sexta-feira, 26 de maio de 2023

'O Brasil está se aproximando do eixo autoritário', diz cientista político Adriano Gianturco

Adriano Gianturco | Foto: Reprodução/YouTube


Ele comenta os avanços autoritários do Poder Judiciário no Brasil e as relações internacionais do governo do ex-presidiário Lula


Natural de Catania, na Itália, Adriano Gianturco vive no Brasil desde 2010. Coordenador do curso de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) de Belo Horizonte, é doutor em Teoria Política e Econômica pela Universidade de Gênova e mestre em Ciência Política pela Universidade de Turim.

Autor do livro A Ciência da Política (Forense Universitária, 2020), Gianturco também dá aulas no Instituto Mises Brasil e, nos últimos tempos, tem dedicado especial atenção aos avanços autoritários do Poder Judiciário no país. 

“A legitimidade tanto do Supremo Tribunal Federal quanto do Tribunal Superior Eleitoral perante a população está despencando”, diz. “Nunca as cortes constitucionais e os juízes estiveram no centro do debate político, ainda mais de forma negativa. Isso mina não só a legitimidade do processo político, mas também dos guardiões do sistema democrático”.

Para Gianturco, a cassação do deputado federal Deltan Dallagnol, ex-procurador da Lava Jato, não teve o menor cabimento. Sobre as eleições, ele relembrou que “foi proibido mencionar que Lula era a favor do aborto”, ignorando vídeos gravados e falas diretas do petista afirmando exatamente isso. “É importante entender que isso não é comum em outros países. Isso é totalmente surreal”.


Gianturco dá aulas no Instituto Mises Brasil e, nos últimos tempos, tem voltado a atenção para os avanços autoritários do Poder Judiciário no país | Foto: Reprodução/YouTube

Para Gianturco, o Brasil vive uma situação perigosa. “As pessoas podem chamar como quiserem: de democracia, autoritarismo ou ditadura do Judiciário”, diz. “A verdade é que estão sendo tomadas uma série de decisões ilegais, ilícitas, inconstitucionais, especialmente contra um lado político.”

Ele também explica que a atual discussão sobre o que é democrático e antidemocrático no Brasil é, na verdade, “política oportunista e vazia”. “É uma forma de fugir do debate e diminuir a legitimidade do adversário”, observa. “E um dos efeitos é essa polarização, um clima de extremismo e de caça às bruxas que legitima tudo isso”.

Confira os principais trechos da entrevista:

Como o senhor avalia o Projeto de Lei 2630, que pretende regulamentar as plataformas digitais?

O PL 2630 é péssimo. Não tem cabimento a censura. Essa foi uma das campanhas eleitorais menos mentirosas da história. O PT deixou claro antecipadamente tudo o que ia fazer. O projeto de lei vem como a base legal para o que já está acontecendo no país faz tempo via judicial. De forma ilegal, ilícita e inconstitucional. Mesmo o PL não sendo aprovado, essa situação vai continuar sendo aplicada de fato. Não é verdade que existam paralelos internacionais iguais a esse em países democráticos. Quando se fala que “na União Europeia também estão regulamentando” os meios de comunicação, não é verdade. Lá estão regulamentando outras coisas, como a remuneração de reportagens de jornais, sites e revistas que são compartilhados nas redes. Aqui estão discutindo criminalizar falas, opiniões.

Em Brasília (DF), sessão da Câmara que tentou votar o PL 2630, em 2/5/2023 | Foto: Lula Marques/Agência Brasil
O presidente Lula criticou o uso do dólar como a principal moeda usada no comércio global. É plausível discutir o abandono do uso do dólar num comércio globalizado?

Isso não faz o menor sentido. Ainda mais pensar em fazer uma moeda comum com a China, que é um país sem um banco central independente, que desvaloriza sua moeda se quiser e quando quiser. Um país autoritário, de partido único. Na verdade, o Brics nem deveria existir. Só serve para pagar viagens internacionais para políticos, diretores, coordenadores, tesoureiros etc. São países que não têm absolutamente nada em comum do ponto de vista econômico, político, geopolítico e estratégico. Na América Latina, existem marxistas que acham que qualquer coisa contra os Estados Unidos é boa, até mesmo se aproximar de regimes autoritários. E essa união com a China é só uma das estratégias nesse sentido. Quanto disso vai se concretizar? Acho que muito pouco, é mais uma sinalização.

“Nos 14 anos de governo petista, o Brasil foi aliado das piores ditaduras do mundo. De países como Venezuela, Angola, Moçambique, Bolívia e Cuba”

Outra proposta do governo Lula III foi uma moeda comum entre os países sul-americanos. Isso seria viável?  

Os argentinos não usam a própria moeda. A América Latina, entre outras particularidades, é conhecida pela economia dolarizada. O Brasil superou isso, graças ao real. Mas onde os bancos centrais desvalorizam a moeda, a população, para se proteger da inflação, escolhe usar o dólar. Isso parte das pessoas. Em lugar de ter uma moeda única, comum, os países deveriam ter mais moedas competindo entre si. Uma das formas de integrar uma região é ter uma moeda comum, como no caso do euro. A outra é aceitar mais moedas em seu território. Por exemplo: o Brasil aceitar o peso argentino e, o Chile, aceitar o real. Isso geraria mais concorrência e os bancos centrais seriam obrigados a não desvalorizar as moedas. 


Lula com Alberto Fernández, durante visita à Argentina | Foto: Divulgação/Casa Rosada
O que o senhor acha da política externa do governo Lula?

Nos 14 anos de governo petista, o Brasil foi aliado das piores ditaduras do mundo. De países como Venezuela, Angola, Moçambique, Bolívia e Cuba. É famosa aquela foto de Lula levantando a mão junto de Mahmoud Ahmadinejad, do Irã. É um ditador que em plena ONU fez discurso homofóbico. E era negacionista de verdade: negava o Holocausto dos judeus. Rasgaram qualquer protocolo internacional com o financiamento do regime cubano através do programa de fachada Mais Médicos. O BNDES e o Tesouro ainda estão esperando o dinheiro de Cuba, da Venezuela e da Argentina, para quem o pagador de impostos emprestou e recebeu em troca um calote. Teve o caso do Porto de Mariel. Como pode o BNDES emprestar dinheiro para a Argentina? A Argentina é o pior pagador do mundo. Os argentinos não pagam o FMI, por que vão pagar o Brasil? Trata-se de uma transferência de dinheiro do pagador de impostos brasileiro para o Foro de São Paulo. Os outros países percebem que o Brasil está se aproximando cada vez mais do eixo autoritário.

Lula já disse que o presidente ucraniano tem interesse na guerra com a Rússia, que os Estados Unidos incentivam o conflito e até sugeriu que a Ucrânia abrisse mão da Crimeia em prol da paz. Que mensagem essas falas de Lula passam para os países democráticos?

Péssima. Lula está falando que os países europeus e os norte-americanos têm culpa nessa situação. Ele diz que não querem paz. Quando Jair Bolsonaro foi à Rússia se encontrar com Putin antes da invasão, houve críticas da mídia. Isso antes da invasão. Mas Lula tem mais campo aberto. Pode tudo. Os professores relativizam ou justificam essa atitude. Há uma leniência. Vamos olhar os fatos: o Brasil está aumentando as exportações para a Rússia e aumentando as importações da Rússia, o que faz a economia daquele país melhorar. Consequentemente, permite que a guerra continue por mais tempo. É importante olhar os fluxos de dinheiro. É verdade que esses interesses econômicos são independentes do governo. O agronegócio exporta para a Rússia independentemente de Lula ou Bolsonaro. Bolsonaro não criticou abertamente a Rússia, mas Lula vai além disso, ao culpar o invadido. É antiamericano, uma doença mental que os marxistas latino-americanos ainda têm. Eles ainda vivem na Guerra Fria.

Vladimir Putin, presidente da Rússia | Foto: Reprodução/Kremlin
Em 2014, durante o governo Dilma, Israel chamou o Brasil de “anão diplomático”. O senhor concorda com a afirmação?

Concordo. Na América Latina, algumas pessoas acham que o Brasil é uma grande potência, mas não é. No continente é um país importante, porque é o maior na esfera regional. Mas na esfera internacional não é relevante. O comércio internacional do Brasil é ridículo, cerca de 1% do mundial, sendo que a população representa 2,6%. Um dos poucos campos em que o Brasil é relevante é o agro: celeiro do mundo, comida para metade do planeta. Mas, do ponto de vista diplomático, não. O Brasil não é um player internacional e é bom que não seja. Holanda, Dinamarca e Nova Zelândia não contam nada internacionalmente e vivem muito bem. Não precisa ser potência internacional. Existem países que têm a bomba atômica, como Coreia do Norte e Paquistão. Como isso se traduz para a população? Em nada. A Índia agora é o quinto país do mundo a mandar um satélite para a Lua, enquanto os indianos não têm nem esgoto. O importante é o PIB per capita.

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Evellyn Lima, Revista Oeste