sábado, 1 de dezembro de 2018

Bolsonaro busca ter as Forças Armadas como fiadoras de seu governo, diz cientista político Ricardo Caldas



O professor de Ciência Política da UnB Ricardo Caldas Foto: Antônio Cruz / ABr
O professor de Ciência Política da UnB Ricardo Caldas Foto: Antônio Cruz / ABr

O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) nomeou, até o momento, cinco ministros militares. A estratégia de Bolsonaro, segundo o cientista político Ricardo Caldas,  professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Ph.D em relações internacionais pela Universidade of Kent e desenvolvedor de pesquisas de Pós-Doutorado em Harvard - é usar as Forças Armadas como um fiador de seu governo. "Todo presidente recém-eleito busca se ancorar em alguma instituição já existente. José Sarney fez a mesma coisa [com os militares]", diz Caldas. Segundo pesquisa do instituto Datafolha de junho deste ano, as Forças Armadas têm credibilidade muito maior (78%) que Congresso Nacional (31%) e partidos políticos (30%). Caldas afirma, no entanto, que a proximidade de Bolsonaro com os militares deve ser vista com cuidado para que as Forças Armadas não se tornem um "ator permanente na política. A seguir, trechos da entrevista com Ricardo Caldas:

ÉPOCA - O que significa a presença maciça de militares na composição do primeiro escalão do governo Bolsonaro?
Ricardo Caldas - Todo presidente recém-eleito busca se ancorar em alguma instituição já existente. José Sarney fez a mesma coisa. Ele se apoiou bastante nos militares porque era um período de transição. Fernando Collor tentou dar uma guinada e dar uma importância ao setor civil e deu muita importância ao Ministério das Relações Exteriores. Vários cargos foram ocupados, no período, pelo Itamaraty. Os governos Lula e Dilma buscaram muito apoio das universidades, em particular da Unicamp, que era o celeiro de grandes quadros. No caso do Bolsonaro, até em função do discurso bem conservador e anticorrupção, ele acabou valorizando os militares. Ele se aproximou muito dos militares e teve um discurso muito bem recebido nesse público. O governo buscou apoio nesse setor, que deu muito voto a ele, o que é consistente com o discurso de campanha.
ÉPOCA - Qual a consequência disso?
Ricardo Caldas - Tem uma consequência positiva e uma negativa, ainda que a gente não saiba o que o tempo vai dizer. A positiva é que quebrou com o toma lá dá cá, o que tinha sido prometido pelo então candidato Bolsonaro. Disse que não chamaria os partidos políticos e não faria acordos por ministérios com os partidos no estilo chamado de "porteira fechada", em que os partidos indicam do ministro até o recepcionista. Neste ponto, é positivo. O ponto negativo - mais uma ameaça que uma realidade – é se os militares começarem a se empolgar com o poder, com o orçamento que vão controlar e virarem um ator permanente na política. Tem que tomar cuidado para não haver a militarização da política. Apesar de muitos virem já aposentados, não há dúvida de que aproxima a política das Forças Armadas.
ÉPOCA - O que seria a militarização da política?
Ricardo Caldas - Os militares vão desejar cada vez mais participar da política, concorrer a cargos públicos. O número de militares no Congresso tende a aumentar, como já aumentou. Poderia potencializar essa participação ainda mais na próxima eleição. As Forças Armadas como um todo podem acabar tendo um poder desproporcional para influenciar tanto no orçamento militar quanto na segurança. Influenciaria a agenda como um todo. Por isso será preciso tomar cuidado.
ÉPOCA - As escolhas de Bolsonaro para os ministérios representam uma mudança na lógica de divisão de poder no Brasil?
Ricardo Caldas - Sim, ele quebrou um paradigma.
ÉPOCA – Em sua opinião, como isso vai refletir na relação do futuro governo com o Congresso?
Ricardo Caldas - A lógica tradicional antigamente era negociar com o presidente do partido ou com os líderes do partido, discutia participação no governo, e tinha votos, em tese, garantidos no Legislativo. A lógica do presidente eleito é trabalhar não com os partidos, até pelo desgaste que tiveram, mas, sim, com as frentes parlamentares. Em vez de bancadas, as frentes. Existe a frente da segurança, a frente evangélica, a ruralista. O problema é que a lógica da Câmara e do Senado não foi feita para frentes. O Congresso até reconhece as frentes, mas não distribui lugares em comissões, relatorias de projetos, em função das frentes, mas, sim, das bancadas partidárias. Mais para frente poderá haver um conflito nas negociações com as frentes e a realidade das bancadas. Esse é um desafio. Outro desafio é que ele está convidando as pessoas por um mérito individual. Essas pessoas estão indo para o governo em caráter nominal e pessoal, e não em nome do partido. Bolsonaro não tem a segurança de que o partido vai apoiá-lo por causa das indicações. Para usar um exemplo concreto, o caso do DEM. Tem três ministérios. O DEM, vírgula. Ministros que são filiados ao DEM. O presidente do partido pode dizer que não participou das negociações, o que é verdade. Daí, numa votação em que precise dos votos do DEM, o partido pode dizer perfeitamente: "a gente não faz parte do governo, a gente tem três ministros oriundos do DEM". Deu para ver a sutileza? Numa votação crucial, pode não contar com os votos do partido.
ÉPOCA - Exatamente sobre votações cruciais, a primeira pauta importante será a reforma da Previdência.
Ricardo Caldas - Haverá uma pequena janela de oportunidade para o presidente, não só por seu partido ter tido uma situação recorde de crescimento, mas porque, na tradição brasileira, o Congresso nunca diz não ao presidente recém-eleito. Há o fenômeno da lua de mel. Como o presidente foi eleito com quase 60 milhões de votos, o Congresso vai ter boa vontade em relação às primeiras votações. Dura (lua de mel) de 90 a 180 dias. Nesse momento, tradicionalmente, as propostas têm uma grande possibilidade de serem aprovadas. Foi o caso clássico do plano Collor. Hoje a gente sabe que é inconstitucional, e nem vamos falar dos resultados. O Congresso deu o aval. O presidente tinha sido eleito com essa proposta e não era o Congresso que iria ser contrário. Deram um cheque em branco para o presidente. O plano não deu os resultados. Depois veio o plano Collor dois, já no fim da lua de mel. Eu diria que, dependendo de como for feito o acordo para a votação, ele pode conseguir aprovar se for logo de início. Se passar dos 90 dias e começar a entrar nos 180, começa a complicar. Aí poderá surgir uma oposição que vai se tornando mais consistente à medida em que o tempo passa.
ÉPOCA - Em sua campanha, Bolsonaro superou o que alguns analistas colocavam como obstáculo para sua vitória, entre eles pertencer a um partido pequeno. A maneira que subverteu essa lógica é um fator a ser considerado na análise das mudanças que ele tem proposto?
Ricardo Caldas - O Collor também foi eleito por meio um partido pequeno (PRN) e com um discurso bem conservador para o período. O que aconteceu depois não foi pelo fato de estar em um partido pequeno, mas uma arrogância e indisposição em ouvir as lideranças do Congresso. A novidade que temos para Bolsonaro é que ele conta com mais de 20 anos de experiência no Congresso, o que o Collor não tinha. Bolsonaro sabe profundamente como funciona a Câmara dos Deputados. Segundo fator: ele sabe quem são as lideranças e com quem pode e com quem não pode dialogar. Ele estabeleceu um limite até o qual está disposto a ir. Por exemplo: não vai negociar ministérios em função de barganhas. Ele deve negociar em outros parâmetros, em políticas públicas, medidas, o conteúdo do governo mesmo. Outro fator a favor dele é que, além dos militares, ele se apoiou também no Onyx Lorenzoni (futuro ministro da Casa Civil), que é do DEM. Ele está pegando emprestado "a costela" para dar uma sustentação ao governo dele. Isso já está aparecendo pelas nomeações do DEM. Onyx está dando uma estrutura institucional ao governo dele. É muito importante essa figura. Mas falta a ligação com o Congresso. Na minha opinião, Onyx não é a pessoa com perfil para isso.
ÉPOCA - Quem seria?
Ricardo Caldas - Eduardo Bolsonaro, que é deputado e vai levar demandas para o presidente, e também o Luciano Bivar, presidente do PSL. Creio que são outros nomes que vão preencher essa lacuna
Gabriel Hirabahasi, Epoca