sábado, 6 de janeiro de 2018

"The Crown": O duque de Windsor conspirou com Hitler para trair o Reino Unido?



WASHINGTON - No fim de 1937, Adolf Hitler recebeu um casal razoavelmente bem conhecido em seu chalé nas montanhas para tomar chá. Hitler ocupava então o cargo de chanceler alemão, com sua verve fortemente antissemita. Como anfitrião, ele não poderia ser mais aprazível.

"Antes do chá", reportou o jornal americano "The New York Times", "Hitler mostrou a seus convidados o interior e os exteriores da casa. Eles ficaram por algum tempo no terraço observando no horizonte a Áustria, com a cidade de Salzburgo, na fronteira com a Alemanha, encravada entre as montanhas".

Duas horas depois, o casal se despediu. Hitler fez a saudação nazista. Assim como o homem que ele recebeu, o Duque de Windsor, que poucos meses antes abdicara da coroa real para casar com Wallis Simpson, a divorciada americana que o acompanhou no chá.

Esse acontecimento incrível está retratado no sexto episódio da nova temporada de "The Crown", a série da Netflix que se concentra nos primeiros anos do reinado de Elizabeth II. A série tem como base fatos reais, mas é muito romantizada, o que leva muitos espectadores a apertar o botão de "pausa" - não para ir até a geladeira ou para ir ao banheiro - para procurar na internet se aquilo realmente aconteceu.

No caso dos nazistas, os espectadores têm muito o que procurar no Google.


O programa retrata, entre outras coisas chocantes, a relação da irmã do príncipe Philip com nazistas e a sua confraternização com oficiais nazistas durante o funeral dela - tudo verdade. Mas as questões levantadas no episódio 6 são realmente de cair o queixo. O duque de Windsor era realmente um simpatizante nazista? Ele realmente conspirou para destronar seu irmão, o rei George VI? Ele realmente sugeriu aos alemães que bombardear ainda mais o Reino Unido talvez pudesse encerrar a Segunda Guerra Mundial?

As alegações foram levantadas no episódio por meio de documentos e despachos altamente secretos do Exército alemão descobertos depois que a guerra acabou. Winston Churchill tenta encobrir a descoberta e impedir os historiadores de publicar os papéis. A rainha, interpretada por Claire Foy, lê os documentos em seu escritório, pálida, a mão na testa. O duque nega tudo.

Mas isso, no entanto, não é só TV. Isso aconteceu de verdade, não totalmente como foi descrito, mas tristemente muito perto disso.

A relação do duque com os nazistas, como foi detalhado nos arquivos secretos, foi examinada ao longo dos anos por historiadores e jornalistas, mas nenhum deles concorda se os papéis representam as ações do duque ou são simplesmente propaganda nazista, como a realeza sempre alegou.

Talvez o relato mais fascinante e de levantar os cabelos é um artigo acadêmico publicado em 1997 aparentemente esquecido intitulado "The Windsor File" (O arquivo Windsor, em tradução livre). Escrito por Paul Sweet, ex-funcionário do serviço estrangeiro dos EUA e historiador supostamente envolvido na publicação dos documentos, o relato detalha as associações nazistas do duque e o longo e eventualmente infrutífero esforço em suprimi-los.

Os documentos foram publicados em 1957, para a surpresa do mundo inteiro. Russell Baker, que se tornaria um famoso colunista, escreveu a reportagem de primeira página para o jornal americano "The New York Times", descrevendo os papéis como sendo de "validade duvidosa".

"Se os relatos sobre o duque de Windsor refletiram acuradamente o seu pensamento na época", escreveu Baker, "ou se eram apenas... fofocas de corredor é impossível dizer pelos despachos diplomáticos".

Depois da publicação dos documentos, o Palácio de Buckingham emitiu uma declaração dizendo que "Sua Alteza real nunca afastou sua lealdade da causa britânica. Os registros alemães são necessariamente uma fonte muito comprometida. As únicas fortes evidências que eles fornecem é sobre o que os alemães estavam tentando fazer a respeito, e de que eles falharam completamente em fazê-lo".

Sweet fez referência à declaração oficial no fim de seu artigo. E colocou uma "piscadela acadêmica": "Por sorte, a publicação dos documentos permitiu aos leitores decidirem sozinhos se as evidências confirmam essa interpretação oficial". Os leitores, claro. E os espectadores, também.