As medidas adotadas pelo governo Michel Temer para reduzir o preço do litro do diesel em R$ 0,46, a fim de atender à reivindicação dos caminhoneiros, ameaçam retirar mais de R$ 1 bilhão em investimentos no setor de transportes.
Um corte de R$ 368,9 milhões vai afetar 40 obras do programa de transporte terrestre do Ministério dos Transportes.
Com a eliminação da tributação da Cide —uma contribuição sobre os combustíveis— no diesel, R$ 722 milhões serão retirados de investimentos para conservação de rodovias estaduais, segundo cálculos de secretários de transportes dos estados.
Reunidos no Consetrans (Conselho Nacional de Secretários de Transportes), que abrange os secretários de transportes dos 26 estados e do Distrito Federal, eles não querem abrir mão do recurso.
Procurados, o Ministério dos Transportes e a Casa Civil não se manifestaram.
Ao tentar argumentar contra a queda da Cide no diesel, o grupo enviou um manifesto a parlamentares e ao Palácio do Planalto e elaborou um levantamento com o tamanho do rombo em cada estado, segundo Marcelo Duarte Monteiro, que é presidente do Consetrans e secretário de Infraestrutura e Logística de Mato Grosso.
Os cálculos apontam que, na partilha da arrecadação da Cide sobre os combustíveis, a União ficaria com R$ 4,4 bilhões neste ano enquanto estados e municípios levariam R$ 1,8 bilhão —R$ 1,35 bilhão para os estados e R$ 450 milhões para os municípios.
Como a gasolina corresponde a 60% do total arrecadado com a Cide, o montante equivalente ao diesel deve superar R$ 700 milhões perdidos em 2018, estima o conselho dos secretários estaduais.
"A situação fiscal dos estados é péssima hoje em dia. E esse recurso é tão importante justamente porque ele é segregado, não pode ser usado para cobrir o rombo de outras áreas", disse Monteiro.
Segundo ele, a maior parte dos estados conta exclusivamente com a arrecadação da Cide para fazer a gestão da malha rodoviária.
"Em muitos estados, esse é o único recurso para as estradas. Alguns têm fundos próprios, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Mas Minas, Rio de Janeiro e estados do Nordeste não têm e são muito dependentes do recurso", afirmou o secretário.
Os mais prejudicados serão São Paulo, que deveria receber R$ 237,6 milhões pela Cide neste ano, e Minas Gerais, que teria o aporte de R$ 149 milhões. Devem perder 40% disso, que é o valor arrecadado com o diesel, conforme o estudo do Consetrans.
Cerca de 45% das rodovias estaduais foram classificadas como ruins ou péssimas na edição de 2017 da pesquisa da CNT (Confederação Nacional do Transporte) sobre a qualidade das estradas.
Foram avaliados 38,4 mil quilômetros de rodovias estaduais —36% da extensão total. Apenas 12% são considerados ótimos.
Para o Consetrans, a retirada de recursos pode comprometer ainda mais a qualidade das pistas e encarecer custos.
Segundo a CNT, a má qualidade das rodovias onera o custo da operação em 27%, em média. O percentual pode chegar a 90% em estradas em péssimo estado.
O desconto no preço do diesel foi anunciado na semana passada pelo Palácio do Planalto para tentar aplacar a paralisação dos caminhoneiros.
Do desconto, R$ 0,16 será alcançado com a isenção da Cide e uma redução de PIS/Cofins sobre o diesel, o que deve provocar impacto de R$ 4 bilhões. O volume se soma a outros cortes no Orçamento que levarão a um impacto total superior a R$ 13 bilhões.
A parte relativa à Cide equivale a R$ 0,05 por litro. O R$ 0,30 restante será coberto por um programa de subsídio, com custo de R$ 9,6 bilhões.
Joana Cunha, Folha de São Paulo