Pouco antes do fim de 2017, o mundo da aviação foi sacudido pela notícia de que duas gigantes fabricantes de aviões, a americana Boeing e a brasileira Embraer, negociam uma espécie de parceria. O negócio avança em segredo, portanto ainda não se sabe a que nível se daria tal parceria.
As duas empresas, inclusive, já são próximas, visto que Boeing e Embraer assinaram em 2016 um acordo para vendas e suporte do novo cargueiro da brasileira, o KC-390, que deve começar a ser entregue neste ano.
O que estaria por trás dessa aproximação? Certamente pesou na balança a associação da europeia Airbus —principal rival da Boeing— com a canadense Bombardier —concorrente direta da Embraer no mercado de jatos de 100 a 150 lugares.
Em outubro, ambas firmaram um acordo que tornou a Airbus proprietária de 50,01% do programa C-Series, a principal família de aeronaves da fabricante canadense, composta pelos jatos CS100 e CS300. A gigante europeia pagou o simbólico valor de US$ 1 pela aquisição. Como não existe almoço grátis —ou por US$ 1—, vejamos no que estavam pensando os dirigentes das duas fabricantes.
A negociação entre Airbus e Bombardier se insere no contexto de uma batalha comercial que chegou à OMC (Organização Mundial do Comércio) e de aumento na demanda de aviões comerciais menores nos próximos anos.
A Bombardier é acusada pelo Brasil —que fala em nome da Embraer na OMC— de ter recebido US$ 3 bilhões em subsídios do governo canadense para a produção dos jatos C-Series, o que permitia à Bombardier vender os aviões a um preço muito competitivo nos Estados Unidos e violaria regras do comércio internacional.
Quando a companhia americana Delta fez, em 2016, um pedido de 75 jatos C-Series, a Boeing se queixou ao governo americano sobre a concorrência desleal. A ordem ficou ameaçada em setembro passado, quando o Departamento de Comércio dos EUA, em decisão favorável à Boeing, anunciou que todo jato da Bombardier vendido nos EUA seria sobretaxado em 219,63%.
Uma semana depois, uma nova sobretaxa de 79,82% foi adicionada pelo governo americano. A Delta afirmou, à época, que não pagaria nenhuma sobretaxa.
Um CS300 saía por US$ 89,5 milhões (R$ 296 milhões) em janeiro do ano passado, segundo a Bombardier. A sobretaxa total de 299,45% jogaria esse valor para US$ 357,5 milhões (R$ 1,18 bilhão), quase o preço de um Boeing 747-8i, o segundo maior avião comercial do mundo.
Diante de tal perspectiva, a fabricante canadense teve de agir. Caiu como uma luva, portanto, a proposta da Airbus, que já estava de olho no mercado de aviação regional, dominado por Embraer e Bombardier. A fabricante europeia estima que o mercado para modelos entre 100 e 150 lugares vai demandar mais de 6.000 aviões nos próximos anos.
O acordo permitirá que os CS100 e CS300 possam ser fabricados na planta da Airbus no Estado americano do Alabama, livrando os jatos das sobretaxas destinadas às importações.
Além disso, a Bombardier, que ainda passa por dificuldades financeiras depois de uma crise de caixa em 2015, terá a Airbus trabalhando pelas vendas de seus principais jatos comerciais.
Semanas após o anúncio da parceria, a Bombardier informou que um cliente europeu assinou um acordo de intenção de compra de até 61 jatos C-Series, com 31 confirmados. A identidade do comprador não foi divulgada. A principal operadora dos C-Series, que entraram em serviço em 2016, é a Swiss, com 15 aeronaves.
PORTFÓLIOS
O menor avião construído hoje pela Airbus, o A319neo, acomoda entre 140 e 160 passageiros (apesar de ainda constar em seu portfólio, o irmão menor A318 não é mais fabricado e não tem pedidos em vista).
Assim, os canadenses CS100 (108 a 135 assentos) e CS300 (130 a 160 lugares) se encaixam perfeitamente no portfólio da Airbus.
No caso de Boeing e Embraer, há uma certa sobreposição ao considerarmos o maior modelo da nova família de jatos E2 da brasileira, o E195, que acomoda entre 120 e 146 passageiros, enquanto o menor Boeing, o 737 MAX 7, tem 126 assentos no esquema duas classes.
Mas ao considerarmos a principal variante do 737, o MAX 8, que tem 162 lugares, há um bom encaixe com a família E2. Além do E195, ela é composta pelo E175 (80 a 90 lugares) e o E190 (97 a 114).
A Boeing conseguiria também contornar uma eventual sobretaxa a aviões brasileiros no mercado americano fazendo uso da planta da Embraer na Flórida, onde são produzidos os jatos executivos Phenom e Legacy.
A presença global da Boeing também poderia favorecer a Embraer, que acaba de perder um importante cliente, a Austral. A subsidiária da Aerolíneas Argentinas é uma das seis principais operadoras dos jatos E190 e E195 e anunciou, na semana passada, que irá trocar 12 dos seus 26 aviões da Embraer por Boeings 737 a partir deste ano.