sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Há preconceito na análise do período militar no Brasil, diz futuro comandante do Exército

O general Edson Leal Pujol, próximo comandante do Exército
O general Edson Leal Pujol, próximo comandante do Exército - Pedro Ribas - 23.mai.2016/ANPr


Próximo comandante do Exército, o general Edson Leal Pujol, 63, avalia que o período da ditadura militar no Brasil é tratado com preconceito e desinformação.
Esse preconceito, na visão dele, é fruto de uma doutrinação na análise dos últimos 60 anos da história do país. Ele afirma que o tempo vai limpar as diferenças de opinião.
Anunciado nesta semana como novo comandante, Pujol é o oficial mais antigo entre os 17 generais-de-exército da ativa. Ele foi colega do presidente eleito, Jair Bolsonaro, na Academia Militar das Agulhas Negras.
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Em entrevista à Folha, Pujol argumenta que a mistura da política com as Forças Armadas não tem gerado bom resultado em diversos países.

O país tem se mostrado muito polarizado. Como o sr. vê o atual cenário? O que notamos é uma divisão do país entre uma parcela significativa da população e da opinião pública, até mesmo da imprensa, que não estava satisfeita com o que estava acontecendo no país em termos da maneira de administrar, do envolvimento de vários integrantes da administração dos diversos poderes em atos que não eram aqueles que os eleitores que os elegeram esperavam. Depois de um período relativamente longo, fez com que a população acordasse: “vamos tentar mudar essas coisas”. Isso eu vi como cidadão. Como militar, não posso opinar.
E qual é a perspectiva a partir de agora? É de esperança, como brasileiro. É expectativa de que as coisas mudem, que o país melhore ou, pelo menos, pare de piorar.
É possível separar a imagem do Exército da figura de Bolsonaro, um capitão reformado? O futuro presidente é congressista há quase 30 anos. Tem congressistas advogados, jornalistas, médicos. Há uma preocupação tanto por parte do Executivo quando do segmento da Defesa que a gente consiga estabelecer este limite: no momento que vou bater a continência para ele, não é para o capitão Bolsonaro, mas para o presidente da República. Não é bom misturar política com Forças Armadas. Esse modelo não tem dado bons resultados em diversos países.
Isso está controlado internamente? Sim. Não nos associamos a nenhuma corrente política e isso deve continuar. Quando a política entra dentro dos quartéis, não é bom para o país.
O general Augusto Heleno, futuro GSI, disse que diminuiu o “ranço” contra os militares. O sr. concorda?Existe desinformação. Nos últimos anos, muitas pessoas estavam na rua pedindo a volta dos militares. Há certo preconceito na análise do que aconteceu no Brasil nos últimos 50, 60 anos. É muito mais desinformação do que ranço. Quando a desinformação é elevada a um grau maior, chega próximo à doutrinação, de tentar influenciar o pensamento das pessoas, intensificar opiniões. Isso pode levar as pessoas a terem um preconceito, um ranço. Tem pessoas que nasceram muito depois do período dos governos militares e falam como se tivesse vivido aquele período de coisas que aconteceram. Por outro lado, muitas pessoas que têm opinião contrária. É muito mais uma leitura daquilo que aconteceu, de opiniões divergentes. Então é óbvio que nós, militares, somos atingidos pelas opiniões contrárias, que nos imputam responsabilidade por algumas coisas. Acho que a história, com o tempo, vai limpar essas diferenças de opiniões e trazer um equilíbrio entre as opiniões divergentes.
O governador eleito Wilson Witzel quer manter intervenção no Rio. É uma boa solução? A intervenção é uma decisão política e a decisão de mantê-la tem dois atores: o Estado do Rio, que vai solicitar ou não a continuidade e, outro, a instância mais alta do governo federal, de avaliar se a solicitação procede. Não é bom para a nação e para o Estado que as Forças Armadas se mantenham em questões de segurança pública.
Qual é o risco de prolongar a intervenção? No caso dos militares, não estamos organizados e preparados para trabalhar em segurança pública. Além disso, tem o risco do arcabouço legal que possa amparar as ações das Forças Armadas nessas questões. É um risco que as forças se submetem. Todos nós temos irmãos, filhos, etc.
Há receio de envolvimento de militares com a milícia? Quando você fica próximo de problemas, existe o risco de se envolver. O ser humano não é infalível. Uma situação hipotética: você é policial ou soldado do Exército e mora numa área de risco. Aí chega alguém e lhe diz: “você mora em tal lugar, né? Sua mãe trabalha ali, seu filho estuda em tal escola. Tome cuidado porque pode acontecer acidente com ele”. Nós escolhemos uma profissão de risco, mas envolver um ente querido pode constranger a não tomar determinadas atitudes. E, a partir do momento que você começa a ceder, é envolvido e pressionado. As pessoas que estão muito próximas desse tipo de ação estão sujeitas a se comprometer -- não por falha de caráter. Quanto mais tempo se permanece, maior é o risco. O Exército tem adotado um rodízio.
Como avalia o resultado da intervenção? Existe uma diminuição de criminalidade e violência no Rio. Alguns números que aumentaram, como enfrentamentos e tiroteios, são normais. Se eu intensifico a presença de forças se contrapondo à criminalidade, [é normal] que esse enfrentamento aumente. Quando a gente eventualmente reclama do enfrentamento entre forças de segurança e criminalidade, temos que olhar, até uma questão que a própria população do Rio estava demandando. A criminalidade estava com mais liberdade. 

Laís Alegretti e Camila Mattoso - Folha de São Paulo