PEC estabelece que produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente sejam taxados, mas não especifica itens; temor é que finalidade regulatória do tributo seja desvirtuada em meio à necessidade arrecadatória do governo
O imposto seletivo proposto
pela reforma tributária tem
movimentado tributaristas e
entidades empresariais pelo
risco de encarecer serviços
hoje considerados essenciais,
como energia elétrica,
combustíveis e
telecomunicações — os quais,
além de atender ao
consumidor final, também
são insumos em outras
cadeias produtivas.
O novo imposto, a ser
cobrado além do Imposto
do Valor Agregado (IVA)
— que vai unificar os
tributos atuais —, foi
criado com a missão de
taxar a mais produtos
considerados prejudiciais
à saúde e, uma inovação,
ao meio ambiente. Por isso,
também é conhecido como
“imposto do pecado”.
Hoje, itens como bebidas
alcoólicas e cigarros já têm
tributação adicional, mas a
expectativa é que a lista de
itens sobretaxados possa
aumentar com a previsão
expressa na Constituição a
atividades que economistas
classificam como geradoras
de “externalidades negativas”.
No caso da energia elétrica,
há o temor de que a geração
seja considerada danosa ao
meio ambiente e, por isso,
passível de ser taxada pelo
seletivo. A matriz energética
brasileira é composta, por
exemplo, por termelétricas
movidas a carvão, uma
fonte mais poluente. E até
mesmo as hidrelétricas,
majoritárias no nosso
sistema, poderiam ser
consideradas prejudiciais
devido à construção dos
reservatórios, que impactam
que impactam a fauna e
a flora. Em relação aos
combustíveis fósseis, o
receio também está ligado
à questão ambiental, uma
vez que a queima produz
gases do efeito estufa.
O texto da reforma tributária
aprovado na Câmara
estabelece que o imposto
seletivo será de
responsabilidade do
governo federal e, assim
como funciona hoje com
o IPI (Imposto sobre
Produtos Industrializados)
— que também tem caráter
regulatório —, poderá ter a
alíquota alterada a qualquer
momento por iniciativa da
União, sem a necessidade
de aval do Congresso. Ele
também não precisará
esperar até o ano seguinte
(princípio da anterioridade)
para começar a valer.
A regulação desse imposto
está prevista para lei
complementar, com a
menção explícita a bens e
serviços passíveis da
sobretaxa. No entanto,
uma redação incluída na
PEC deixou alguns setores
preocupados, pois, segundo
tributaristas, viraram
candidatos a entrar para o
seletivo — principalmente
em momentos em que
houver necessidade de
elevar a arrecadação.
São eles: energia elétrica,
serviços de telecomunicações,
derivados de petróleo,
combustíveis e minerais.
A nova redação do artigo 155
da Constituição afirma que
esses bens e serviços não
erão taxados por nenhum
outro imposto, à exceção do
IBS (novo imposto que
substituirá o ICMS, estadual,
e o ISS, municipal) e do
seletivo.
“Essas atividades permitem
uma arrecadação muito alta
ao governo.
Telecomunicações e energia,
por exemplo, são consumidos
por todos. Então esses
setores sabem que são alvos
fáceis”, explica Luiz Roberto
Peroba, sócio da área t
ributária do Pinheiro Neto
Advogados. “O IPI,
originalmente, tinha essa
finalidade regulatória; mas,
com o passar do tempo, isso
foi se desvirtuando”, afirma.
Serviços essenciais
A questão é que eletricidade,
combustíveis e
telecomunicações receberam
o tratamento de serviços
essenciais pelo Supremo
Tribunal Federal, que
determinou que eles não
poderiam ter taxas elevadas
de ICMS e deveriam ser
tributados pela alíquota
modal (a padrão) de cada
Estado, que à época girava
ao redor de 17%.
Esse entendimento embasou
uma lei complementar proposta
por Jair Bolsonaro (PL) no ano
passado que obrigou os
governadores a baixar o ICMS
sobre combustíveis
temporariamente. Agora,
durante a tramitação da reforma
tributária, esses setores
batalham para serem
considerados essenciais e,
assim, escaparem do seletivo.
No entanto, o advogado
Rodrigo Bevilaqua, que é
sócio da área tributária do
escritório Cescon Barrieu,
afirma que a essencialidade,
por si só, não é suficiente. “
O enquadramento como
essencial é um caminho, mas
não basta para afastar o risco
do seletivo”, diz. “Seria
necessário prever que, como
essenciais, eles merecem
tratamento diferenciado com
taxação não superior aos
demais.”
A diretora de Assuntos
Técnicos e Regulatórios da
Associação Nacional dos
Consumidores de Energia
(Anace), Mariana Amim,
afirma que o
reconhecimento da
essencialidade seria apenas
o primeiro passo para o
setor negociar esse
tratamento diferenciado, por
meio de alíquotas reduzidas
— afastando, dessa maneira,
a incidência do seletivo.
Isso porque a PEC proíbe a
cobrança desse novo tributo
sobre bens e serviços que
tenham redução de alíquota.
“Por isso a importância de o
Senado reconhecer a energia
elétrica como um insumo
essencial”, afirma Mariana.
Biocombustíveis, como o etanol,
já foram agraciados, ainda na
Câmara, com tratamento
diferenciado. A nova redação
do artigo 225, no texto da
reforma tributária, assegura
“tributação inferior à incidente
sobre os combustíveis fósseis,
capaz de garantir diferencial
competitivo”.
Bevilaqua afirma que a
gestão da União sobre o
seletivo também deixou em
alerta o setor de petróleo,
após o Ministério da Fazenda
ter elevado o imposto sobre
as exportações de óleo
bruto em maio, sem aviso
prévio. A equipe econômica
alega que precisava da
receita para manter a
desoneração do diesel até
o fim deste ano, mas as
empresas recorreram à Justiça.
“Um imposto que é regulatório
(o de exportação) foi usado
com viés arrecadatório, e o
temor é que o seletivo opere
com essas mesmas
prerrogativas”, diz o advogado.
A Fazenda tem apresentado
resistências à inclusão de
mais setores na lista de
exceções, alegando que
isso pode afetar o
funcionamento do novo IVA.
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, já disse que a depender do número de tratamentos diferenciados a reforma pode ir por terra.
Zona Franca
Mas o seletivo não está
provocando debate apenas
pelo risco de sobretaxa
nestes setores. O advogado
Gustavo Brigagão, do
escritório Brigagão, Duque
Estrada, afirma que no
capítulo inserido sobre a
Zona Franca, o texto da
reforma também previu
ue o seletivo possa ser
usado para manter o
diferencial de tributação
para as empresas instaladas
na região.
Neste caso, o seletivo
seria aplicado sobre
concorrentes da Zona
Franca fabricados em
outras regiões do País,
como motos ou
refrigerantes, por exemplo.
O artigo 92-B afirma que
serão utilizados, individual
ou cumulativamente,
instrumentos fiscais,
econômicos ou financeiros,
inclusive a incidência do
imposto seletivo, para
manter o tratamento
favorecido às empresas
instaladas na região.
“A menos que você
considere uma externalidade
negativa ao meio ambiente
industrializar, comercializar
ou importar um bem fora
da Zona Franca, essa
aplicação do seletivo não faz
sentido”, afirma Brigagão.
Peroba reforça a avaliação:
“Essa aplicação do seletivo,
do ponto de vista técnico,
é totalmente inadequada.
Foi uma escolha política.”
A previsão foi um pleito da
bancada do Amazonas,
que negociou com o
Ministério da Fazenda
inserções na reforma que
garantissem a sobrevida
da região, cuja previsão
atual de existência vai até
2073. O relator da reforma
no Senado, Eduardo Braga
(MDB-AM), foi um dos
principais responsáveis
pela inserção dos trechos
que atendem à Zona Franca
e, por isso, é improvável que
faça modificações na
tramitação no Senado.
Mariana Carneiro e Bianca Lima, O Estado de São Paulo