No universo da internet, onde dá para aprender de tudo um pouco, há profissionais que apostam na geração de conteúdo como forma de desburocratizar suas profissões para leigos – e ainda fazer um bico e ganhar com isso. Atividades que parecem complexas, como investir no Tesouro Direto, lidar com um processo trabalhista ou entender o que é um axioma, tornam-se mais acessíveis nos vídeos de gente que, enquanto ensina, projeta suas carreiras para dentro e fora do mercado de trabalho.
Desde 2017, o advogado Pedro Saliba, de 28 anos, divide a rotina entre os clientes que atende de forma autônoma e a criação de conteúdo para o YouTube. Ao lado da mãe, a também advogada Gláucia Nasser, ele criou o Posso Processar?, um dos canais de educação registrados na plataforma. Com 56 mil inscritos, mãe e filho ensinam conceitos básicos do direito para leigos, com vídeos que abordam temas como Reforma da Previdência, proteção de dados e cobranças indevidas de bancos.
“O direito é uma ciência social aplicada, tem vários formalismos, mas dá para explicar certas coisas para leigos e eles conseguem manejar seus conflitos de forma autônoma, evitando os trâmites do Judiciário”, explica Pedro.
A plataforma não é utilizada pelo youtuber para captar clientes, o que poderia ferir o código de ética da advocacia, mas ele aposta na geração de conteúdo para ter mais relevância e credibilidade ao se apresentar fora das redes.
“Quando começamos não existiam muitos canais jurídicos nem parâmetros. Então, foi um desafio. Agora, já temos reconhecimento do próprio YouTube e tem muita gente usando as redes sociais para promover a advocacia”, conta ele, citando o programa de aceleração que o YouTube realizou no ano passado (leia mais abaixo).
Além dos atendimentos jurídicos e do canal, Pedro Saliba também cursa um mestrado em sociologia e pretende unir as três atividades. “A prática como advogado sempre vai existir na minha vida, mas também quero dar aula. Ser produtor de conteúdo foi secundário. Estou me vendo agora como influenciador e descobrindo como promover essa carreira”, conta.
Para a consultora de carreiras Adriana Cubas, ter um canal no YouTube pode ajudar a desenvolver a profissão, mas é preciso se organizar para não prejudicar o emprego.
“Tem que saber priorizar o tempo e entender por que você quer ter um canal, até para não se queimar na empresa se expondo de maneira desnecessária”, diz ela. “Você quer largar o emprego? Quer trabalhar com conteúdo? É preciso tirar a ilusão de que é um trabalho fácil, tem que estudar muito.”
A visão de Adriana também vem da própria experiência no YouTube. Há seis anos, ela usa a plataforma para divulgar seu trabalho no Canal do Coaching, com 300 mil inscritos, que aborda temas de desenvolvimento pessoal e profissional, como preparação para processo seletivo e recolocação no mercado de trabalho.
Hoje, a atuação como produtora de conteúdo representa 50% de sua renda mensal e ajuda a alavancar os atendimentos individuais que presta para todo o País. “A plataforma me ajudou a desenvolver a minha carreira. Não foi logo de cara, tive que entender o público. Agora, consigo fechar vídeos patrocinados e empresas me chamam para fazer palestras.”
Ponte para o mercado de trabalho
Em meio à rotina de graduação e estágio, a estudante de administração Nathália Rodrigues, de 21 anos, encontra tempo para desenvolver a sua carreira também como produtora de conteúdo no canal Finanças com a Nath, com 87 mil inscritos.
“Antes de começar, no ano passado, eu fiz uma pesquisa de mercado e vi que, embora muita gente fale de finanças no YouTube, eles não falam para população que ganha pouco. Não ensinam os termos básicos de finanças e economia doméstica”, conta.
O trabalho desenvolvido nas redes sociais foi a porta de entrada para que Nathália conseguisse o estágio atual, no setor financeiro de uma empresa. “Eu postei no Twitter que trabalhava na área de logística e queria migrar para a financeira, e o meu atual chefe me mandou o processo seletivo. Meu emprego é flexível, eles sabem que, se eu tiver que trabalhar em outra cidade por causa do canal, eu posso ir”, diz.
Para se tornar uma referência em conteúdo financeiro para pessoas de baixa renda, o plano dela é seguir alinhando os estudos ao trabalho formal e à criação de conteúdo. “O canal me ajuda a fazer meu nome, as pessoas já me conhecem como Nath Finanças [apelido que ganhou no Twitter], marcas e grandes empresas me seguem e querem conhecer o meu trabalho, o que é muito bom para a minha carreira. Se eu for fazer um trainee em uma instituição da área financeira, as pessoas vão saber como eu sou”, destaca.
Há cinco anos registrada na plataforma de vídeos, a matemática Julia Jaccoud, de 26 anos, enxerga na criação de conteúdo uma oportunidade de gerar currículo. Ao contrário de canais tradicionais da área, no A Matemaníaca, com 79 mil inscritos, ela não ensina técnicas para passar no vestibular, mas tenta desmistificar a ideia de que o assunto e a profissão são chatos.
No ano passado, Julia parou de dar aulas para estudar e tentar uma vaga em um mestrado. Hoje, tem como renda principal o dinheiro que ganha com o YouTube. “Produzir conteúdo foi uma porta de entrada para todos os trabalhos que eu fiz. As pessoas já sabiam como eu encarava a matemática e a educação de uma forma geral. Quando essas coisas se alinham, fica mais interessante o vínculo com as instituições. O canal funciona como um portfólio, algo que diz muito sobre mim.”
Programa de aceleração
Desde 2016, o YouTube realiza no Brasil o NextUp, programa global para acelerar a carreira de novos criadores de conteúdo. No último ano, a plataforma voltou os holofotes para as áreas do conhecimento em uma edição focada em canais de educação.
Durante uma semana, os 13 selecionados (entre eles, Posso Processar?, Finanças com a Nath e A Matemaníaca) tiveram aulas teóricas e workshops de produção e edição no Rio de Janeiro. Ao final, receberam cerca de R$ 8 mil para compra de equipamentos de vídeos e mentoria de um profissional da empresa por três meses.
Segundo uma pesquisa da plataforma, 9 em cada 10 brasileiros usam o YouTube para estudar e, desses, 87% usam a rede para desenvolver habilidades profissionais.
Marina Dayrell, O Estado de São Paulo