quarta-feira, 1 de março de 2017

Tom presidencial de Trump surpreende: ‘Agiu como político’


Presidente Donald Trump faz breve pausa em discurso ao Congresso dos EUA; atrás, estão o vice Mike Pence e o líder republicano Paul Ryan - JIM_BOURG / REUTERS

Com O Globo e agências internacionais


Eleitores se dividem entre choque e dúvida a palavras conciliatórias do republicano


WASHINGTON — Em seu primeiro discurso ao Congresso dos EUA, o chefe da Casa Branca, Donald Trump, finalmente adotou um tom presidencial e surpreendeu políticos, jornalistas e eleitores. Ao contrário da sua retórica de campanha explosiva — que não deixou de lado nem mesmo no seu discurso de posse —, o republicano seguiu o roteiro e fez o pronunciamento mais tradicional da sua breve carreira política. A grande surpresa foi que, desta vez, o presidente não fez declarações surpreendentes pela agressividade. 

Apesar de, em alguns momentos, ter retornado ao discurso nacionalista e de medo, fez um apelo à unidade e defendeu parcerias com nações amigas, deixando de lado o isolacionismo da sua plataforma política.

A imprensa americana e mundial reagiu com surpresa ao tom adotado por Trump, que discursou em frente ao presidente da Câmara de Representantes, Paul Ryan, e o seu vice, Mike Pence. Para o “Politico”, as suas palavras foram, desta vez, conciliatórias e não combativas. O presidente usou expressões que talvez nunca tenham sido ouvidas da sua boca durante os últimos 20 meses, desde que lançou sua campanha presidencial: “amor verdadeiro”, “o bem comum”, “cooperar” e “terreno comum”.

Enquanto se preparava para deixar a Casa Branca, repórteres disseram ter visto Trump sentado no banco de trás da sua limousine treinando seu discurso. Os relatos são de que o presidente se preparou durante semanas para o grande evento político e editou sua fala até o último momento. E, surpreendentemente, se manteve no roteiro previsto — sem sua tradicional postura rebelde na frente do teleprompter.

O “Washington Post”, por sua vez, ressaltou que Trump tenta estabilizar seu mandato presidencial após 40 dias de forte turbulência. Com ar de seriedade, o republicano recorreu a palavras de compaixão enquanto descrevia sua agenda para reconstruir um país que, em sua avaliação, se vê arrasado por crime, drogas, infra-estrutura deteriorada e burocracias falhas. Evitou atacar a imprensa ou se vangloriar da sua vitória eleitoral, como é do seu costume.

Já o "New York Times" chamou o discurso de otimista. E destacou que Trump se mostrou ansioso para colocar de lado as duras críticas sobre o seu recente governo.

Os eleitores também reagiram, entre a surpresa e a desconfiança, ao novo tom de Trump. Em Miami, Rolando Valdes, de 63 anos, votou no republicano e disse ao “New York Times” que, pela primeira vez, viu Trump agir como um político tradicional.

— Estou surpreso. Espero que ele possa fazer isso. Há política demais em tudo isso. E este cara, gostemos dele ou não, é o único outsider. Hoje ele agiu como um político. É uma coisa boa, porque precisamos que as coisas sejam feitas.

Já Susy Ribero-Ayala, de 54 anos, que votou contra Trump, expressou dúvidas quanto às promessas do bilionário nova-iorquino. Para a advogada, o presidente caiu em contradições e simplificações demais durante seu discurso, apesar das promessas que considerou positivas para os EUA.

— Quem era aquele homem desmascarado? Eu acho que aquilo soou ótimo, como uma utopia. Eu não acho que seja tão simples. Ele diz que vai fazer todas estas coisas maravilhosas: cortar impostos e aumentar o orçamento par a Defesa. Ele fala sobre um ótimo sistema de saúde e a cobertura das condições pré-existentes, e também fala do desastre do Obamacare. Promete salvar os empregos dos mineiros de carvão, mas também em aumentar a produção de gás natural. É uma coisa ou outra. Está simplificado demais. Eu não sei se ele acredita no que está dizendo. Não pode tudo ser verdade. É simplista e irrealista — disse a americana ao “NYT”.

CONTRADIÇÕES SOBRE IMIGRAÇÃO

No discurso, Trump adotou um tom relativamente duro contra a imigração ilegal, embora tenha dito horas antes, em um encontro com âncoras de TV, que defendia uma lei que poderia ser um caminho para legalizar milhões de ilegais.

— Ao cumprir nossas leis de imigração, aumentaremos os salários, ajudaremos os desempregados, economizamos bilhões de dólares e tornaremos nossas comunidades mais seguras para todos — disse, no Congresso.

Horas antes, havia adotado outro tom:

— É o momento certo para um projeto de lei de imigração, desde que haja um compromisso de ambos os lados — disse a jornalistas de TV na Casa Branca.

Nem mesmo Barack Obama, um presidente pró-imigrantes, conseguiu aprovar uma lei a favor deles, apesar de ter tido maioria parlamentar em seus dois primeiros anos. Segundo fontes da Casa Branca, Trump está ansioso para aprovar um projeto de lei de imigração que abriria caminho para a legalização de milhões, desde que não tenham cometido crimes graves ou violentos, e ainda trabalhem e paguem impostos.

Fontes explicam que o projeto não facilitaria a cidadania — exceto para os chamados dreamers, que chegaram aos EUA quando crianças ou jovens —, mas permitiria status legal. O surpreendente é que isso contradiz tudo o que Trump tem feito.

— Os desafios que enfrentamos como uma nação são grandes, mas nosso povo é ainda maior — concluiu, após defender o aumento de gastos militares e prometer mais recursos para os veteranos.