terça-feira, 18 de dezembro de 2018

"Previdência: o eterno retorno", por Fábio Giambiagi

Quando se digita no Google a expressão “Dia da Marmota”, aparece esta definição da Wikipedia, acerca do filme com o mesmo nome, ajustada com uma pequena edição da minha parte: “A história se passa na Pensilvânia. No filme, Bill Murray personifica um meteorologista da televisão que é escalado para a cobertura do tradicional ‘Dia da Marmota’ e fica preso numa armadilha temporal que o faz reviver o mesmo dia vezes sem fim, ficando cansado em ter de sucessivamente acordar ao som de ‘ I got you babe ’”. 

No final, pelo menos, continua a descrição, “no processo repetitivo ele termina por aproveitar a oportunidade para melhorar como pessoa e finalmente conquistar a personagem vivida por Andie MacDowell”.


Sempre que penso em nossa Previdência, me lembro dessa descrição, com a diferença de que não tivemos direito a final feliz... De fato, a repetição das mesmas questões, com os mesmos dilemas e a mesma mistura de ignorância e má-fé de tantos agentes políticos para tratar do que deveria ser um dos debates mais importantes do país, é exasperante.
Meu primeiro artigo sobre temas previdenciários foi escrito em 1993. Portanto, há 25 anos. As questões, de certa forma, hoje, um quarto de século depois, são as mesmas, com um agravante: a conta atualmente é muito, mas muito mais pesada.
Fernando Henrique Cardoso (FHC), gravando para deixar o registro histórico do que muitos anos depois viriam a ser os seus “Diarios da Presidência”, reportando-se ao que estava acontecendo em 1999 (transcrito no volume referente a 1999/2000) e refletindo sobre o contexto que tornava o presidente da República refém dos humores de um Parlamento fragmentado, manifestava-se nos seguintes termos: “Não tenhamos ilusão de que no futuro haverá melhoras grandes. Mesmo que reformemos os nossos partidos, a nossa cultura política é atrasada. Há interesses pessoais sobrepondo-se a tudo o mais, e os partidos vão continuar sendo aglomerados como são os que aí estão” (página 113).
Algumas páginas adiante, ao descrever as peripécias da sua proposta de reforma da Previdência, que ficou tramitando quatro anos no Congresso e ainda requeria a aprovação de legislação complementar à mudança constitucional, FHC se lamentava: “Isso vai ser uma nova confusão e mostra a resistência da sociedade brasileira e do Congresso ao óbvio: é preciso ter uma idade mínima para a aposentadoria, senão o sistema previdenciário não se mantém em pé. Não obstante a obviedade dessa proposição, o Congresso é reticente porque temos no Brasil um valor absoluto: o não trabalho remunerado. Isso sob o pretexto de beneficiar os mais pobres. Na verdade, quem se aposenta mais cedo são os da classe média alta, mas isso é apresentado distorcidamente” (página 184).
Após a desvalorização de 1999 e seus efeitos sobre a inflação e o (des) prestígio do governo, ele constatava: “Isso é tudo consequência da percepção de impopularidade do governo. Por causa da crise econômica, os parlamentares começam a botar as manguinhas de fora querendo afinar com a sociedade ... Toda vez que se fala em aumentar o tempo de trabalho para chegar à Previdência, as pessoas reagem fortemente” (página 273).
Posteriormente, num livro meu escrito com Paulo Tafner, o mesmo FHC, ao apresentá-lo na dupla condição de intelectual e ex-presidente, dava uma aula de política, ao expressar que “Maquiavel dizia que os problemas políticos, em seu início, são difíceis de ser percebidos e fáceis de ser resolvidos, ao passo que, quando se torna fácil percebê-los, já então é difícil resolvê-los. O dito do pensador florentino se aplica ao problema previdenciário no Brasil”.
Agora, a caminho de 2019, 20 anos depois daquele contexto ao qual FHC se referia nos seus diários, continuamos lidando com os problemas fiscais da Previdência, causados pelas aposentadorias precoces. E vamos tratar do assunto, no tempo da política, “sem afobação”. Não é difícil entender por que o Brasil perdeu o bonde da História.

O Globo