Os entraves do governo à abertura e manutenção de negócios
pressionam aqueles que ainda insistem em tentar manter uma
empresa no país
“Tributação”, “burocracia”, “segurança”. Três palavras
que trazem calafrios a qualquer um que se atreva a
empreender no Brasil. De acordo com o Banco Mundial,
um empresário brasileiro gasta cerca de 1,5 mil horas
no ano só para cumprir obrigações fiscais.
O estudo, publicado em 2021, conclui que processos burocráticos
demorados e complexos são um grande desafio em todas as áreas de
regulamentação das atividades empresariais, entre abertura, obtenção
de alvará, pagamento de impostos e execução de contratos.
A principal
causa apontada é a falta de integração entre agências federais,
estaduais e municipais.
Já entre os impostos, a sopa de letras é gigantesca (veja box abaixo). Os
federais são cinco: IRPJ, CSLL, PIS/Pasep, Cofins e INSS. Também há
impostos municipais e estaduais, além da burocracia, que muda
significativamente de um Estado para outro.
Todos os municípios cobram um Imposto Sobre Serviços (ISS) entre
2% e 3%.
Já os Estados dispõem do mais complexo dos tributos: o
Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que varia
de região para região e tem alíquotas distintas por produto ou serviço.
Há sete impostos exclusivos para as empresas e que incidem tanto sobre o
faturamento quanto sobre o lucro. Além deles, há os impostos dos quais nem
os consumidores escapam, como o Imposto Predial e Territorial Urbano
(IPTU), cobrado pelos municípios sobre os imóveis de áreas urbanas.
Fica pior no Rio de Janeiro
Responsável pelo segundo maior PIB estadual do país — atrás apenas
de São Paulo —, o Rio de Janeiro tem também o segundo maior ICMS.
Com alíquota-padrão de 22%, perde para o Maranhão, cuja taxa foi
atualizada para 23% neste ano. Ainda assim, o Estado nordestino teve
mais empresas abertas em 2023 que o Rio.
A capital fluminense amplifica ainda mais a hostilidade ao
empreendedorismo, porque, além dos impostos, há uma série de
obrigações acessórias que a prefeitura coloca sobre o lombo dos
empresários. Entre elas: taxa de coleta de lixo, taxa anual de licença
para os estabelecimentos, taxa de fiscalização sanitária (obrigatória
para quem trabalha com alimentação) e, dependendo do negócio,
renovação sistemática do alvará de funcionamento.
A lista pode incluir
também a renovação periódica do Auto de Vistoria do Corpo de
Bombeiros, o licenciamento ambiental e contribuições obrigatórias ao
sindicato patronal.
Não à toa, mais de 180 mil empresas fecharam as portas em 2023 no
Estado.
Entre os empresários que decidiram nadar contra a corrente e
manter o negócio aberto está José Alexandre Pinto, dono da
Panificação Oceano, localizada na Ilha do Governador, zona norte da
capital.
Junto ao sócio, ele toca a empresa há 27 anos.
“A carga tributária e a
burocracia só aumentam”, lamenta. Somando-se os gastos com
impostos, serviços de contabilidade e outras obrigações, o total chega
a 30% do faturamento mensal. Os custos para contratar, manter ou
demitir funcionários também são bastante elevados.
Em alguns meses, mesmo com um faturamento de R$ 100 mil, José e
seu sócio não conseguem tirar qualquer lucro depois de arcarem com
todas as despesas.
A criminalidade também cobra seu preço
O “custo Rio de Janeiro” é, de fato, algo à parte, analisa Carol Sponza,
mestre em políticas públicas pela Hertie School of Governance, em
Berlim, e candidata a prefeita do Rio em 2024. Isso porque, além dos
impostos oficiais, o poder paralelo da bandidagem também cobra seu
preço.
“O roubo de carga e a necessidade de pagamento de ‘pedágio’
para a milícia ou para o tráfico se somam a um IPTU altíssimo”,
explica.
A carência de infraestrutura no município é outro desafio. “O
trânsito caótico e o transporte público ineficaz não contribuem para
que a cidade prospere.”
Para Carol, apesar dos esforços da prefeitura para simplificar a
burocracia municipal, os pequenos avanços não são suficientes.
“Somente um choque de ordem e segurança, em conjunto com prefeitura, Estado e governo Federal, pode mudar a realidade do Rio”,
afirma.
Peculiaridade brasileira
No Brasil, mais de 2 milhões de empresas fecharam as portas em
2023, segundo o Mapa de Empresas, do governo federal. O número é
quase 26% maior que o total do ano anterior. Há quase 30 anos, a
Confederação Nacional da Indústria cunhou o termo “custo Brasil”
para designar apropriadamente o labirinto dantesco que constitui o
ambiente de negócios do país.
Segundo o Banco Mundial, países desenvolvidos exigem apenas 150 horas por ano de suas empresas para o cumprimento de obrigações fiscais — cujas alíquotas são geralmente bem mais brandas. A burocracia também é significativamente menor. Enquanto a média de tempo necessário para abrir uma empresa no Brasil varia entre 10 e 40 dias úteis, nos EUA, por exemplo, esse tempo é de 2 a 15 dias úteis.
A falta de coesão entre as agências (estaduais, federais e municipais),
a quantidade de tributos e a dificuldade de calcular cada um deles, os
trâmites burocráticos a serem cumpridos e a dificuldade de assimilar
tudo isso não são um problema apenas para quem aceita a empreitada
de abrir o próprio negócio no Brasil. O resultado, conclui o Banco
Mundial, atinge o bolso de todos: patrões, funcionários e
consumidores — que acabam pagando pelos produtos e serviços um
valor muito maior que o de outros países.
Revista Oeste