Foto: Agência Câmara
Não há ampla defesa no meramente protocolar
A Constituição Federal, em seu artigo 55, parágrafo 2º., garante ao parlamentar, que sofre condenação criminal por sentença transitada em julgado, ter sua situação revista pelo Senado ou Câmara, só perdendo o mandato por decisão da maioria.
O mesmo dispositivo, no parágrafo 3º., estabelece que, em caso de perda de mandato decretada pela Justiça Eleitoral, a decisão será declarada pela Mesa da Câmara.
Muito embora chame atenção o fato de maiores garantias serem asseguradas ao condenado criminalmente que ao cassado em sede eleitoral, imperioso frisar que, nas duas hipóteses, a Carta Magna pressupõe a ampla defesa.
No âmbito da Câmara Federal, vigora o Ato de Mesa 37/09, que regulamenta os procedimentos a serem observados nas hipóteses de perda de mandato por determinação da Justiça Eleitoral, suspensão dos direitos políticos e quebra de decoro parlamentar.
Apesar de, em seu artigo 5º, referido Ato instituir que naquele primeiro caso a análise ficará restrita aos aspectos formais, em outros dispositivos prevê providências que permitem avaliação aprofundada desses mesmos aspectos, com a instauração de sindicância, a tomada de depoimento do deputado e de testemunhas, além da expedição de ofícios e pedido de esclarecimentos a autoridades.
Muito embora chame atenção o fato de maiores garantias serem asseguradas ao condenado criminalmente que ao cassado em sede eleitoral, imperioso frisar que, nas duas hipóteses, a Carta Magna pressupõe a ampla defesa
A fim de afastar a alegação de que essa produção de provas somente seria possível relativamente à quebra de decoro, destaca-se que quando o Ato em apreço quis diferenciar, assim o fez de forma expressa.
Diante das considerações acima, pode-se dizer assistir maior razão ao presidente que ao corregedor da Câmara dos Deputados, quanto ao papel da Casa frente à cassação do deputado Deltan Dallagnol, por parte do Tribunal Superior Eleitoral.
Com efeito, ao se manifestar logo após a decisão, Arthur Lira afirmou que somente a Câmara cassa deputado; Domingos Neto, por outro lado, tem adotado postura menos combativa, que sugere trâmites quase protocolares.
Pois bem, com fulcro em interpretação sistemática, entendo ser possível defender que um parlamentar cassado por ramo mais brando do Direito tenha as mesmas garantias de colega condenado definitivamente no âmbito penal, que é o braço mais forte do Estado, resguardado para as situações mais reprováveis. Em outras palavras, penso que até mesmo o mérito poderia ser apreciado. Mas, ainda que não vigore essa interpretação protetiva, há questões formais passíveis de serem revistas.
De plano, consigna-se que a suposta suspeição de autoridade julgadora guarda relação com os aspectos formais que podem ser analisados pela Casa Legislativa integrada pelo parlamentar alcançado.
Igualmente formal a avaliação da presença dos requisitos legais para o decreto de perda de mandato com base na Lei da Ficha Limpa. A Câmara, por meio da Mesa Diretora, tem competência para dizer se procedimentos prévios podem ser equiparados a processos administrativos (PA), para fins de inelegibilidade.
É bem verdade que alguns juristas, assumidamente críticos à Lava Jato, têm defendido a tese de que a doutrina, em várias oportunidades, equipara procedimentos a processos e, por isso, seria possível que representações e sindicâncias contrárias ao deputado o tornassem inelegível. Deixam de informar, entretanto, que essa aproximação costuma ser feita para que os direitos e garantias concernentes aos processos sejam também aplicados aos procedimentos. Trata-se, por conseguinte, de analogia admissível quando favorável ao imputado e não o contrário, como ocorrera.
Ademais, não parece excessivo sustentar que a Câmara também estaria legitimada a verificar se os dois precedentes citados no voto condutor da cassação poderiam realmente ser reputados como tais, na medida em que não se referem à retirada de mandato de deputado eleito.
O olhar cauteloso da Câmara Federal a todas as peculiaridades envolvidas na cassação de Deltan Dallagnol em nada fragilizará a separação dos poderes, a democracia ou o estado democrático de direito. Rever a decisão pode, inclusive, reforçar esses pilares constitucionais, dado que a elegibilidade é a regra, não sendo desejável deixar brechas para que futuras inovações impactem mandatos de outros parlamentares, independentemente de partidos ou linhas ideológicas.
Janaina Conceição Paschoal é advogada, professora livre docente de Direito Penal na Universidade de São Paulo (USP) e ex-deputada estadual em São Paulo
Revista Oeste