sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Ana Paula Henkel - 'O abraço da raposa'

O Brasil, atolado em tarifas de 50% sobre suas exportações para os EUA, pode estar prestes a ceder — e Lula, o veterano da política, parece ter mordido a isca


Trump e Lula apresentam discursos contrastantes na Assembleia da ONU - Foto: Montagem Revista Oeste/REUTERS 


N esta semana, no coração da Assembleia Geral da ONU, em meio a discursos inflamados sobre clima, guerras e soberania, aconteceu o que pode ser o plot twist diplomático do ano no Brasil: um encontro de meros segundos, e que deu o que falar, entre Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva. 

Os dois presidentes, que pertencem a campos totalmente opostos na política, não se encontraram em uma cúpula formal, nem em uma mesa de negociações. Enquanto Lula deixava o púlpito da ONU e Trump entrava para o seu discurso, em menos de 40 segundos os dois trocaram um aperto de mãos, um breve abraço e um olhar que, segundo fontes próximas, gerou “química excelente”. 

No entanto, como em um capítulo de A Arte da Negociação — o bestseller de Trump —, esse momento fugaz não é mero acaso, mas o ápice de uma jogada de mestre: punir com sanções pesadas, isolar politicamente e, no timing perfeito, estender a mão para um acordo que favorece os interesses americanos. O Brasil, atolado em tarifas de 50% sobre suas exportações para os EUA, pode estar prestes a ceder — e Lula, o veterano da política, parece ter mordido a isca. 

Vamos aos fatos frios, antes de mergulharmos na psicologia “trumpiana”. Desde julho, a administração Trump impôs tarifas de 50% sobre as importações brasileiras, uma das medidas mais agressivas de sua segunda gestão. Isso não é retaliação aleatória: afeta setores vitais como aço, agricultura e manufaturados, elevando o custo médio das tarifas americanas para níveis não vistos em um século (de 2,5% para cerca de 27% em média). O impacto no Brasil? Bilhões em perdas projetadas, com o agronegócio, carro-chefe da economia, sentindo o baque imediato. Exportadores de soja e carne bovina, que representam 20% das vendas para os EUA, já relatam estoques encalhados e preços em queda. Lula, em seu discurso na ONU, criticou abertamente essas “medidas unilaterais” que “ameaçam o multilateralismo” em tom agressivo, mas sem citar nomes, afinal, a coragem contra gigantes não faz parte de seu perfil.

Por trás dessa enxurrada tarifária, há um ingrediente tóxico e politizado: o Supremo Tribunal Federal (STF) e seu ministro Alexandre de Moraes. Depois da dura carta de Trump em 9 de julho ao Brasil impondo as tarifas, veio outro porrete do norte. Em 30 de julho, dias antes da escalada tarifária entrar em vigor, os EUA sancionaram Moraes sob a Lei Magnitsky, rotulando-o como “violador grave de direitos humanos”. As acusações são gravíssimas. Uma campanha de censura opressiva, detenções arbitrárias e processos judiciais ilegais e politizados, especialmente contra apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Moraes, relator de inquéritos sobre fake news e “atos antidemocráticos”, é acusado de usar o Judiciário como arma para silenciar opositores: bloqueios de contas em redes sociais, prisões preventivas sem julgamento e ordens secretas que violam a liberdade de expressão e os direitos humanos. E o STF, outrora guardião da Constituição, transformou-se em epicentro de polarização: desde 2019, a maioria dos ministros endossa decisões de Moraes, criando um “clima de censura institucionalizada” que afeta empresas americanas como o X (antigo Twitter).


Alexandre de Moraes é sancionado pelos EUA sob a Lei Magnitsky e acusado de censura e violações de direitos humanos | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Bras


As sanções não pararam por aí. Na véspera do encontro na ONU, o Departamento do Tesouro americano estendeu as medidas à esposa de Moraes, Viviane Barci de Moraes, e a uma rede de apoio, congelando ativos e proibindo transações nos EUA. Para os americanos, Moraes usou o STF para manipular eleições, com a supressão da dissidência e censura a um lado político. O elo com as tarifas mostra que a politização do Judiciário brasileiro é um dos fatores agravantes citados pelo governo Trump para justificar as barreiras comerciais – uma forma de ligar direitos humanos a dólares. 

Agora, o pulo do gato: Trump, o negociador. Aos 79 anos e em seu segundo mandato, ele não mudou. Sua cartilha é simples e brutal: crie dor (tarifas e sanções), isole o adversário (colocando Moraes e o STF como “ameaça à democracia e à liberdade de expressão”), sufoque os afetados com um discurso e exemplos duros com outros e, no momento de fraqueza, ofereça alívio com um gesto pessoal. Para todos que estão acostumados a ver Donald Trump todos os dias na TV, durante horas em longas entrevistas e numa velocidade alucinante, acreditem: o abraço na ONU não foi espontâneo — foi minuciosamente planejado por ninguém menos do que Donald Trump. 

E Trump não é só o homem das tarifas; é o artista do teatro diplomático. Seu estilo, por incrível que pareça, é educado e acessível na superfície — um abraço aqui, um elogio ali —, mas impiedoso quando as portas da Casa Branca se fecham. O encontro com Volodymyr Zelensky em fevereiro deste ano entrou para a história: o ucraniano chegou otimista, com traje casual e posando para fotos com sorrisos ensaiados, só para sair humilhado após Trump questionar publicamente o “desperdício” de bilhões de dólares dos pagadores de impostos em ajuda militar e anunciar negociações diretas com Putin sem consultá-lo


Trump combina afagos públicos com dureza nos bastidores e deixa Zelensky humilhado após encontro na Casa Branca | Foto: Brian Snyder/Reuters 


Meses depois, em agosto, outro encontro na Casa Branca teve um tom bem diferente. Trump elogiou Zelensky, que apareceu de terno, como “guerreiro”, mas usou a reunião para pressionar por concessões territoriais, deixando líderes europeus em pânico com um cronograma que priorizava “paz rápida” sobre soberania. A lição diante do mundo? Trump devora inimigos — ou aliados relutantes — com um sorriso e afagos. E Lula vai ter que avaliar o risco. Trump não força negociações; ele as orquestra como um maestro na arte que pavimentou sua sólida carreira como empreendedor. 

Enquanto a imprensa estatizada no Brasil noticiava com euforia o breve aceno de Trump na ONU, foi curioso testemunhar a exaltação desencadeada na esquerda brasileira com as palavras do malvadão do norte a Lula. A mesma turma que há anos rotula Trump como “fascista encarnado”, de repente trocou o tom por elogios à “química excelente” — o ápice da hipocrisia que ecoou nos perfis de jornalistas, influenciadores e políticos ligados ao PT, onde hashtags como #LulaTrump viraram sinônimo de “diplomacia esperta”. 

E, claro, Lula é o epicentro dessa contradição. Às vésperas da eleição presidencial americana em 2024, o presidente brasileiro disse que uma vitória de Trump seria “o nazismo e o fascismo voltando a funcionar com outra cara”, ligando o republicano aos eventos do Capitólio e a uma suposta ameaça global à democracia. Seus aliados repetiram o discurso, associando Trump ao nazismo em falas sobre suas políticas de imigração. Agora, com um simples aperto de mãos, a narrativa virou: o “nazista” se torna parceiro comercial, e a esquerda aplaude. Ontem era o “fim da democracia”. Hoje, o “abraço com química”.


Lula chamou Trump de “nazista” em 2024, mas hoje busca parceria comercial e até celebra aperto de mãos | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil 


Mas o pânico bateu forte quando a adrenalina inicial sucumbiu à realidade. Poucas horas depois de Trump abrir a porta para uma conversa bilateral em seu discurso, prometendo uma reunião na semana seguinte, a assessoria do Planalto jogou água fria naqueles que haviam dito que Lula tinha dado um nó na raposa: “A agenda do presidente está lotada, um encontro presencial é impossível”, disse o chanceler Mauro Vieira à CNN americana. Em vez disso, sugeriram uma ligação telefônica, um downgrade clássico para evitar câmeras e constrangimentos. O efeito Zelensky ainda é um fantasma para quem rosna para Trump em redes sociais ou vídeos no quintal, mas pia mansinho ao vivo diante da fera indomável. O governo confirmou o contato para a próxima semana (vamos ver se essa afirmação dura até lá), mas o tom é de cautela. 

A grande verdade é que um tête-à-tête ao vivo poderia ser um desastre para Lula. Trump, com seu faro para fraquezas e safadezas, tem um arsenal de perguntas incômodas prontas – e não hesitaria em disparálas na frente das lentes. Agora, com Marco Rubio no Departamento de Estado — o filho de imigrantes cubanos que cresceu ouvindo histórias de repressão sob Fidel Castro, amigo próximo de Lula —, o interrogatório ganha um tom pessoal e implacável. Rubio, que em 2023 acusou Lula de buscar “validação” de ditaduras como a de Cuba, Nicarágua e Venezuela enquanto se alia à China, sabe exatamente de onde Lula vem e para onde ele olha: o Foro de São Paulo, o “clube de ditadores” que ele co-fundou com Castro em 1990 para unir a esquerda latino-americana após o colapso soviético. 

Para Rubio, esse Foro não é só uma rede de partidos, mas um mecanismo para perpetuar regimes autoritários — de Chávez a Ortega —, com laços ideológicos a guerrilhas como as Farc. O homem poderoso do Departamento de Estado vê Lula como o arquiteto de uma extrema esquerda que prioriza “companheiros” sobre democracia. Em audiências no Senado, Rubio já alertou acerca da sobre a influência chinesa no Brasil, ligando-a ao apoio de Lula a autocratas. No encontro com Trump, Rubio provavelmente sussurraria: “Lembre-se, ele elogiou Castro como ‘respeitado companheiro’ no Foro — isso é multilateralismo ou seletividade?”


Um encontro direto com Trump seria arriscado para Lula, ainda mais com Marco Rubio no Departamento de Estado expondo seus vínculos com ditaduras e o Foro de São Paulo | Foto: Wikimedia Commons 


Uma conversa por telefone pode até proteger Lula inicialmente, mas Trump tem um arsenal contra o presidente do Brasil além das tarifas que é arrebatador. Além da perseguição política a Jair Bolsonaro e seus apoiadores e a política suja do STF, imaginem o roteiro: 

— “Lula, o que navios de guerra iranianos, sob sanções pesadas dos EUA, estavam fazendo atracados no porto do Rio de Janeiro em 2023 — e por que o Brasil ignorou nossos alertas sobre a logística suspeita e mísseis a bordo?” (O episódio gerou “profundas preocupações” em Washington.) \

— “Por que enviou seu vice, Geraldo Alckmin, à posse do presidente iraniano em 2024, em meio a gritos de ‘Morte à América’ no parlamento de Teerã e ao lado do chefe do Hamas e de outros grupos terroristas que trabalham contra o meu país?” 

— “E o apoio a Maduro na Venezuela, financiando um regime que reprime eleições enquanto você prega democracia na ONU? Em 2024, você restabeleceu laços diplomáticos e o recebeu com tapete vermelho, mesmo após fraudes eleitorais que o mundo condenou. O que tem a dizer sobre isso?”

— “Por que o Brasil se aliou à China em blocos antiocidentais, ignorando nossas tarifas e o déficit comercial bilionário? Seu amigo Xi Jinping, que manda uigures para “campos de reeducação”, recebe elogios do Planalto como ‘parceiro estratégico’ 

— isso é multilateralismo ou seletividade ideológica?” 

— “O que tem a dizer sobre todas as declarações que deu sobre o Brics e a iniciativa de querer derrubar o dólar como moeda global?” 

— “Como você vê as sanções a Moraes e a outros ministros do STF? Perseguição e censura como ferramenta eleitoral não é exatamente o que você acusa de ‘fascismo’ em mim?” 

— “E Cuba? Como fundador do Foro de São Paulo ao lado de Fidel Castro, você envia bilhões em ‘ajuda humanitária’ a um regime que prende dissidentes e censura a internet enquanto critica ‘autocracias’ na ONU. Por que não deu uma palavra sobre os mais de mil presos políticos em Havana atualmente?” 

— “Sobre Daniel Ortega na Nicarágua: o que tem a dizer sobre a afinidade com ‘companheiros de esquerda’ que perseguem padres, exilam bispos e fecham ONGs de direitos humanos?” 

— “Não esqueci de Putin: em maio deste ano, você se sentou ao lado dele em Moscou para o Dia da Vitória e estava cercado por autocratas como Lukashenko da Belarus, ignorando a invasão da Ucrânia e sanções globais. Isso é ‘paz’ ou camaradagem com quem anexa territórios à força?” 

— “E o óleo russo, Lula? O Brasil comprou 64% do óleo diesel em 2024 e 12% dos produtos petrolíferos de Moscou apenas em junho de 2025 no valor de mais de 400 milhões de euros, ajudando Putin a financiar a guerra na Ucrânia. Com nossas sanções de janeiro, por que o Brasil decidiu ignorar nossas ações e arriscar sanções secundárias como a Índia, que levou 25% extras em tarifas?” 

Lula, que elogiou o “multilateralismo” na ONU, vai enfrentar, pessoalmente ou por telefone, o dilema: cortar laços com Moscou e ganhar alívio tarifário de Trump, ou persistir e ver o Planalto isolado como financiador indireto da guerra. 

Eu queria ser uma mosca se esse encontro acontecesse. Cada pergunta seria uma granada, forçando Lula a gaguejar defesas sobre “multilateralismo” enquanto Rubio, com sua herança cubana, cutucaria: “Eu sei o custo da ‘solidariedade’ com ditadores; quantos mais prisioneiros políticos o foro vai inspirar?” 

A torcida de pompom do governo petista, ou a velha imprensa, como queiram, também entrou na arapuca de Trump com a euforia alimentada pela raposa ianque. Lula saiu da ONU sorrindo, mas agora tem um dilema: abraçar o pragmatismo, entrar na armadilha de Trump e arriscar acusações de submissão, ou dobrar a aposta no “multilateralismo”, ignorar a reunião para não ser devorado e prolongar o sofrimento econômico dos brasileiros. 

O Brasil, com uma eleição presidencial se aproximando, sua economia já fragilizada por inflação e dívidas, não pode bancar o idealismo estúpido e eterno de Lula. 

E Trump sabe disso.


O presidente dos EUA, Donald Trump | Foto: Jonathan Ernst/Reuters

Ana Paula Henkel - Revista Oeste