Relator da CPI do MST, Ricardo Salles, apresentou plano de trabalho das investigações. Advogados que apoiam o MST querem pacto de civilidade na comissão| Foto: Douglas Gomes/ Republicanos
Em meio à estratégia da base governista, deputados de oposição têm sido alvo de críticas e acusações nas reuniões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Os principais alvos dessa ofensiva são os deputados Tentente-Coronel Zucco (Republicanos-RS) e Ricardo Salles (PL-SP), presidente e relator da CPI do MST, respectivamente. Além deles, o deputado delegado Éder Mauro (PL-PA) também é um dos mais mencionados.
Deputados aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) utilizam investigações contra os parlamentares de oposição para confrontar o comando da comissão e para postergar e criticar o andamento dos trabalhos. A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), por exemplo, tem usado recursos regimentais para reforçar seu posicionamento contrário à condução de Zucco e Salles.
Já a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ), por exemplo, relacionou Salles com grilagem, madeireiros e garimpo ilegal. “O relator desta Comissão é acusado de fraudar mapas. Ele tem relação com o garimpo ilegal”, afirmou a parlamentar fluminense. Talíria se referiu a um processo em que ele foi acusado pelo Ministério Público de fraudar o Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê, quando foi secretário estadual de São Paulo. Após as acusações, Salles disse que irá entrar com representação no Conselho de Ética contra Talíria.
Contra Zucco, presidente da CPI, os deputados Valmir Assunção (PT-BA) e Sâmia Bonfim apontaram uma investigação a ser realizada pela Polícia Federal e que foi autorizada na última semana pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A investigação diz respeito a publicações feitas entre outubro e novembro nas redes sociais.
De acordo com a Polícia Civil do Rio Grande do Sul, onde as investigações iniciaram, o então deputado estadual teria motivado manifestações e atos antidemocráticos contra o resultado das eleições nas publicações. O caso foi remetido ao STF após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) entender que, como Zucco foi eleito deputado federal, ele tem foro privilegiado.
Zucco afirmou, no entanto, que essa é uma “resposta política” diante de seu trabalho à frente da CPI do MST. Em nota, o presidente da CPI do MST disse que se trata de “tentativa de ‘requentar’ pauta já há muito esclarecida”. “Documentos e vídeos de domínio público da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul demonstram que não há qualquer indício de envolvimento com quaisquer atos atentatórios à democracia", disse.
"Estou tranquilo em relação à investigação e certo de que a Polícia Federal verificará que nenhum crime houve, assim como já observado pela autoridade policial do Rio Grande do Sul. Informo que minha assessoria jurídica se encontra à disposição da justiça para colaborar e esclarecer quaisquer pontos que se mostrem necessários”, completou Zucco, em nota enviada à imprensa.
Além deles, o deputado Éder Mauro também tem sido alvo de acusações ao afirmar frequentemente que o MST é composto por “marginais”. “Se está apurando exatamente situações de um grupo que não é movimento social, mas um movimento de marginais que invadem, que quebram, que põem fogo em sedes de fazendas, que matam animais”, disse o deputado paraense durante a CPI.
Para rebater as afirmações, Talíria se referiu a Mauro como “torturador”. “Sr. presidente, eu não quero ser interrompida por torturador”, disse a deputada do PSOL. Ela se referia a um caso envolvendo o então delegado Éder Mauro, ocorrido em 2008, mas em que o deputado foi absolvido, em 2016, no julgamento no Supremo. De acordo com a ação, o delegado teria permitido que agentes sob sua liderança cometessem excessos. O STS, no entanto, considerou, de forma unânime, que faltavam provas para comprovar a omissão do acusado em relação a conduta dos policiais.
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Deputados que defendem o MST dominam apresentação de requerimentos na CPI
A ofensiva da base governista também refletiu na apresentação de requerimentos na CPI do MST. Aproximadamente 100 foram protocolados por membros da comissão. Quase 70 deles são de parlamentares do PCdoB, do PSOL e do PT. Na maior parte, deputados da esquerda - que defendem o MST - pretendem realizar audiências públicas para ouvir pessoas ligadas ao movimento, mas também miram o reforço das narrativas contra o comando da CPI.
Dentre as audiências propostas pelos parlamentares da esquerda, está o nome do delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva. Ele foi o responsável por apresentar uma notícia-crime contra Salles, relator da CPI do MST. A denúncia foi feita enquanto ele estava à frente da pasta do Meio Ambiente no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Após a divulgação da denúncia, Salles renunciou ao cargo de ministro.
O requerimento, no entanto, não menciona qual seria a ligação do delegado com a temática da CPI. “A presença do Delegado Alexandre Saraiva será de grande valia por sua experiência e conhecimentos da região amazônica que enfrenta nos últimos anos a ascensão do crime organizado”, diz a justificativa para o convite ao delegado.
Plano de trabalho da CPI do MST prevê visitas em assentamentos e nos estados das invasões
No plano de trabalho apresentado pelo relator ficou estabelecido que o colegiado atuará na apuração de denúncias, identificação de organizadores e financiadores das invasões de terras no Brasil. O documento também prevê que a CPI deve realizar audiências externas, também chamadas de diligências, para ir até os estados e municípios onde ocorreram invasões neste ano.
A Bahia está entre os estados que devem ser visitados. De acordo com dados da Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), apenas essa unidade da federação registrou 17 invasões entre janeiro e abril de 2023. Esse é o maior número de invasões registradas em um único estado no período. No total, a CNA registrou 56 invasões em dez estados.
Além disso, Salles destacou que poderão ser feitas visitas técnicas e diligências em todos os estados onde existem assentamentos instalados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A CPI do MST buscará ainda a identificação de autoridades que estejam se omitindo ou prevaricando diante de suas obrigações legais relativas às invasões de terra no Brasil. No plano de trabalho, Salles previu também que os membros da CPI buscarão meios para fazer o ressarcimento pelos danos causados pelos atos de vandalismo promovidos durante as invasões, além de buscar a tipificação dos atos que possam ser enquadrados como crimes. O relator pontuou ainda que a CPI quer identificar propostas legislativas com temas relacionados que tramitam no Congresso.
Os deputados membros da CPI do MST também poderão fazer pedidos de quebra de sigilos bancário, fiscal e de dados, requerer documentos confidenciais de órgãos públicos e solicitar perícias, exames e vistorias, inclusive busca e apreensão.
Diante disso, a deputada Sâmia Bomfim apresentou questão de ordem para questionar o documento apresentado pelo relator. Para a parlamentar, o plano de trabalho apresentava, especialmente em seu título, escopo diferente do que foi apresentado no requerimento de instalação da CPI. O documento original tinha o seguinte título: “Comissão Parlamentar de Inquérito Destinada a Investigar a Invasão de Propriedade, Depredação de Patrimônio Público e Privado, e Crimes Correlatos – CPI”.
Diante disso, Salles atualizou o documento que foi publicado no portal da Câmara dos Deputados, no qual passou a constar somente “CPI MST”.
Grupo Prerrogativas nega formulação de dossiês e propõe “pacto de civilidade”
Apesar da ofensiva dos governistas, o advogado que lidera do Grupo Prerrogativas, Marco Aurélio Carvalho, buscou diálogo com Salles. Na conversa, Carvalho propôs um "pacto de civilidade" na condução dos trabalhos de investigação contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O Grupo Prerrogativas - que reúne advogados, defensores públicos e outros da área do Direito que apoiam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Partido dos Trabalhadores (PT) - ofereceu apoio para defender o MST durante a CPI.
“A ideia é tentar, de alguma forma, manter um padrão mínimo de dignidade, de institucionalidade. Vamos trabalhar para evitar essa espetacularização da CPI. Nós não queremos atuações circenses. Temos que focar no que é prioritário, que é o combate erradicação da fome, da miséria”, disse o advogado.
O grupo Prerrogativas também negou que esteja formulando dossiês contra deputados integrantes da CPI do MST. “Não estamos procurando fazer isso. Não é uma prática com a qual, inclusive, a gente concorda. E, ao que parece, embora tenha saído na imprensa, isso não é verdadeiro”, disse o líder do Grupo Prerrogativas.
Aline Rechmann, Gazeta do Povo