Há um novo tipo de xingamento na internet. Basta você ter uma opinião qualquer, que é chamado de “classe média”, de “riquinho”, de “burguês”. Parece não fazer diferença se você ganhou seu dinheiro trabalhando honestamente ou roubando. Você dá raiva porque você tem.
Entendi melhor o motivo disso, semana passada, quando fui a um shopping, aqui em São Paulo. Uma bolha de consumo de alto luxo, onde só se pode entrar de carro. A pé, ninguém entra, pois não tem como. Lá dentro, só lojas de grifes. A única coisa por um preço acessível era pão de queijo.
Rumei em direção ao encontro que tinha, evitando olhar para os lados. Temia ver algo numa vitrine, gostar, e cometer a loucura de querer comprar. Vestidos pelo preço de automóveis. Bolsas no valor de salários. Por mim, passavam mulheres e homens com seus trajes de ricos, cabelos de ricos, tranquilidades de ricos. Babás impecáveis empurrando bebês impecáveis em carrinhos espetaculares.
Atordoada atrás do local marcado, comecei a sentir ânsias. Algo entre o pânico e o estarrecimento. Viajava naquele continente asséptico, definitivamente fora do Brasil, habitado por seres meio abobalhados, como se estivessem em transe.
Shoppings normais já são difíceis, para mim. Você perde a noção do tempo, se é dia ou noite, se chove ou faz sol, se o mundo acabou lá fora. Escadas rolantes te obrigam a rodar sem parar pelos andares. Neste “shopping de rico”, então, confesso que pirei. Chegando a ter pena de todos em volta. Que optaram pela pílula azul, para viverem numa matrix ordinária, onde tudo parece bem, estando distante de estar.
Aqueles longos momentos, ali, fizeram com que uma realidade terrível, que insisto em enxergar, parecesse ainda mais chocante. Um país milionário de recursos naturais, com 60% de seus jovens e crianças vivendo em penúria absoluta. Todos sendo educados e condicionados a aceitar a precariedade de seus destinos e a incapacidade de seus governantes.
Quem não se choca está na bolha, e já não atua dentro do mundo real. Não é chocada que pensei que envelheceria, mas prefiro isso à apatia.
O Globo