"Falei que o nosso povo é soberano. Que nenhum gringo se atreva a dizer o que nós temos que fazer"
— Escrevi um artigo pro New York Times.
— Tá escrevendo em inglês agora?
— Que inglês, ignorante! Tá maluco?
— Mas o jornal não é americano? \
— É. Mas eles traduzem.
— Pro inglês?
— Não. Primeiro traduzem pro português. Depois pro inglês.
— Muita gente envolvida, né?
— Tudo que eu faço tem muita gente envolvida. Gosto de gente.
— Faz muito bem. Mas o passeio em Nova York dessa vez parece que vai ser pra poucos, né?
— Isso foi uma decisão minha. Não quero expor a minha gente aos fascistas do Norte.
— Tá perigoso mesmo. Muita violência. Dizem até que vão combater o crime organizado aqui no Sul.
— Bravata. Do nosso quintal cuidamos nós.
— Escreveu isso no New York Times?
— Claro. Falei que o nosso povo é soberano. Que nenhum gringo se atreva a dizer o que nós temos que fazer.
— Nem se for chinês?
— Chinês pode. Mas não qualquer chinês.
— Tem que ser de confiança.
— Você é sagaz. Exatamente isso. Confiança é tudo.
— Por isso o companheiro Xi governa com tranquilidade.
— Só tem gente de confiança à sua volta.
— É questão de saber escolher.
— E de saber eliminar.
— Como assim?
— Esquece.
— Essa parte entrou no artigo do New York Times?
— Não.
— Por quê?
— Não deu tempo.
— Eles te pressionaram pra entregar logo?
— Até que não. Mas imagina ter que traduzir isso pro companheiro Xi? Até o pessoal dele corrigir o texto, o Trump já estaria em Roraima.
— Depois do seu artigo matador ele não vai mais se meter com o Brasil.
— Não mesmo. Ele entendeu direitinho o recado. A gente acaba com o dólar em dois tempos.
— Basta infiltrar o Haddad no Federal Reserve.
— Nada disso. Deixa o Haddad aqui que ele tá indo bem. Vai que ele toca violão na TV de lá e eles descobrem o nosso segredo?
— A nossa arrecadação despencaria imediatamente.
— Entendeu? E a deles subiria. Iam taxar até a Estátua da Liberdade.
— Liberdade tem que ser taxada mesmo.
— Ainda mais liberdade de estátua, que não serve pra nada.
— Supérfluo.
— Exatamente. Só que a tecnologia de taxar até pensamento é nossa. Não podemos deixar isso vazar. Segredo de Estado.
— Seria uma ameaça à nossa soberania.
— O Haddad é nosso!
— Escreveu isso no New York Times?
— Nem precisou. Com o que eu botei lá o Trump já ficou p*#@to. Tá processando o jornal.
— Acho que o processo do Trump contra o NYT é por outro motivo.
— Dane-se. Eu espalho que é por minha causa e todo mundo acredita.
— Todo mundo acredita no que você fala.
— Não é maravilhoso, isso? Eu sou um cara escolhido.
— Pode dizer as maiores barbaridades que a imprensa continua puxando o seu saco.
— Barbaridades?
— Barbaridades no bom sentido.
— Ah, tá.
— E a COP30? Será que o Trump vem?
— Convidei.
— Ligou pra ele?
— Não. A fila no orelhão tava grande. Mandei uma carta.
— E se ele vier?
— Será muito bem recebido. Já tem até faixa pra saudá-lo no aeroporto.
— O que vai estar escrito nessa faixa?
— Fuck you.
— Ahahaha. Gênio!
— Não me considero um gênio. Sou só um cara esperto.
— Oswaldo Aranha ficaria orgulhoso.
— Não me fala em picanha pelo amor de Deus.
Guilherme Fiuza - Revista Oeste