos do PT, sinalizando um predomínio “progressista” entre educadores, o que inevitavelmente se reflete na formação dos alunos.
Nas aulas de História, Sociologia e Ciência Política, em todos os níveis de ensino, o capitalismo é invariavelmente apresentado como um sistema opressor e a liberdade econômica como um elemento concentrador de riqueza, enquanto o socialismo é tratado com uma simpatia burra e doentia, que ignora sem qualquer cerimônia seus incontáveis fracassos históricos e seus muitos milhões de mortos, mas cuida de impor uma visão única que condiciona o aluno a adotar a postura política desejada pelos “educadores”.
Doutrinação ideológica e intolerância
Mas a doutrinação ideológica vai além de moldar opiniões: além das distorções irrecuperáveis que provoca nas mentes, ela alimenta a intolerância e, em casos extremos, é usada para legitimar a violência. O assassinato recente de Charlie Kirk, pelo simples fato de ser um ativista conservador, além de chocar o mundo, expôs um fenômeno perturbador: as não poucas reações de indiferença ou até de escárnio vindas de setores da mídia e de indivíduos e grupos militantes de esquerda, em todo o Ocidente, com as subsequentes reações da direita.
É evidente que tal comportamento desumano e cruel não tem explicação isolada, por estar inserido no “estado geral das artes” descrito acima, em que, durante décadas, universidades e espaços culturais vêm apresentando e impondo apenas uma narrativa política — a sua! — como moralmente legítima. A doutrinação ideológica nas salas de aula e nos meios de comunicação cria uma divisão maniqueísta, em que os que compartilham a agenda “progressista” são vistos como virtuosos e os que discordam são rotulados de “extremistas”, “inimigos da democracia” ou do “Estado Democrático de Direito”. Quando esse enquadramento se torna hegemônico e o que deveria ser regra — a pluralidade — passa a ser exceção, torna-se manifesto que a intolerância deixa de ser tratada como uma falha moral a ser desprezada, para ser considerada como um dever patriótico, um ato “antifascista” de bravura a ser cultivado e que garante uma vaga no “clube dos bonzinhos”.
Esse desprezo pela morte criminosa e brutal de um adversário político não surge do nada, mas é fruto de muitos anos de ações sistemáticas para deslegitimar as diferenças, ridicularizar os valores conservadores e hostilizar o verdadeiro debate, cultivadas em ambientes onde, paradoxalmente, fala-se o tempo todo em “diversidade” e em “combater extremismos”, mas em que a pluralidade intelectual é substituída pela aceitação ideológica passiva e o verdadeiro extremismo está dentro de casa, esparramado no sofá e com as pernas na mesinha. Com efeito, décadas de doutrinação “justificam” que qualquer opositor seja enfrentado não com argumentos, mas com agressões físicas ou mesmo tiros de fuzis, e que palestrantes que têm ideias opostas ao padrão permitido sejam impedidos de falar em universidades públicas.
A defesa do pluralismo
Infelizmente, a tirania da maioria pode ser tão opressiva quanto a de um déspota. Quando o verdadeiro pensamento crítico é sufocado e até a violência é relativizada, desde que dirigida ao “inimigo certo”, a própria democracia entra em risco. A doutrinação ideológica não apenas distorce o debate público, mas abre e asfalta o caminho que leva a sociedade a tratar a intolerância como uma virtude a ser ensinada às crianças.
A concentração ideológica, ao empobrecer o debate e influenciar a formação de professores, juristas, jornalistas e gestores, é muito mais prejudicial à evolução das sociedades do que se costuma imaginar. Thomas Sowell, em Intellectuals and Society (2009), alertou que, quando apenas um único ponto de vista predomina, as ideias não podem ser testadas pela realidade, o que torna a sociedade um mundo do faz de conta.
É preciso restaurar o pluralismo e garantir que as salas de aula, os jornais e as redes sociais sejam palcos de debates genuínos entre ideias divergentes. Esperamos que o triste episódio da morte de um jovem que só discutia com argumentos seja um marco e que a partir dos Estados Unidos se inicie e irradie para o mundo livre um processo de resgate do equilíbrio, do respeito às diferentes visões, da responsabilidade pedagógica e, portanto, da libertação dos jovens da prisão ideológica em que foram lançados.
Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor
Revista Oeste