domingo, 14 de janeiro de 2018

"Sabotagem jurídica e política contra a Lava Jato", por Frederico Vasconcelos

Folha de São Paulo


O promotor Gilberto Valente Martins diz que, apesar dos progressos obtidos em 2017 no combate à corrupção, em meio à profusão de escândalos  e denúncias, o futuro da Operação Lava Jato “ainda é permeado de incertezas”.
Ele cita as “tentativas de sabotagem, ora de ordem jurídica, ora de ordem política” para dificultar a descoberta de novos alvos e proteger os investigados.
A rede de corrupção “paulatinamente escrachada” desvelou negócios jurídicos ilícitos, incluindo fundos de pensão, bancos públicos, empreiteiras, estatais, ministérios e partidos.
Martins vê um aspecto promissor em 2018, quando a maior operação de combate à corrupção da história do Brasil completará quatro anos.
Embora a passos lentos, “a implantação da democracia vem se aperfeiçoando após a exposição das feridas abertas do controle econômico do Poder”, diz.
Ele considera sintomático o fato de que o filme “Polícia Federal – A Lei é para Todos“, inspirado na Lava Jato, teve a maior bilheteria de estreia nacional em 2017.
“O comprometimento do imaginário nacional com a política está em crescente aprimoramento”, afirma.
Gilberto Valente Martins é procurador-geral de Justiça no Estado do Pará. É graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará e Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Foi conselheiro do Conselho Nacional de Justiça –cumprindo dois mandatos.

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O ocaso do ano de 2017 sinalizou o aprofundamento da crise política no nosso país. A democracia representativa, regime político relativamente recente e ainda muito frágil no Brasil, vem sendo exposta em seus rincões, revelando-se em grande medida como marionete do poder econômico.
Os primeiros meses do ano foram manchados de sangue pelos massacres nos presídios de Manaus, Boa Vista e Alcaçuz, que ilustraram a situação de decadência do sistema penitenciário nacional e da violência que não dá trégua aos brasileiros.
A morte do ministro Teori Zavacski na queda de um avião bimotor comoveu o país no princípio de 2017 e gerou um clima de dúvidas e preocupações acerca dos avanços da Operação Lava Jato.
O que sucedeu depois disso, no entanto, foi a renovação da profusão de escândalos.
O repertório de denúncias da lista de Janot envolvia personalidades políticas dos grandes partidos –-PT, PMDB e PSDB.
A partir de então, houve dezenas de delações, denúncias e inquéritos no âmbito da Lava Jato. O saldo das investigações já atingiu 4 ex-presidentes da República, 178 deputados, 37 senadores, 9 ministros e 19 governadores.
A rede de corrupção que vem sendo paulatinamente escrachada pela operação desvela negócios jurídicos ilícitos, incluindo fundos de pensão, bancos públicos, empreiteiras, estatais, ministérios e partidos, do Brasil e outros países.
Até mesmo o atual presidente, de legitimidade política altamente controversa, entrou na lista de investigados, logrando êxito, entretanto, em evitar o risco de cassação com o apoio do Congresso e com sua absolvição no TSE no processo contra sua chapa com Dilma Rousseff.
A internacionalmente famigerada afirmação de Temer proferida no Palácio do Jaburú e captada por uma gravação do bilionário Joesley Batista em que dizia ao interlocutor, de maneira quase banal, que tratasse de manter a propina mensal ao ex-deputado Eduardo Cunha em troca de seu silêncio, entrou de maneira bastante simbólica para a analecta dos disparates nacionais.
Apesar dos consideráveis progressos, o futuro da Lava Jato ainda é permeado de incertezas, em função das tentativas de sabotagem, ora de ordem jurídica, ora de ordem política, que a operação vem sofrendo; na maioria das vezes de forma sutil e outras mais explicitamente, com o intento de dificultar a descoberta de novos alvos e proteger os investigados.
A inovação legislativa de maior repercussão em 2017 foi a reforma trabalhista encetada pela promulgação da Lei nº. 13.467/17, que entrou em vigor apenas em novembro, ampliando as possibilidades de negociação entre trabalhadores e empresários e conferindo mais força às convenções e negociações coletivas.
A reforma foi alvo de críticas por conter vários retrocessos no âmbito da conquista de direitos pelos trabalhadores, eis que agora está aberta a possibilidade de as negociações entre as partes (em manifesta posição de desequilíbrio econômico) se sobreporem à legislação trabalhista.
Isto é, podem ser negociados além dos padrões mínimos o parcelamento de férias, a jornada de trabalho, a redução de salário e o banco de horas. Por outro lado, as empresas não poderão discutir o fundo de garantia, o salário mínimo, o 13º e as férias proporcionais.
A reforma da previdência acabou por ser adiada para 2018. Todavia, publicada no último dia 5 de outubro, a Emenda Constitucional nº. 97/2017, foi outra novidade legislativa importante, passando a vedar as coligações partidárias nas eleições proporcionais e estabelecendo normas sobre acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuito no rádio e TV.
Cumpre ainda sublinhar a recente e relevante decisão da ministra Cármen Lúcia em suspender os efeitos do indulto da Presidência da República que beneficiava condenados em crimes do colarinho branco, diante da corajosa ação direta de inconstitucionalidade da Procuradora Geral da República, Raquel Dodge.
Toda crise é sucedida ou pela derrocada do sistema vigente ou por sua reestruturação interna e fortalecimento.
O ano de 2018 é promissor neste segundo aspecto: a implantação da democracia vem se aperfeiçoando no Brasil a passos lentos após a exposição das feridas abertas do controle econômico do Poder.
Os entraves da implantação de uma democracia real no Brasil são o reflexo de uma cultura nacional histórica de dificuldade de internalização das normas jurídicas pelos brasileiros.
As normas jurídicas e morais são constantemente desacreditadas pelo nosso povo.
Não obstante, em março de 2018, a maior operação de combate à corrupção da história do Brasil completará quatro anos com muitos resultados positivos, inclusive no âmbito psicológico do povo.
Isso significa que é um negócio cada vez menos vantajoso e mais arriscado a um congressista brasileiro comprometer recursos públicos a interesses privados e que ele terá que se valer de meios cada vez mais sofisticados e artificiosos para tanto.
A Justiça passa a alcançar progressivamente os poderosos e a se esquivar dos boicotes processualísticos.
Os partidos terão que oxigenar e renovar os rostos das eleições de 2018.
Diante desse contexto, é sintomática a representação artística da nossa crise política, imortalizada no filme “Polícia Federal – A Lei é para Todos” (obra de Marcelo Antunez inspirada na Operação Lava Jato), que teve a maior bilheteria de estreia nacional de 2017.
O comprometimento do imaginário nacional com a política está em crescente aprimoramento, o que se pode constatar no jogo livre das vozes das redes sociais. O brasileiro está ansioso por acompanhar a continuação desse filme.