Luiz Inácio Lula da Silva comemora os 42 anos de fundação do Partido dos Trabalhadores, com Fernando Haddad, Janja e Gleisi Hoffmann | Foto: Ricardo Stuckert
Ao final de 2026, o PT terá completado 20 anos no comando do país. Esse período é maior do que o tempo total que Vargas esteve no poder e só um ano mais curto do que a duração do Regime Militar
“Desde os tempos da Revolução Francesa a esquerda sempre cria a sua própria direita, para não deixar espaço para nenhuma outra.”
Olavo de Carvalho, Aforismos, Vide Editorial, p.47
Já se passaram 22 anos desde que entramos no século 21. Durante 16 desses anos o controle do governo brasileiro esteve nas mãos do PT. Para entender o que isso significa, vamos fazer um exercício de imaginação que me foi sugerido pelo economista Marcos Troyjo, ex-presidente do Banco dos Brics.
Imagine que esses 22 anos são como uma semana. Quando ela começa, à meia-noite de domingo, o PSDB já está no poder com Fernando Henrique Cardoso.
Às 3 horas da tarde de segunda-feira, o PT chega ao poder no seu primeiro mandato, ao qual se sucederiam outros três. Isso significa que, na nossa semana imaginária, o PT governou das 3 horas da tarde de segunda-feira até as 3 horas da tarde do sábado. Só nesse momento Jair Bolsonaro, o candidato da direita, assume o poder, e governa até a meia-noite de domingo.
Repetindo em nome da clareza: se o século 21 até agora fosse o equivalente a uma semana, a direita brasileira teria ficado no poder apenas um dia e meio. Em todos os outros cinco dias e meio a esquerda governou o Brasil.
Outras comparações também podem ser úteis para entender o tamanho da era petista. Ao final do seu atual mandato, em 2026, o PT terá completado 20 anos no comando do país. Esse período é maior do que o tempo total que Getúlio Vargas esteve no poder (15 anos, de 1930 a 1945, somados a mais quatro anos, de 1951 a 1954, um total de 19 anos) e só um ano mais curto do que o período do Regime Militar de 1964 (que durou 21 anos, até 1985).
O tempo de poder do PT supera o do fundador da União Soviética, o assassino totalitário Lênin, que só ficou no poder sete anos (de 1917 a 1924). O PT supera também o tempo de poder do assassino totalitário — cujo nome me recuso a escrever — que liderou o socialismo nacional alemão e que dominou seu país por apenas 12 anos (de 1933 a 1945). O período do PT no poder ultrapassa de longe a Revolução Francesa, que durou aproximadamente dez anos (de 1789 a 1799), e Napoleão Bonaparte, que esteve no poder durante 15 anos (de 1799 a 1814).
O presidente americano que governou por mais tempo foi Franklin Roosevelt, o único eleito para a presidência por quatro mandatos consecutivos (o que jamais voltará a acontecer, devido à proibição imposta pela 22ª Emenda Constitucional, aprovada em 1951). Roosevelt liderou o país durante a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial, assumindo o cargo pela primeira vez em 1933. Sua carreira presidencial terminou com sua morte, em abril de 1945, ainda no cargo. No total, Franklin Roosevelt esteve no poder por pouco mais de 12 anos.
Mais uma vez o PT ganha fácil.
A permanência do mesmo grupo político no poder durante tanto tempo deveria ser motivo de preocupação para qualquer um que defenda democracia e república. Essa preocupação aumenta com a constatação de que o grupo tem uma visão de mundo incompatível com a realidade moderna.
Com raríssimas exceções que confirmam a regra, as ideias da esquerda brasileira representam um modelo de Estado inchado, aparelhado e obsoleto, submetido a um mecanismo de aquisição e manutenção de poder populista e ideologicamente radical. A gestão pública — ou a falta dela — é caracterizada pela confusão entre partido político, governo e Estado. Essa confusão contamina as instituições com objetivos políticos e ideológicos desconectados da realidade e transforma órgãos e agências estatais — incluindo aqueles encarregados de policiamento, fiscalização e controle — em imensos cabides de emprego para amigos dos poderosos ou em armas de destruição em massa de adversários.
Em um país como o Brasil, os poderosos podem muito; podem até afrontar a realidade, desprezar o bom senso fiscal e ignorar as leis ou subvertê-las
Entre as pequenas e grandes tragédias resultantes dessas ideias estão a intrusão cada vez maior do Estado na atividade econômica e a reversão, através da ditadura do politicamente correto, de uma das grandes conquistas da humanidade: o conceito de direitos fundamentais.
Em vez de serem considerados direitos naturais que nos pertencem desde o nascimento, a liberdade de expressão, o direito de ir e vir, o direito à propriedade e até o direito à autodefesa armada passam a ser concessões graciosas do Estado, que podem ser revogadas — e frequentemente o são — a qualquer momento.
Os líderes iluminados encarregados de escrever leis e regulamentações desconhecem, na maioria dos casos, os fundamentos da administração, da economia e da tecnologia. Os políticos que querem criar um imposto digital reclamam do “bitcoio” e confundem “link” com “print”.
O resultado é trágico e cômico, embora a frequência da tragédia seja maior que a da comédia.
Em um país como o Brasil, os poderosos podem muito; podem até afrontar a realidade, desprezar o bom senso fiscal e ignorar as leis ou subvertê-las, prendendo inocentes e soltando culpados. Ainda que essa estratégia não seja sustentável, ela pode durar tempo suficiente para causar estragos irrecuperáveis na vida de milhões de pessoas. Dizendo de outra forma: em algum momento a tempestade vai passar, mas não há garantia de que nosso barco sobreviverá a ela.
O uso do cachimbo entorta a boca. A história mostra que longos períodos no poder dão a pessoas e grupos uma confirmação de superioridade, de pertencimento a uma casta superior para a qual as regras básicas do Estado de Direito — como a igualdade perante a lei — não têm nenhum significado.
Muitas pessoas me param na rua, pedindo respostas que eu não tenho ou compartilhando um desalento que beira o desespero. Eu sempre respondo com fatos: apesar de tudo o que acabei de relatar, apesar da hegemonia petista no poder, apesar do aparelhamento sem limites do Estado e da inversão da lógica da justiça — apesar de tudo isso —, desde 2014 as ruas brasileiras são verde-amarelas, o cidadão comum nunca entendeu tanto de política, e promotores e juízes corajosos ousaram mostrar, com a operação Lava Jato, que ninguém está acima da lei.
As sementes de intolerância, atraso e radicalismo que o PT plantou nas instituições continuam germinando.
Mas uma semeadura melhor já começou.
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Revista Oeste