Cassação do mandato de Dallagnol pode ser contestada no próprio TSE ou ainda levada ao Supremo Tribunal Federal.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo / arquivo
A cassação do mandato de deputado federal de Deltan Dallagnol (Podemos-PR) por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é o mesmo que alguém começar a cumprir pena sem a comprovação do crime. Parte-se da presunção de que a existência de mera investigação permite a conclusão da prática de infração administrativa passível de imposição de demissão e, por conseguinte, apta a impedir a candidatura.
Para melhor compreensão do tema, eis um breve resumo do ocorrido. O TSE entendeu que a conduta de Dallagnol se enquadra nas vedações previstas na Lei Ficha Limpa. Tal legislação exige que o ex-promotor de Justiça não esteja respondendo por nenhum processo disciplinar antes de se exonerar do cargo público que ocupava por força de concurso. Houve, inclusive, comprovação documental do preenchimento do requisito legal. Contudo, o TSE considerou que o ato exoneratório foi praticado em fraude à lei, pois pendentes de decisão sobre eventual instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) estariam 15 apurações preliminares.
Não podemos permitir que dentro de um Estado democrático, o objetivo seja punir inimigos em vez de proteger e servir aos cidadãos.
Tal raciocínio embasou a cassação do mandato no Congresso Nacional de Dallagnol. Partiu-se, portanto, da suposição de que o ex-promotor “pediu exoneração para fugir de um PAD inevitável”. Porém, de concreto existe uma certidão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que atesta a inexistência de PAD. O fato é que o membro do Ministério Público (MP) que pretenda o exercício de atividade política partidária na modalidade ativa ou passiva é obrigado a se desligar da função, abrindo mão, com isso, de todas as garantias conquistadas: vitaliciedade, férias, percepção de subsídios, e inamovibilidade. Trata-se, portanto, de vedação legal impeditiva do acesso a cargo público, que é de livre acesso a todos os demais cidadãos.
Poucos sabem, mas nem todos os ministros do TSE, por exemplo, são membros da carreira da magistratura, sendo escolhidos pelo chefe do Poder Executivo para o exercício de mandato. Nesta esteira de raciocínio, foi respeitado o devido processo legal em relação ao ministro do TSE Benedito Gonçalves, uma das pessoas que figuraram na operação Lava-Jato, por conta de suas relações com um ex-presidente da empreiteira OAS. Logo, não há sentido na aplicação de pena sem o respectivo corolário legal.
Quando o empreiteiro foi detido pela primeira vez em novembro de 2014, em uma das fases da Lava Jato que mirou construtoras que haviam firmado negócios com a Petrobrás, o chefe da força-tarefa de procuradores em Curitiba-PR era justamente Dallagnol. Na época, foi oferecido ao empreiteiro um acordo de colaboração, após o decurso de mais de três anos preso em regime fechado, uma vez que ele foi um dos principais acusadores de Lula no processo que levou o petista à prisão em 2018, no caso do triplex do Guarujá (SP).
O instituto da suspeição delimita as hipóteses em que o magistrado fica impossibilitado de exercer sua função em determinado processo, devido a vínculo subjetivo (relacionamento) com algumas das partes – fato que compromete seu dever de imparcialidade. Por exemplo, é considerado como suspeito o juiz que tem relação de proximidade com participante de ação judicial sob sua jurisdição, seja por amizade ou inimizade, por tê-las aconselhado, ser credor ou devedor das mesmas, e/ou se for sócio de empresa interessada no processo, só para citar algumas possibilidades.
Se os institutos legais não forem mais respeitados, como consequência, a confiança no Sistema Judiciário será abalada e a Justiça não será realmente alcançada em nosso país. Os processos judiciais devem ser conduzidos de forma justa e transparente, respeitando o direito a um julgamento justo e imparcial. Diante destas evidências, as liberdades individuais estão em grave risco no Brasil. Não podemos permitir que dentro de um Estado democrático, o objetivo seja punir inimigos em vez de proteger e servir aos cidadãos.
Raquel Gallinati é delegada de Polícia, pós-graduada em Ciências Penais, em Direito de Polícia Judiciária, e em Processo Penal, mestre em Filosofia, diretora da Associação dos Delegados de Polícia (Adepol) do Brasil, e embaixadora do Instituto Pró-Vítima.
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