O dólar em alta já voltou a pressionar o caixa da Petrobras, mas a estatal continua lidando com o preço da gasolina com luvas de pelica.
Basta comparar a falta de sinalização da Petrobras em relação ao preço da gasolina com sua atitude proativa — outros diriam, furiosa — na área de gás natural.
Na semana passada, a estatal — que detém o monopólio de fato na importação, produção e transporte de gás natural no País — resolveu subir o preço do gás em 7,59%.
Além disso, a empresa comandada por Aldemir Bendine anunciou que outros aumentos virão ainda este ano, acabando com sua política de descontos, em vigor há anos. Até agora, esta política ajudava a manter o gás competitivo com outras fontes de energia.
Diversas associações de consumidores de gás — incluindo as distribuidoras estaduais, os fabricantes de alumínio e de cerâmica — reagiram ao aumento.
Eles se queixam de duas coisas. Primeiro, os aumentos colocam o Brasil mais uma vez na contramão do mundo: enquanto o preço do gás despenca no mercado internacional — aliás, o gás começou a cair bem antes que o barril do petróleo, e caiu muito mais — ele sobe no Brasil. O gás natural no Brasil está hoje 170% mais caro do que no mercado americano, e 19% e 14% mais caro, respectivamente, do que os mercados europeu e asiático.
Enquanto isso, a Petrobras não demonstra a mesma pressa ou fúria arrecadatória em relação à gasolina, que já está 10% mais barata no Brasil do que lá fora. Dois pesos, duas medidas.
Obviamente, um aumento da gasolina gera mais inflação e perda de popularidade, mas a diferença no tratamento dos preços produz um efeito perverso: o Governo está favorecendo uma energia de consumo final (a gasolina) em detrimento da energia que vai majoritariamente para o consumidor industrial (o gás), aquele que gera renda e emprego.
O vai-e-vem da Petrobras na área de gás começou há cerca de oito anos. Em fins de 2007 e início de 2008, o Brasil corria o risco de racionamento de energia, porque chovera pouco. O governo então mandou ligar as térmicas a gás, mas acabou descobrindo que havia pouco gás disponível, porque a Petrobras havia vendido o gás reservado para as térmicas para as distribuidoras estaduais. Na época, isso chegou a precipitar a queda de Ildo Sauer da diretoria de Gás da empresa e sua substituição por um outro nome, prata da casa: Maria das Graças Foster.
Em seguida, quando as chuvas afastaram o perigo de racionamento, a Petrobras fez um contrato com as distribuidoras e colocou o preço do gás nas alturas. Era uma forma de desincentivar o aumento do consumo do gás em automóveis e residências, para que sobrasse gás na eventualidade do Governo ter que ligar as térmicas.
O racionamento mais uma vez bateu na trave, mas a Petrobras notou que, com aquele preço (caro), ela não conseguiria vender o gás — que ela compra da Bolívia num contrato de ‘take or pay’. Foi aí que a Petrobras criou sua política de descontos para tornar o gás mais competitivo com outras fontes de energia. Uma política que, dada a urgência de gerar caixa e evitar o pior, a empresa está abandonando agora.
O episódio mostra como, no Brasil, os termos ‘política energética’ e ‘necessidades da Petrobras’ sempre foram entrelaçados até a medula — frequentemente para prejuizo do País e do planejamento de longo prazo dos consumidores.
O apetite da Petrobras por mais geração de caixa na área de gás coloca o CEO da Vale, Murilo Ferreira, que também é presidente do conselho da Petrobras, numa situação delicada. A Vale é uma das maiores consumidoras de gás natural no Brasil. Numa cadeira, Ferreira sofre com os aumentos. Na outra, vê sua ‘outra’ empresa prosperar.
A Vale vai reclamar?
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UM P.S. IMPORTANTE: Esta coluna fez uma referência breve ao fato do gás natural estar 170% mais caro no Brasil do que nos EUA. O bom senso exige perguntar: como um diferencial de preço tão escandaloso é possível? Outra pergunta: por que o industrial brasileiro está tendo que ‘dar dinheiro’ à Petrobras, em vez de poder importar um gás mais barato e ter uma fábrica mais eficiente, com melhores margens? A resposta é que a Petrobras é a monopolista — ainda que não de direito, de fato — do mercado de gás no País. O Brasil tem apenas três terminais de importação de GNL, o gás natural liquefeito: um no Rio, outro na Bahia, e um no Ceará. Os três pertencem à Petrobras. Ora, mas se a lei não impede um empresário de abrir um terminal para importar gás (e concorrer com a Petrobras), por que ninguém o faz? Simples: como a Petrobras detém 100% do mercado, ela pode aniquilar imediatamente qualquer ‘novo entrante’ deste mercado se decidir jogar os preços para baixo. O CADE deveria se interessar pelo assunto e tentar abrir, para o bem de toda a economia, mais um mercado em que o brasileiro é refém da Petrobras.