Durante a gestão de Luiz Marinho à frente da prefeitura de São Bernardo do Campo, a OAS recebeu R$ 1 bilhão, fruto de um grande esquema de corrupção, com licitações dirigidas e obras superfaturadas, que envolveu o ex-presidente Lula e o então sócio da empreiteira Léo Pinheiro
Germano Oliveira, IstoE
A OAS, uma das cinco maiores empreiteiras do Brasil, não apenas brindou o ex-presidente Lula com um tríplex no Guarujá. Nem somente atuou como uma espécie de mestre-de-obras da reforma do sítio do petista em Atibaia. A construtora, envolvida até o talo na Operação Lava Jato, tomou de assalto os cofres da Prefeitura de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, durante a gestão do petista Luiz Marinho como prefeito da cidade (2009 a 2016). Em oito anos, a OAS nadou de braçada na administração petista instalada no berço do PT escorada em um mega esquema de corrupção, arquitetado por meio de um conluio triangular entre o presidente da empreiteira José Aldemário Pinheiro Filho, o Léo Pinheiro, o então prefeito Marinho, hoje candidato a governador de São Paulo pelo PT, e o ex-presidente da República, cuja família ainda mora na cidade. Com generosos recursos do governo federal petista, a OAS foi contratada, por meio de licitações direcionadas e fraudulentas, para executar as principais obras da gestão Marinho, sobretudo a partir de 2012, sob orientação direta e explícita de Lula.
Naquele ano, interessado em turbinar o pupilo, o ex-presidente recomendou que Léo Pinheiro procurasse o então prefeito petista para que as obras fossem direcionadas à empreiteira. Como resultado da conversa, a OAS faturou em torno de R$ 1 bilhão, mas nenhuma das obras foi concluída, já que a empreiteira quase faliu depois da Lava Jato em 2014 e Léo Pinheiro, inclusive, acabou preso em 2015, deixando um cemitério de ferros retorcidos pelas principais ruas da cidade.
O esquema envolvendo Lula, OAS e Luiz Marinho começou a ser desvelado durante a delação premiada de Léo Pinheiro ao Ministério Público Federal. Pinheiro revelou aos procuradores que, orientado por Lula e com o aval de Luiz Marinho, a OAS aliada à Serveng venceu de maneira dirigida a licitação do chamado “Centro Seco”, que previa a construção de um piscinão para armazenar 220 milhões de litros de água das chuvas.
R$ 3 bilhões Foi o total de recursos do Governo Federal (Lula e Dilma) despejados na prefeitura petista de São Bernardo do Campo (de 2009 a 2016)
O contrato foi fechado com a OAS por R$ 296 milhões. Só um túnel de canalização de água, com um quilômetro de extensão e diâmetro equivalente ao de uma obra de metrô, custou R$ 100 milhões.
Aditivos suspeitos
Em 2014, Marinho assinou dois aditivos favorecendo a OAS, elevando o custo da obra para R$ 353 milhões. Os recursos vieram do Ministério das Cidades, durante o governo Dilma. A atual administração estima que o superfaturamento pode ser de, no mínimo, R$ 60 milhões. Em 2015, auge da Lava Jato, a obra parou, sendo retomada apenas no fim do ano passado. “Só o túnel é um grande desperdício”, disseram à ISTOÉ engenheiros familiarizados com o empreendimento.
O mesmo modus operandi adotado para o piscinão de São Bernardo se reproduziu em outras obras na cidade, conforme apurou reportagem de ISTOÉ. Em janeiro de 2012, a empreiteira da Lava Jato foi contratada pelo petista para recuperar o Ribeirão dos Couros, orçado em R$ 173,2 milhões. Hoje, as obras também permanecem estagnadas, enquanto a atual gestão tenta romper o contrato com a OAS. A duplicação da avenida Lauro Gomes, pela qual a OAS embolsou R$ 59,6 milhões em 2014, teve o mesmo destino: a paralisação. Outra empreitada nociva para os cofres da prefeitura foi o favorecimento à OAS em um contrato de R$ 258 milhões, assinado em julho de 2014, para a construção do corredor Leste-Oeste, que envolvia a duplicação de avenidas e a construção de três viadutos (Castelo Branco, Kennedy e Rotary), em 13 quilômetros de vias. As obras deveriam ter sido entregues no final do governo de Luiz Marinho, mas foram suspensas ainda nos alicerces. Apesar disso, a prefeitura petista não teve pudores em aprovar aditivos que favoreceram a OAS em mais R$ 33,8 milhões. Não precisa dizer que se trata de mais um caso com cheiro forte de superfaturamento.
O atual prefeito, Orlando Morando (PSDB), empossado em janeiro de 2017 em meio ao caos das obras paradas, contratou o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para fazer um levantamento dos estragos deixados pelo antecessor. Ele queria ter certeza de que poderia retomar as obras, eliminando os contratos fraudados da OAS. Não foi possível, sob pena de ter de pagar uma multa de R$ 7 milhões para a empreiteira. A prefeitura ainda teria que gastar R$ 1 milhão por mês só para manter o túnel do piscinão. Sem manutenção, ele poderia ruir. O túnel está localizado no centro da cidade, com 822 mil habitantes. “Poderia ser uma tragédia”, disse o prefeito Morando.
A herança maldita deixou seqüelas maiores. Para concluir as obras, o atual prefeito contraiu um empréstimo de US$ 125 milhões (R$ 400 milhões) junto à Confederação Andina de Fomento. Ou seja, a OAS foi mantida, apesar das suspeições. “A cidade gastaria mais se eu abrisse novas licitações”, afirmou Morando. Além disso, a Procuradoria de Justiça da Prefeitura encaminhou um ofício, via judicial, para o MPF do Paraná pedindo o teor da delação de Léo Pinheiro, para a responsabilização das autoridades que se beneficiaram com o esquema.
A ligação entre Lula e Luiz Marinho, de 59 anos, remonta à década de 80, quando os dois eram dirigentes sindicais no ABC paulista. O ex-presidente sempre acalentou o desejo de que Marinho fosse seu sucessor político. Marinho, a exemplo de Lula, foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, e ministro do petista por duas vezes (do Trabalho e da Previdência Social). Atualmente, ele é presidente do Diretório Estadual do PT, e candidato de Lula a governador de São Paulo.
Ele aparece com 4% nas pesquisas de intenção de votos, segundo o Ibope de maio. Verba para campanha nunca lhe faltou. Se em 2008, Luiz Marinho havia torrado R$ 15 milhões para se eleger, na campanha mais cara do País proporcionalmente, gastando R$ 30 por voto, em 2012 a dinheirama despejada pelo governo federal foi ainda maior e ajudou Marinho a se reeleger com facilidade. Marinho gastou R$ 11,2 milhões e ainda destinou R$ 5 milhões para financiar a campanha de 242 candidatos a vereador. Uma gastança sem tamanho, que contou inclusive com dinheiro de caixa dois da Odebrecht, segundo afirmou o ex-vice-presidente de Relações Institucionais da empreiteira, Alexandrino de Alencar, em sua delação premiada. De acordo com ele, Marinho recebeu uma propina de R$ 450 mil, por ter favorecido a Braskem num contrato de fornecimento de nafta da Petrobras.
Testas de ferro
Seguir o caminho da propina não é simples. ISTOÉ apurou em cartórios que Marinho não coloca bens em seu nome. Na eleição que disputou em 2008, ele declarou ao TRE não ter patrimônio algum. Com a ameaça de ter a candidatura impugnada, apresentou nova declaração informando ter um terço de um terreno no Riacho Grande, em sociedade com a mulher Nilza Aparecida de Oliveira, no valor de R$ 10 mil. Revelou também ter aplicações financeiras em poupança no valor de R$ 22,5 mil, também em parceria com a mulher, apesar de ter sido ministro duas vezes de Lula e ganhar salários que hoje equivaleriam a R$ 33 mil. Na disputa pela reeleição em 2012, a declaração foi equivalente, apenas corrigindo o valor das aplicações para R$ 52 mil, embora já tivesse sido prefeito por quatro anos, com salários R$ 25 mil por mês. Os valores apresentados no TRE são no mínimo suspeitos, para quem, em oito anos na prefeitura, acumulou R$ 2,4 milhões só em salários, fora os benefícios. Fontes ouvidas por ISTOÉ no ABC dizem que Marinho usa testas de ferro para receber valores por ele. Um deles seria Luiz Fernando Teixeira Ferreira, deputado estadual pelo PT e irmão do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP). Luiz Fernando chegou a ter escritório em São Bernardo durante a gestão Marinho, onde fazia acertos em nome do prefeito. Segundo a delação de Alexandrino de Alencar, ex-diretor da Odebrecht, foi ele quem recebeu as propinas destinadas a Marinho, no valor de R$ 550 mil, usados na campanha de 2012. Já Luiz Antonio Bueno Jr, outro ex-diretor da Odebrecht Infraestrutura, disse em sua delação que deu R$ 300 mil, via caixa 2, para o deputado Teixeira Ferreira usar na campanha de 2014, dinheiro que ele recebeu com o codinome de “Lamborguiny” e por meio da senha “empada”. Outro testa de ferro de Marinho seria o advogado Edson Asarias, investigado por desvios de dinheiro do Museu do Lula. No final de 2016, a PF apreendeu na casa de um ex-secretário de Marinho, preso na “Operação Hefesta”, uma contabilidade paralela do museu. Nela, um total de R$ 1,5 milhão figurava como quantia destinada para o advogado. Nas planilhas, aparecia o ítem “caixa – azarias – museu- Saab”, em alusão à empresa responsável por tocar o projeto do avião de caça sueco Gripen, para o qual Marinho fez lobby pesado – apenas mais uma do arsenal de tramóias do candidato de Lula. Um dia explode.
Gripen, um lobby suspeito
Durante a era petista no poder, Lula e Dilma cultivaram raras divergências. Uma delas girou em torno da compra de 36 aviões caça, de guerra, para a Força Aérea Brasileira (FAB), ao custo de US$ 5,4 bilhões (R$ 20 bilhões). Lula queria comprar os aviões da Rafale (França). O acerto já havia sido feito com o então presidente francês Nicolas Sarkozy. Em 2010, tão logo eleita, Dilma contrariou seu criador: demonstrou interesse em fechar negócio com americana Boeing. O lobby de Luiz Marinho desequilibrou o jogo. Só que em favor de outra empresa: a sueca Saab, fabricante dos caças Gripen. Numa das cartadas para convencer Dilma a bater o martelo pelos suecos em 2014, Marinho garantiu que a produção de peças para o avião aconteceriam em São Bernardo, gerando empregos na cidade. Mais uma empreitada frustrada. A Saab chegou a montar um escritório no 23º andar do Edifício Domo Office, em São Bernardo, informando que lá seria seu centro de pesquisas, a um valor de R$ 50 milhões. Hoje, apesar do governo já ter desembolsado grandes somas à empresa sediada na Suécia, o negócio ainda não decolou. Para piorar, o advogado Edson Asarias, ligado a Luiz Marinho, está sendo investigado pela PF por ter recebido pagamentos da Saab de outubro de 2010 até o início de 2016, numa apuração que também inclui o ex-prefeito petista. Além deles, Lula e seu filho Luiz Cláudio são réus por conta da operação que envolveu a compra dos caças. Três meses antes de ser condenado pelo juiz Sergio Moro no episódio do tríplex, Lula prestou depoimento sobre o caso.
O superfaturado “Museu do Lula”
As obras da construção do Museu do Trabalhador, conhecido como “Museu do Lula”, viraram uma tremenda dor de cabeça para o ex-prefeito Luiz Marinho. Responsabilizado pelo superfaturamento, Marinho tornou-se réu duas vezes. A obra, com licitação fraudulenta, segundo a Justiça Federal, foi tocada pelo consórcio Cronacon-Cei-Flasa, pelo valor de R$ 18 milhões, em abril de 2012. O dinheiro foi liberado pela ex-ministra da Cultura, e então petista Marta Suplicy, hoje senadora pelo MDB. Marinho foi responsável pelo aditivo que elevou o custo para R$ 21,6 milhões. O MPF estima que houve um superfaturamento no total de R$ 9 milhões.
As obras, que hoje atingem 60% do total, foram paralisadas em 2014 por falta de repasses dos recursos federais. Em dezembro de 2016, às vésperas de Marinho deixar o cargo, a PF fez a “Operação Hefesta” e prendeu três secretários do petista. A Justiça Federal aceitou a denúncia contra 16 pessoas, incluindo Marinho, por suspeita de fraude em licitação e corrupção na obra, hoje embargada. Se Marinho for condenado, terá que devolver R$ 16 milhões aos cofres públicos, mais multa de R$ 5 milhões por danos morais à coletividade, de acordo com o pedido do MPF.