quarta-feira, 6 de junho de 2018

Crise da elite política ajuda a corroer democracia, diz professor de Harvard


LONDRES
A ascensão de líderes populistas com tendências autoritárias em países como Estados Unidos, Rússia e Turquia tem sido vista como evidência de que a democracia está em risco.
Para o cientista político Yascha Mounk, o fato de o Brasil assistir ao crescimento de Jair Bolsonaro nas pesquisas e ao aumento de vozes que pedem intervenção militar indica que o país vive igual fenômeno, o que é preocupante.
"O que se vê no mundo todo, incluindo no Brasil, é um crescente descontentamento com a elite política", diz o pesquisador. Segundo ele, o quadro atual desmonta o entendimento de que a democracia estava consolidada no mundo.
Mounk é um dos estudiosos mais citados no debate sobre crise democrática. Alemão de origem polonesa e radicado nos EUA, ele é professor em Harvard e se debruçou sobre o tema no recente "The People vs Democracy" (o povo contra a democracia).

O Brasil passa por uma crise política, na esteira da qual cresce o número de pessoas que pedem uma intervenção militar. Como isso está alinhado às ameaças à democracia no mundo?
O que se vê em muitos países, incluindo no Brasil, é um crescente descontentamento com a elite política.
Ainda não estamos em um ponto em que os militares estejam próximos de tomar o poder, mas a falta de legitimidade de políticos de esquerda e de direita e a raiva da população em relação a toda a classe política me deixam muito desconfortável. Isso é motivo para preocupação quanto ao futuro de democracias.
Um dos candidatos que lideram as intenções de voto para as eleições do Brasil faz apologia do autoritarismo militar. Isso se liga ao enfraquecimento da democracia?
Sem dúvida. O tipo de político que está destruindo a democracia flerta com líderes autoritários e com momentos de autoritarismo da história. Ele glorifica a ditadura militar e diz que é hoje o único que de fato representa o povo, que fala pelos brasileiros comuns. Isso é exatamente a natureza do populismo.
Estamos vendo para onde isso leva na Rússia, na Turquia, na Hungria. A deslegitimação de partidos políticos abre espaço para políticos como ele. Isso é muito preocupante.
Como se pode defender a democracia quando candidatos autoritários são eleitos de forma democrática?
Se candidatos com tendências autoritárias assim vencem eleições, é preciso deixar que eles assumam o poder, e então é preciso fazer o que se pode para evitar qualquer tentativa de erodir o Estado de Direito e a independência das instituições e para evitar ataques a direitos das minorias.
É possível fazer isso por meio de protestos e por meio de novas eleições. Porém, o mais importante é fazê-lo por meio de políticos moderados do establishment, fechando o cerco e demonstrando que podem deixar diferenças ideológicas de lado em nome de um compromisso compartilhado de defender as regras e normas do sistema político.
Isso se alinha ao que acontece atualmente nos EUA sob Trump?
De certa forma, sim. Acho que os democratas estão fazendo um bom trabalho, e há políticos republicanos que também estão tendo uma postura importante, como o ex-presidente George W. Bush e o senador John McCain. Isso impõe uma limitação muito importante aos poderes do presidente.
O sr. já disse que jovens têm uma preocupação menor com a defesa da democracia. Falta educação histórica?
O desencanto com a democracia se dá em parte pelo fato de que os jovens estão sofrendo pelas decisões de governos anteriores. Por décadas, políticos reduziram as vantagens desse grupo. Hoje, ouço jovens alegando que o sistema não funciona e que talvez seja hora de tentar algo diferente, num 'o que temos a perder?'.
Para qualquer um que viveu sob uma ditadura, como no Brasil, ou sob o fascismo, ou sob o comunismo, é bem óbvio o que se tem a perder, e que o autoritarismo deixaria tudo muito pior. A educação histórica é parte importante de mudar isso.
O filósofo Jason Brennan defende que as falhas da democracia servem como justificativa para o aprimoramento do sistema, em um processo que poderia originar uma "epistocracia", em que só as pessoas com conhecimento tomem decisões políticas. O que acha disso?
O ponto mais importante da democracia é que ela deve proteger direitos e liberdades individuais e coletivos. Temos que poder escolher o que vamos fazer, em que vamos acreditar, e por aí vai.
A ideia é que as pessoas possam decidir sua vida de forma coletiva, sem um líder autoritário que tome as decisões no seu lugar.
Claro que há espaço para pensar formas de atualizar a representação, de usar a internet para renovar essas instituições políticas. Algum grau de reforma é possível sem danificar as estruturas de funcionamento da democracia.
Mas quando leio trabalhos como o de Brennan, acho que é irresponsabilidade defender um governo de especialistas. Isso sobrevaloriza a capacidade dos especialistas de tomar decisões de forma imparcial, de defender os interesses da população. No mundo real, acaba servindo mais para debilitar pontos importantes da democracia.
Para onde esse desencanto com a democracia vai levar?
Ninguém sabe. Até algum tempo atrás, tínhamos a ideia de que a democracia em países como EUA, Alemanha e Brasil estava consolidada, e que esses países continuariam a ser democráticos.
Agora, sabemos que as coisas não são bem assim. Isso não significa que tudo esteja acabado. O futuro depende do que vamos fazer.
Se nos preocupamos com os valores políticos básicos, a liberdade e os direitos coletivos, cada um de nós tem uma contribuição a fazer.

Mounk usa blazer preto e camisa azul e está sentado em cadeira coberta por pano quadriculado vermelho e branco. Ele aparece sob fundo preto.
Yascha Mounk, professor e pesquisador da Universidade Harvard, diz que educação 
é antídoto contra populismo - Leonardo Cendamo/Leemage/Folhapress
RAIO-X Yascha Mounk 
Graduado em história em Cambridge com doutorado em governo em Harvard, é professor palestrante de governo em Harvard e diretor-executivo do Tony Blair Institute for Global Change. Entre as obras do alemão naturalizado americano está "Stranger in My Own Country" (livro de memórias sobre as tentativas da Alemanha de lidar com o seu passado)
Daniel Buarque, Folha de São Paulo