Sugira a um produtor de soja, ou de açúcar, ou de café, que deva vender seus produtos no Brasil de acordo com seus custos, ignorando os preços internacionais dessas mercadorias. Aproveite e avise a Vale de que deverá fazer o mesmo com o minério de ferro, pois a sua produção é local, com seus custos em larga medida determinados em moeda nacional.
Não tenho dúvida de que o autor de semelhante proposta seria, com razão, ridicularizado (ou pior). Empresas que produzem bens facilmente transacionáveis no mercado internacional o fazem com vista aos preços que podem obter lá fora, independentemente de o país ser um exportador ou importador líquido do produto em questão.
Caso preços domésticos se elevem acima do internacional (ajustado, é claro, à taxa de câmbio, tarifas e custos de transporte), a empresa tem incentivos para desviar suas vendas para o mercado interno. Já se o preço interno fica aquém do internacional, tais produtores direcionarão suas vendas para o mercado externo.
Note-se que esse é o resultado natural de uma economia capitalista, noção difícil de compreender, admito, num país avesso às práticas de mercado.
Concretamente, se o produtor vendesse a um preço, digamos, acima do mercado internacional, abriria espaço para a importação de concorrentes.
Caso contrário perderia receita relativamente ao que poderia obter no mercado externo, isto é, venderia abaixo do seu custo de oportunidade, conceito que explorei nesta coluna há alguns meses e que se refere à possibilidade de uso alternativo de recursos: ao vender por preço inferior ao internacional, deixaria de usar seus recursos de forma eficiente, um custo que recairia sobre toda a sociedade.
Posto de outra forma, o preço doméstico de um produto que pode ser comercializado no exterior deve ser sempre próximo ao seu preço internacional, respeitados os ajustes brevemente descritos acima. Vale tanto para produtos que exportamos como para aquele que importamos.
Petróleo e derivados não são diferentes das demais mercadorias transacionadas internacionalmente. Não há, portanto, nenhuma base econômica para sugerir que seus preços domésticos tenham que ser baseados em seus custos, como sugerido por Mauro Benevides, um dos assessores econômicos de Ciro Gomes.
Essas considerações já deveriam bastar para demonstrar que a alternativa de fixar preço de acordo com o custo de produção é uma rematada tolice, mas dificilmente a única no atual debate.
Há também quem diga, como Flávio Rocha, que “o problema não é a política de preços, é o monopólio”, o que também é um erro.
A Petrobras é obviamente a empresa dominante do setor no país, já que detém, entre outras vantagens, 98% da capacidade nacional de refino.
No entanto, ao alinhar seus preços aos internacionais, não se comporta como um monopólio, mas como uma empresa que compete no mercado global.
Isso não quer dizer que a empresa não adote outras práticas anticoncorrenciais; apenas que sua formação de preços é coerente com uma situação na qual houvesse muitos competidores na venda de derivados.
Nenhum argumento econômico contra o alinhamento de preços domésticos ao internacional se sustenta.
Resta, é claro, o chamamento difuso a um suposto “interesse nacional”, que, na minha experiência, costuma ser uma justificativa tosca, mas esperta, para a defesa de interesses bastante (bastaaante) particulares.
Alexandre Schwartsman
Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
Folha de São Paulo