O segundo mandato da presidente Dilma Rousseff não começa hoje. Começou em 27 de novembro, quando, pressionada pelas circunstâncias, a presidente reeleita antecipou, por meio do porta-voz, o anúncio da escolha de Joaquim Levy e Nelson Barbosa para os ministérios da Fazenda e do Planejamento.
As sérias dificuldades enfrentadas pelo país e apontadas na campanha eleitoral — rebatidas por Dilma — precisavam de uma sinalização forte do Planalto sobre uma política econômica para o segundo mandato que estancasse a degradação das expectativas. Com o agravante de que o ocupante da Fazenda, Guido Mantega, arrastava correntes pelo ministério, depois de ser colocado em aviso prévio durante a campanha pela candidata Dilma, numa vã tentativa de melhorar os humores diante dos rumos da economia. Na prática, a Pasta ficou esvaziada enquanto crescia o vagalhão da crise.
Inflação em alta e persistente, PIB praticamente estagnado, política fiscal com indícios de descontrole — confirmados pelos números de novembro —, contas públicas desequilibradas e sem credibilidade devido à “contabilidade criativa” não podiam esperar 1º de janeiro. A política econômica do primeiro mandato entrou em coma antes do fim do governo.
O calendário da economia foi mais curto que o político, e a demissão anunciada de Mantega só fez aumentar a insegurança. Por isso, Levy e Barbosa, na companhia de Alexandre Tombini, mantido no Banco Central, se apressaram a antecipar, naquele dia, para um mandato que se iniciaria um mês depois, algumas definições cruciais: superávit primário, neste primeiro ano, de 1,2% do PIB, e no mínimo de 2% em 2016 e 2017, a fim de tentar conter a escalada da dívida bruta, já acima de 60% do PIB, indicadores a serem sempre expressos em números calculadas dentro da melhor técnica de aferição de contas públicas, sem as maquiagens usuais no mandato inicial de Dilma. Isso, além de um combate à inflação sem tergiversações.
Outro momento-chave foi a intervenção de Nelson Barbosa, ex-secretário-geral da Fazenda, próximo ao PT, para explicar o óbvio, mas de difícil trânsito em hostes petistas: nenhuma política social sobrevive a uma crise com as características e nas dimensões da que está emergindo no Brasil, disse, com outras palavras.
A demarcação desses e outros pontos, naquela entrevista, soou como música para mercados e quem, entre economistas e analistas, vinha há algum tempo alertando para o esgotamento do ciclo de incentivo preferencial ao consumo, chamando a atenção para os perigos da política fiscal desregrada e para o risco das transferências de centenas de bilhões provenientes de dívida do Tesouro aos bancos públicos, BNDES à frente, sem que as remessas estivessem no Orçamento e pudessem ser acompanhadas pela sociedade.
O mesmo ocorre com o enorme subsídio creditício embutido nessas operações. Anunciou-se, naquele 27 de novembro, que, a partir de hoje, não haverá novas dessas remessas. A ver.
A escolha de Levy, economista já testado com êxito em ajustes fiscais — como secretário do Tesouro, na gestão de Antonio Palocci na Fazenda, na arrumação da máquina coletora de impostos fluminense e no controle de gastos no primeiro governo de Sérgio Cabral — foi um alento, mas não significa que se espere um ano fácil.
Um dos melhores aferidores de expectativas é o Relatório Focus, divulgado semanalmente pelo Banco Central com projeções de mais de cem analistas de instituições financeiras (números ao lado). Segundo o último Focus de 2014, o PIB continuará, este ano, próximo à estagnação, enquanto os juros, em alta (fecharam 2014 em 11,75%), tentarão impedir que a inflação se mantenha acima do teto da meta (6,5%). Porém, em vão, segundo os analistas. Boa notícia, apenas para exportadores, beneficiados pelo câmbio em desvalorização, motivo pelo qual espera-se um superávit no comércio exterior. Em troca, mais pressões sobre a inflação.
Não que 2015 esteja perdido. Mas o cerco montado ao segundo governo Dilma por erros dela mesma é bastante claro. E ainda deverá haver o primeiro aumento de juros nos Estados Unidos desde a deflagração da crise em Wall Street, em 2008. Mais uma dificuldade para o Brasil atrair divisas no mercado financeiro global, amplificada pelos efeitos negativos do assalto à Petrobras junto a investidores externos.
Dilma e PT precisam obter sucesso no ajuste, até por conveniência política. Erros crassos como os cometidos no primeiro mandato de Dilma soterrarão os projetos lulopetistas para 2018. E para que tudo possa sair a contento, começar a acertar em 2015 é crucial.
Os pontos-chave
1
A equipe econômica do segundo mandato teve de coabitar com a do primeiro, devido à escalada da crise
2
‘Contabilidade criativa’, inflação alta e estagnação, entre outros problemas, minaram a confiança dos mercados
3
É essencial para a presidente recuperá-la. Nomear nomes respeitáveis como Levy e Barbosa é um primeiro passo
4
Mas é preciso ir muito além, no apoio a uma política de ajuste criticada pela própria Dilma na campanha eleitoral
5
Para complicar o cenário, há o escândalo do petrolão conspirando contra a credibilidade do segundo mandato