Andar pelas ruas de Bagdá num Porsche conversível branco com bancos em couro vermelho foi o último ato de inocente exibicionismo de Tara Fares.
A bem sucedida seguidora do triângulo miss, modelo e influencer do Instagram queria, como tantas outras jovens, ser uma Kardashian – provavelmente Kyllie Jenner, a caçula do clã K que desbancou a irmã mais velha, Kim.
Chegou a arrasar com 2,7 milhão de seguidores que curtiam as sobrancelhas poderosas, os lábios sobrenaturais, a maquiagem industrial, os penteados mutantes e os decotes comparativamente recatados da ex-Miss Bagdá, segunda classificada no Miss Iraque.
Três tiros, na cabeça e no peito, coisa de profissional, disparados pelo carona de uma moto, acabaram com a festa de Tara. Ela tinha 22 anos. Foi feita uma prisão.
Segundo os relatos relativamente esparsos para uma influencer tão conhecida, Tara Faraes Chamoun tinha mãe libanesa e pai iraquiano, morava no Curdistão, ia frequentemente a Bagdá e era cristã.
Teoricamente, estava fora das exigências sobre comportamento feminino feitas pelos seguidores fundamentalistas do Islã.
Na prática, tudo costuma ser diferente em países onde exibir qualquer pedaço do corpo feminino contraria códigos inquebrantáveis.
Aliás, do corpo masculino também. No ano passado, o ator e modelo Karar Nushi foi atacado, mutilado e assassinado a facadas.
Os longos e alisados cabelos loiros, os olhos verdes e as roupas justas, normais nos meios onde circulava, foram associados a homossexualidade e devidamente, do ponto de vista dos fundamentalistas, castigados. O caso ficou conhecido como o do modelo morto “por ser bonito demais”.
Antes e durante a ditadura de Saddam Hussein, o Iraque era um país relativamente ocidentalizado, pelo menos nas grandes cidades. Homens e mulheres não usavam os trajes tradicionais, bares e restaurantes (pertencentes a cristãos, pelo menos no papel) serviam bebidas alcoólicas e as tensões sectárias eram controladas na ponta do fuzil, de forma brutal.
A ascensão xiita depois da invasão americana transformou em norma dominante o estrito código disseminado pelos aiatolás do Irã. Nos lugares sunitas onde a ocidentalização mal havia chegado, a coisa continua a mesma.
O assassinato de Tara Fares foi comparado ao caso da paquistanesa Qandeel Baluch, asfixiada pelo irmão para “limpar a honra” da família.
Qandeel, nada originalmente chamada de “Kim Kardashian do Paquistão”, era muito mais audaciosa do que a influencer iraquiana.
Fazia provocações para aumentar a popularidade nas redes sociais e participava de programas de televisão com uma queda para o escândalo.
Bombou de vez quando mostrou fotos tiradas um quarto de hotel com um mufti, a palavra empregada para designar uma autoridade em assuntos religiosos. Embora alegasse que queria orientar as ovelhas desgarradas, o mufit foi suspenso. Qandeel aumentou espetacularmente seu índice de celebridade.
No período entre a fama e a fuga de sua aldeia, largando o marido e perdendo a guarda do filho, foi garota de programa. Sustentava a família, incluindo o irmão encarregado de estrangulá-la durante uma visita à casa dos pais.
A morte dela foi exigida pelo conselho da aldeia e endossada pelos familiares. Um documentário sobre o caso mostra, entre outras cenas de cortar o coração, o pai dela na cadeia, dizendo que faria tudo de novo para salvar o nome da família.
Por causa do assassinato de Qandeel, foi aprovada uma lei no Paquistão revogando a prática disseminada, ancorada em princípios muçulmanos, de liberar homicidas nos casos de “crimes de honra” quando a família da vítima perdoa o crime. A prática também valia para casos de estupro.
Entre as mensagens de solidariedade de amigos e seguidores de Tara Fares, apareceram também manifestações de apoio ao crime. Um jornalista da televisão estatal chegou a tuitar que ela era uma ordinária. A palavra foi outra..
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