segunda-feira, 29 de março de 2021

"O estado de calamidade é uma questão de dinheiro", por J.R. Guzzo

 

O governador de Sergipe, Benivaldo Chagas (PSD)
O governador de Sergipe, Benivaldo Chagas (PSD) | Foto: Reprodução/Redes Sociais



De todas as calamidades trazidas pelo combate à covid, e muito acima da incompetência maciça dos “gestores locais” — o que produziram até agora, com todos o seus “toques de recolher”, foi um total de vítimas que já passou dos 300.000 mortos — uma é especialmente perversa. 

Trata-se da aberração legal e política que foi a transformação da maioria dos governadores e centenas de prefeitos em ditadores dos pedaços de Brasil em que mandam. 

Sempre que se fala no assunto, o Movimento Nacional Pró-Pânico diz que isso é um exagero; eles estão “salvando vidas”, e por conta desta incumbência causam alguns “transtornos” aqui e ali, mas nada que não seja compreensível diante da imensa importância da tarefa que têm diante deles.

Os fatos mostram que não é assim. 

Dá para ficar falando no assunto pelas próximas 100 edições da Gazeta, mas uma realidade da nova ordem, apenas uma, é mais do que suficiente para entender a natureza realmente maligna do que está acontecendo: ao se tornarem tiranos de ocasião, por conta dos poderes que receberam para lidar com a covid, governadores e prefeitos passaram a ser os grandes beneficiários pessoais das regras criadas com o objetivo de combater a epidemia. 

A questão aqui é dinheiro.

Disso todo mundo entende, não é? A grande calamidade real do combate à covid é, justamente, o “estado de calamidade” — essa trapaça monumental da vida pública do Brasil, praticada ao longo de toda a nossa história. 

Como se sabe, ela consiste em liberar para as “autoridades locais”, sob a desculpa que está acontecendo um desastre, verbas em dinheiro que elas podem gastar basicamente como lhe dá na telha. 

Se com todos os controles e riscos que existem hoje nas finanças públicas do país já se rouba uma enormidade, imagine-se então quando a honestidade na aplicação dos recursos se torna uma coisa voluntária. 

Quem acredita que as verbas extraordinárias, e imensas, que governadores e prefeitos recebem para instalar leitos de UTI e equipar os hospitais públicos estão realmente sendo gastas com escrúpulos, integridade e eficiência?

O governador do Rio Grande do Sul, por exemplo, usou verbas federais destinadas a tratar da covid, na mesma hora em que recebeu, para pagar salários atrasados do funcionalismo estadual. 

O dinheiro para os leitos de UTI passou antes pelo alcance dos credores que estão dentro de casa — e por ali ficou.

O governador do Sergipe, que falou em “requisição administrativa” de propriedade privada para combater a epidemia — uma frente de oportunidades na qual nenhum colega parece ter pensado até agora — estava sem dinheiro para fechar as contas do Erado. Resolveu a sua vida com o Estado de calamidade. 

Os governadores do Nordeste, de um modo geral, jamais tiveram tanto dinheiro como hoje — e não precisam prestar contas sobre nada, bastando dizer que foi gasto “em pandemia”.

Fica cada vez mais fácil de entender, na verdade, a agressividade cada vez maior das autoridades locais na repressão às liberdades públicas, aos direitos individuais, ao trabalho, à produção e à vida social. 

Enquanto a coisa está assim, está bom para eles e para sua clientela — a começar pelos funcionários públicos. 

Elas têm, custe o que custar, de manter vivo o “distanciamento social” e o atual ambiente de desordem para manter os poderes que lhes foram conferidos pelo STF e, desde então, aumentados por conta de cada um. 

Estão defendendo o seu — e esse “seu” é muita coisa. Inclui poder de ditador, de um lado, e dinheiro grátis, de outro. 

Quem resiste?

O fato é que governadores e prefeitos nunca tiveram na vida isso tudo que têm hoje. Não vão ter outra vez. É natural que queiram que o “lockdown” etc. etc. dure para sempre, ou pelo máximo de tempo que conseguirem.

(Publicado na Gazeta do Povo)

Revista Oeste