domingo, 14 de janeiro de 2018

"Stanislaw Ponte Preta e Lula", por José Padilha

O Globo


Se o petista terminar na cadeia, quem em sã consciência vai querer dar salvo-conduto para Aécios, Serras e Temeres?


Há algum tempo escrevi um artigo intitulado “A cabeça do Lula.” Nele, defendi a tese de que o futuro da Lava-Jato, a possibilidade de que a operação terminasse modificando as práticas odiosas de nossa política de forma substancial, dependia do destino de Lula. Se Lula fosse condenado e preso, dizia eu, a esquerda ia passar a exigir a condenação e a prisão dos políticos de direita que (também) tivessem cometido crimes de formação de quadrilha e de corrupção — em vez de se opor à Lava-Jato por definição. Nesse caso, teríamos a quase totalidade da opinião pública e da opinião publicada (Churchill dizia que só existe a opinião publicada) apoiando a turma de Curitiba. Os partidos políticos tradicionais sucumbiriam, e o mecanismo poderia ser derrotado.

A minha tese se baseava em uma observação simples: sempre que eu forçava os meus amigos petistas e psolistas a encarar as fartas evidências levantadas contra Lula, tanto no caso do mensalão quanto no caso do petrolão, eles se esquivavam acusando Aécio, Serra e Fernando Henrique de também serem corruptos. (Não mencionavam Temer, posto que, àquela altura, Temer ainda era aliado de Lula.) Ou seja: admitiam que Lula era corrupto, mas argumentavam que a Lava-Jato era seletiva e, por isso, injusta. Bradavam (literalmente): ou a Lava-Jato prende todo mundo ou não prende ninguém!

Evidentemente, dizer que para prender um político corrupto é preciso prender todos os outros é o mesmo que dizer que todos os políticos corruptos precisam ser presos ao mesmo tempo. O que é uma impossibilidade em qualquer lugar do mundo, dado que investigações anticorrupção seguem o fio de uma meada e avançam à medida que evidências e os acordos de delação se acumulam.

Eu dizia isso a meus amigos. Mas eles, vítimas de cegueira ideológica aguda, sequer conseguiam me ouvir. Face a essa tamanha barbaridade, vez por outra eu perguntava a mim mesmo: o que será que esse pessoal fará se Lula for condenado de vez? Concluí: exigirão reciprocidade. Daí a minha tese no artigo “A cabeça de Lula”, que repito aqui em forma de pergunta: se Lula terminar na cadeia, quem em sã consciência vai querer dar salvo-conduto a Aécios, Serras e Temeres?

Pois bem, depois de Dirceu, de Palocci, de Cabral e de Odebrecht, chegou a hora e a vez de Luiz Inácio Lula da Silva. E não apenas isso: a Lava-Jato aponta com clareza para seus próximos alvos: Temer, Aécio e Serra. O que nos leva de volta à pergunta acima: se Lula terminar na cadeia, quem em sã consciência (condição que exclui Gilmar Mendes) vai querer dar salvo-conduto a Aécio, Serra e Temer?

A resposta, caro leitor, você já sabe. Ninguém. Logo, concluo eu: as cúpulas de PMDB e PSDB devem estar trabalhando com afinco nos bastidores para que Lula não termine na cadeia.

Note, caro leitor, a ironia do destino: se o STF arrumar um jeito de manter Lula solto mesmo que ele seja condenado por unanimidade e em segunda instância, vai livrar da cadeia o corrupto favorito da esquerda para poder livrar da cadeia os corruptos favoritos da direita.

Caso no qual as grandes lideranças políticas e jurídicas do Brasil terão respondido de forma categórica ao dilema de Stanislaw Ponte Preta: entre restaurar a moralidade ou locupletarmo-nos todos, ficaremos com a segunda alternativa.

A ver.