segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Rio planeja concessão da Linha Vermelha, da Via Light e de 11 rodovias

Enguiçar na RJ-127, que liga a Via Dutra, na altura de Seropédica, a Vassouras, é sinônimo de muita dor de cabeça. Na rodovia de 44 quilômetros em pista única, com um longo trecho de serra, o celular só pega em alguns pontos. Acostamento é algo raro, faltam placas e boa parte da sinalização horizontal (que demarca a faixa central) está apagada. Os motoristas têm ainda que driblar a ausência de iluminação, e muitos dos chamados olhos de gatos desapareceram.
Com poucos recursos e diante de uma malha em situação deplorável, o novo governo do estado bateu o martelo: decidiu levar adiante um programa de concessão à iniciativa privada da RJ-127 e de outras 12 rodovias e vias expressas, entre elas a Linha Vermelha, a Via Light e as futuras Transbaixada (que ligará a Via Light à Rio-Petrópolis) e RJ-244 (de Campos até São João da Barra, onde fica o Porto do Açu). A ideia nasceu no último ano da administração passada, que chegou a habilitar seis consultorias para fazer modelagens do processo.
O MAPA DAS ESTRADAS FLUMINENSES
As rodovias que o estado quer transferir para a iniciativa privada
Itaperuna
7
Já concedidas
São Fidélis
São João
da Barra
Operadas pelo DER
5
6
10
Valença
Macaé
2
Resende
Petrópolis
9
4
1
3
8
Angra
dos Reis
Rio de
Janeiro
Extensão a ser
concedida, em km
Média
veículos/dia
Sul Fluminense
Duque de Caxias
44
RJ-127
3.576
1
90,7
RJ-145
4.453
2
13
76,2
3
RJ-155
3.121
Eixo Noroeste
11
35,9
RJ-122
3.500
4
12
7
RJ-158
395
5
Penha
51,8
RJ -160
6.483
6
Ilha do
Governador
102,3
RJ-186
4.898
7
Litoral Norte
198,2
RJ-106
34.600
8
14,9
RJ-162
2.362
9
45*
RJ-244
100 mil*
10
Vias metropolitanas
18 (9,5 km novos)
Ainda em estudo
Via Light
25.635
11
21 (6 km novos)
Linha Vermelha
102.000
12
14,2*
Transbaixada
13
Fontes: Edital para a realização das modelagens e DER *Projeção
O assunto é tratado como prioridade pelo secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Lucas Tristão. Ele diz que espera receber os estudos das consultorias no fim de abril:
— Essas rodovias estão divididas em grupos, e pretendemos licitá-los até o fim do ano. A ordem, questões de prioridade e demais fases do processo dependerão dos estudos técnicos.
O secretário adianta que “o modelo de concessões pressupõe cobrança de pedágio”:
— Esse é o mecanismo necessário para provisão e manutenção das estradas. Mas a questão está diretamente relacionada aos estudos técnicos, temos de esperar.
Há mais de dez anos percorrendo a RJ-127, o caminhoneiro Anacleto dos Santos Teixeira não gosta da ideia de cobrança de pedágio, mas afirma que algo tem de ser feito urgentemente na rodovia. Ele reclama da falta de manutenção e de um telefone de socorro:
— Meu caminhão enguiçou (na semana passada). Tive de pegar uma carona até um lugar com sinal de telefone, para pedir ajuda. Essa estrada é muito perigosa, a gente está ao deus-dará.

Por dia, 200 mil veículos

Também em pista única, parcialmente encoberta por mato, a RJ-122 (entre Guapimirim e Cachoeiras de Macacu, onde se liga à Nova Friburgo) ganhou recentemente quatro lombadas eletrônicas para multar quem ultrapassa os 50km/h. Os muitos acidentes levaram o serralheiro Carlos Alberto Pinto, que mora às margens da rodovia, a comemorar a chegada dos equipamentos. Dono de um carro, ele diz que não gostaria de pagar pedágio, mas admite se conformar com isso:
— Se for para melhorar... Tirando as fazendas, a região é pobre. Celular é difícil pegar, não temos telefone fixo. Espero que o progresso chegue por aqui.
Somadas, as vias que podem passar a ser geridas pela iniciativa privada têm 719,2 quilômetros de extensão, dos quais 74,7 são novos. Está prevista a expansão em seis quilômetros da Linha Vermelha (até a Via Light) e de 9,5 da Via Light (até Madureira). Nas vias em operação, circulam, em média, cerca de 200 mil veículos por dia, segundo o Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (DER), mas algumas estão subutilizadas.
O secretário Lucas Tristão afirma que a forma de concessão — total ou parcial — da Linha Vermelha e da Via Light será definida pelos estudos de viabilidade. Para o treinador de vôlei Antônio Carlos da Silva, morador de Nova Iguaçu, o mais importante é que a Via Light tenha segurança. Conhecida como “estrada fantasma”, ela começa em Guadalupe, junto ao Complexo do Chapadão, e se estende até Nova Iguaçu, nas proximidades da comunidade Caonze.
— Há mais de um ano que não passo por ali, nem de carro nem de ônibus. Tenho medo — conta Antônio Carlos. — Se o pedágio não for caro, topo pagar, desde que a Via Light fique segura.
Enferrujadas e às moscas, as dez passarelas instaladas ao longo da Via Light viraram simples objetos na paisagem.
— É mais seguro passar embaixo. Veja como está corroída — lamenta o ciclista Paulo Farias, referindo-se a uma delas.
A Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro (Aeerj) está entre as consultorias habilitadas para fazer os modelos de concessão. A entidade estuda três estradas do Sul Fluminense e quatro do Noroeste, entre elas a pequena RJ-158, que liga Campos a Carmo e é conhecida como Rodovia do Medo, devido ao grande número de assaltos. A má fama faz com que seja utilizada por uma média de apenas 395 veículos por dia.
Presidente da Aeerj, Luiz Fernando Santos Reis diz que vai procurar o secretário de Desenvolvimento Econômico. Quer saber se o novo governo vai manter as propostas da administração anterior em relação à concessão, para decidir se conclui os estudos técnicos. Outras três consultorias estão habilitadas a fazer modelagens para os mesmos dois lotes (Sul e Noroeste Fluminense).
— O projeto original prevê recuperação de pavimento, melhoria da sinalização, corte de mato, instalação de pontos de ônibus. Não estavam incluídos viadutos, duplicações e serviços de ambulância e telefonia. Assim, é possível baratear o preço do pedágio e viabilizar a concessão — argumenta Luiz Fernando.
A ocupação urbana do entorno, segundo Luiz Fernando, é um forte empecilho para que vias metropolitanas e a RJ-106 (Amaral Peixoto) atraiam empresas que operam estradas. O presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), César Borges, no entanto, afirma que o interesse vai depender da modelagem:
— O setor privado está ávido por participar. Não há rodovia inviável. A gente tem que esperar o poder concedente fazer o dever de casa, que é elaborar um bom projeto, e apresentar sua proposta.
Borges frisa que, quanto mais exigências, maior o valor do pedágio:
— O setor privado vê a concessão como um negócio, não como uma benesse. Tudo depende do tamanho do investimento

Selma Schmidt, O Globo