sexta-feira, 19 de setembro de 2025

'Universidades do Ódio', por Branca Nunes e Masteus Conte

O ambiente acadêmico tornou-se um lugar de intolerância. Não há espaço para questionamentos e o contraditório deve ser eliminado


Ilustração: Júlia Xavier/Feito por IA



No dia 9 de setembro, o advogado Jeffrey Chiquini e o vereador curitibano Guilherme Kilter (Novo-PR) foram impedidos de dar uma palestra na Universidade Federal do Paraná sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal. Cercados por uma horda de estudantes raivosos que entoava o grito de guerra “recua, fascista, recua”, foram escoltados até a sala dos professores por seguranças e só conseguiram deixar o prédio depois da chegada da tropa de choque da Polícia Militar. 




Na semana seguinte, o vereador Kleber Ribeiro (PL-SP), de Guarulhos, foi hostilizado no campus da Unifesp ao tentar protocolar um ofício em que solicitava o uso do auditório para uma palestra sobre antissemitismo, intolerância religiosa e valores sociais e morais. Um grupo de alunos cercou o parlamentar e sua equipe, que tiveram de deixar o local imediatamente.

Casos assim têm se multiplicado em espaços que deveriam promover o livre debate de ideias. O mesmo fenômeno se observa fora do Brasil. Nos Estados Unidos, universidades registraram uma onda de episódios de antissemitismo depois da resposta militar de Israel aos ataques terroristas de 7 de outubro de 2023. 


Nesse contexto, não chega a surpreender que o ativista conservador Charlie Kirk tenha sido assassinado justamente durante um evento universitário. A morte de Kirk reacendeu o debate sobre intolerância política nos campi de todo o mundo. No Brasil, relatos de expulsões, punições disciplinares e agressões em universidades como USP, UnB, Unirio e Unesp confirmam que o problema é global.

O youtuber Wilker Leão, ex-estudante de História da Universidade de Brasília (UnB), ficou conhecido nas redes sociais por filmar discussões em sala de aula, nas quais acusava os docentes de doutrinação ideológica. A universidade abriu processo em 1º de novembro de 2024, mas Leão afirma que só foi informado quase dois meses depois. A decisão final, assinada pela reitora Rozana Reigota Naves, neste mês de setembro, determinou sua expulsão. 

A instituição alegou que a conduta configurava infração disciplinar, já que as gravações ocorreram sem autorização dos professores. Leão contesta: “Não há lei que proíba gravações nos moldes em que faço”, avalia. Ele posicionava a câmera de modo que apenas o seu rosto aparecesse na tela, evitando a exposição tanto do docente quanto de outros alunos. Além da expulsão, Leão diz ter sido impedido de se matricular em outro curso, mesmo depois de ser aprovado no vestibular para Ciências Sociais. “Fui duas vezes sancionado por uma alegação de ‘mau comportamento’ totalmente subjetiva, sem qualquer fundamento legal”, afirmou. 

O caso ganhou maior repercussão quando a juíza Ana Cláudia Loiola, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, condenou-o a dois anos e três meses de detenção em regime aberto por calúnia e difamação contra o professor Estevam Thompson. A decisão baseou-se em seis vídeos de aulas de História da África nos quais o estudante se referiu ao docente como “professor brabão”, “valentão” e “transgeneral”. Para a magistrada, as falas atingiram a honra do professor e violaram o princípio da liberdade de cátedra. 

A estudante que vestiu a fantasia da esquerda

A estudante Julia de Castro, de 20 anos, ingressou em 2020 na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Logo se decepcionou ao perceber que o ambiente acadêmico, longe de ser espaço do livre pensar, funcionava como palco de patrulha ideológica. “Foram momentos bem angustiantes”, observou. Nos dois primeiros anos viveu o que chamou de “espiral do silêncio”, expressão usada para designar a omissão de opiniões divergentes por medo de isolamento e hostilidade. Fazia trabalhos acadêmicos de acordo com a “cartilha da esquerda”, o que lhe garantia boas notas, mas gerava conflito interno. “Minha mãe chegou a dizer que eu parecia uma comunista”, relatou. 

Em outubro de 2024, quando colegas descobriram seu alinhamento político. Um site de fofocas da universidade publicou postagens de suas redes sociais com a manchete: “Como essa ‘Julia Bolsonara’ pode estudar na Unirio e apoiar esse homem?”. Pouco depois, um usuário marcou seu perfil com a mensagem “os seus dias estão contados”. Em seguida, passou a receber ameaças de morte no X, na época ainda Twitter, e no WhatsApp. Colegas a retiraram do grupo de sala, e seu número de celular foi divulgado em mensagens de ataque. “Chorei compulsivamente naquele dia. A cada segundo, havia uma nova ameaça.”

Segundo Julia, professores e direção foram omissos, porque “querem que a situação seja abafada”. Ao retornar às aulas, sentiu-se uma estranha, sob olhares de reprovação. Em uma das ocasiões, foi abordada por colegas que disseram: “As pessoas não te odeiam por você ser de direita, que já é algo ruim, mas por você votar no Bolsonaro”. 

O racista assediador 

Victor Henrique Ahlf Gomes, de 22 anos, apesar de ter se formado em Direito na USP com média 9,1 e nota máxima no Trabalho de Conclusão de Curso, foi expulso como resultado de um processo aberto em 2022, acusado de racismo e assédio a uma ex-namorada. 

“Eu fui processado por ser de direita”, declarou, relatando que a própria vice-diretora teria afirmado que ele “não era um aluno com o perfil da universidade” e que suas opiniões eram “fascistas, machistas e nazistas”. 

De acordo com a advogada de defesa, Alessandra Parmigiani, “uma captura de tela de conversa privada fora de contexto foi usada como peça central do processo”. Em fevereiro deste ano, a juíza Gilsa Elena Rios, da 15ª Vara da Fazenda Pública, anulou a expulsão, mas a USP recorreu e o processo segue em segunda instância. 

A professora “golpista”

Uma pesquisa do Instituto Sivis, com mais de mil estudantes de universidades públicas e privadas brasileiras, constatou a predominância do pensamento de esquerda (46,9%), seguido por direita (26%), centro (16,7%) e indecisos ou que não responderam (10%). Entre os docentes os números são ainda mais alarmantes. Em levantamento feito pelo jornal estudantil de Harvard, 75% dos professores declararam ser de extrema-esquerda ou progressistas, 3% se denominaram conservadores e 22% moderados.

Sandra de Moraes Gimenes Bosco, doutora pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e docente da instituição desde 2010, foi demitida do Instituto de Biociências do campus de Botucatu, acusada de participar das manifestações de 8 de janeiro de 2023, em Brasília. Ela foi detida no dia 9 de janeiro em um ônibus que retornava da capital com outros 44 passageiros. O veículo foi parado pela Polícia Rodoviária Federal, que relatou que alguns ocupantes apresentavam marcas de balas de borracha e admitiram envolvimento nas invasões. Todos foram liberados em poucas horas. Dias antes, Sandra havia compartilhado em sua página no Facebook um banner convocando para a caravana. 

A Unesp abriu processo administrativo em 10 de janeiro, depois de denúncias recebidas pela Ouvidoria e parecer da Comissão de Ética. O documento descreveu que a docente teria participado “de atos criminosos, violentos e antidemocráticos”, classificando sua conduta como “infração disciplinar de natureza gravíssima”. A base legal foi a Lei nº 10.261/1968, que impõe ao servidor “manter conduta compatível com a moralidade administrativa” e prevê demissão por comprometer a dignidade da função pública. O reitor homologou a decisão, publicada no Diário Oficial em 29 de abril.

Para o advogado Rodrigo Saliba, a punição foi abusiva: “Ela não foi denunciada pela Procuradoria-Geral da República, não figura como ré no Supremo Tribunal Federal, mas foi punida como se tivesse cometido crimes comprovados”, afirmou. “Foi um julgamento político e não jurídico.” Ele destacou ainda que uma integrante da comissão, depois nomeada presidente, havia escrito em rede social um dia antes da abertura dos trabalhos: “Mais do que uma nota de repúdio, temos que identificar e punir esses terroristas e criminosos da Unesp”. 

Segundo Sandra e testemunhas de defesa, o grupo retornou ao ônibus logo que começaram as explosões. “Ela foi condenada por generalização”, disse Saliba. Além do grande prejuízo à carreira, o episódio rendeu ainda hostilidades em redes sociais. “Recebi ameaças contra mim, minha filha e meu marido de alunos da própria Unesp”, contou. 

Segundo a defesa, a universidade não investigou esses episódios. 

Em artigo publicado na Gazeta do Povo, a professora Mayalu Felix, doutora em Ciências da Linguagem e em Letras, relatou as hostilidades que enfrentou por usar textos de autores como Roberto Motta, Olavo de Carvalho e Luiz Felipe Pondé em sala de aula. Segundo Mayalu, que leciona há 20 anos em uma universidade pública do Maranhão, o ambiente acadêmico se tornou “um lugar de discurso único, de uma só ideologia, do monólogo”. “Não há espaço para o contraditório”, afirmou. “Nem para questionamentos, que são a base do desenvolvimento da Ciência”. 

Da hegemonia comunista ao domínio petista

Pesquisas mostram que, desde os anos 1970, a esquerda construiu maioria nas universidades a partir de conceitos de ocupação de espaços culturais idealizados pelo italiano Antonio Gramsci (1891– 1937). Segundo tais ideias, a disputa política não se vence apenas nas urnas ou pela força do Estado, mas pela hegemonia cultural — quando uma visão de mundo se torna dominante em escolas, universidades, sindicatos, igrejas e meios de comunicação. Instituições de ensino, sindicatos de professores, editoras de livros didáticos e associações estudantis foram progressivamente dominadas por intelectuais alinhados a correntes marxistas. Isso moldou os currículos e a produção de conhecimento, o que criou uma cultura universitária em que divergências eram vistas como indesejadas. 

Em artigo publicado na revista Dados (2012), Marco Aurélio Santana, professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostrou que a transição democrática intensificou essa presença. Herdeiro do “novo sindicalismo” dos anos 1970 e 1980, o Partido dos Trabalhadores (PT) superou o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e se tornou a principal força da esquerda. 

O avanço se deu também na academia. 

O PT e intelectuais próximos ao partido passaram a ocupar cargos estratégicos e influenciar diretamente na definição de pautas de pesquisa e na administração universitária. A partir dos anos 1990, as ideias conservadoras passaram a ser vistas como ameaças a um consenso ideológico. 

A hegemonia gera um círculo vicioso. “Os professores de esquerda, que são maioria nas universidades, acabam contratando apenas professores de esquerda”, explica o cientista político Fernando Schüler. “São eles também que são promovidos, convidados para participar de seminários e publicar seus trabalhos. Um amigo que leciona na USP costuma dizer que o professor de direita almoça sozinho no restaurante da universidade. Ninguém senta com ele”. 

A juventude reage 

Em audiência pública da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, no dia 2 de setembro, estudantes relataram episódios de agressões e intimidação em universidades brasileiras. O encontro foi convocado pela deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP). Thais Batista, diretora-executiva da organização Students for Liberty (SFL), afirmou que o ambiente acadêmico se tornou hostil a ideias divergentes. “Toda semana, todos os dias, a gente recebe relatos de grupos de estudos que são formados quase em silêncio, como se fossem uma instituição secreta, porque professores e alunos têm medo de se posicionar”, relatou. “E aqueles que têm coragem de defender suas ideias acabam apanhando. É uma vergonha para as universidades.”

Segundo o levantamento do Instituto Sivis, 47% dos alunos admitiram ter evitado discutir algum tema considerado polêmico em sala de aula nos últimos 12 meses. As pautas que geram maior desconforto são política e eleições (39%), legalização ou porte de armas (37%) e aborto (29,7%). “Um jovem silenciado hoje acaba sendo um potencial líder perdido amanhã”, observou Thaís. Bruno Sperancetta, presidente nacional da Juventude Livre (JL), narrou a experiência do movimento no Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Goiânia, em julho deste ano. Na ocasião, integrantes da JL e do Novo Jovem foram agredidos ao tentar participar do evento. “Eles não estavam lá para dialogar”, afirmou. 

“Acabaram nos expulsando aos pontapés, às cadeiradas, atacando com tudo que tinham à mão”. Sperancetta responsabilizou a UNE pela falta de segurança. Para ele, diretórios acadêmicos e centros estudantis estão “completamente aparelhados por juventudes partidárias” e buscam impor uma cartilha ideológica. 

O empobrecimento da cultura

Conforme o filósofo Luiz Felipe Pondé, que lecionou na USP, na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), “universidades foram criadas para serem ambientes de pensamento livre, mas hoje predominam o pensamento único e a patrulha ideológica”. Ele alerta que, no Brasil, a falta de diversidade de mercado dificulta mudanças: “Aqui, o jovem precisa se cifrar para sobreviver no meio profissional”. Professores, segundo ele, “acreditam estar lutando pelo bem” e não percebem que “ao restringirem pensamento divergente empobrecem a cultura”




Para a vereadora Janaína Paschoal, professora titular da Universidade de Direito do Largo São Francisco, “toda luta é voltada para garantir pluralidade de gênero, de raças, o que é super válido, mas a pluralidade ideológica não é uma luta da universidade”, observa. “Como não existe essa oxigenação entre os professores, os alunos que pensam diferente se sentem esmagados. Mas a direita precisa ocupar esse espaço, do contrário a esquerda continuará a dominá-lo”. 

Casos como os de Victor Ahlf, Wilker Leão, Julia de Castro e Sandra Bosco mostram a face concreta dessa realidade. O assassinato de Charlie Kirk, nos Estados Unidos, revela a escalada internacional da intolerância. Em ambos os cenários, a conclusão é a mesma: instituições criadas para cultivar o livre pensar se transformaram em ambientes que querem sufocar o contraditório. A qualquer custo.

Branca Nunes e Mateus Conte - Revista Oeste