Prefeituras de várias partes do país têm reclamado de atrasos em repasses de verbas federais, principalmente na saúde, o que vem ameaçando serviços básicos e deixando médicos sem salários.
Os municípios têm recorridos aos próprios cofres para cobrir o rombo, já que, no último mês, a União deixou de transferir R$ 2,2 bilhões do Fundo Nacional de Saúde a prefeituras e Estados. Na área da educação, os atrasos chegaram a R$ 432,5 milhões.
Recursos do Ministério do Desenvolvimento Social também ficaram retidos. O órgão não informou os valores.
O governo admite os atrasos, mas não explica a razão.
Embora os investimentos públicos em saúde venham crescendo ano a ano, 2014 teve um dezembro atípico.
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Desde ao menos 2012, os maiores repasses para a área ocorreram sempre no último mês de cada ano. Em 2014, porém, dezembro foi o mês com a menor carga de repasses na saúde –R$ 4,5 bilhões.
Os atrasos são sentidos especialmente por cidades dependentes de verbas federais.
Há dois meses sem receber recursos, a prefeita de Amargosa (a 235 km de Salvador), Karina Borges Silva (PSB), decidiu na quarta-feira (21) sair em caminhada pelas ruas da cidade na companhia de servidores da saúde para alertar a população de que serviços poderiam ser interrompidos.
Em Sapeaçu (a 150 km de Salvador), médicos ficaram 20 dias sem receber salário.
"Tivemos que escolher quem receberia, e os médicos acabaram punidos. Com o salário de um deles, pago seis ou sete funcionários de salário menor", disse o secretário de Saúde Raul Molina.
Os atrasos afetaram também salários e o 13º de funcionários da Santa Casa em Suzano (SP). Em dezembro, apenas 60% deles receberam. O resto foi pago neste mês, de acordo com a prefeitura.
Grandes cidades, como São Paulo, Rio e Salvador, também foram atingidas.
Na capital baiana, quatro UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) que ficariam prontas neste ano não têm mais previsão de inauguração. "Se não tivermos repasses de novos recursos para custeio, não teremos como colocar para funcionar", diz o secretário de Saúde José Antônio Rodrigues Alves.
O volume retido em Salvador chegou a R$ 18 milhões. Em São Paulo, de R$ 80 milhões da atenção de média e alta complexidade de dezembro, R$ 30 milhões só foram debitados em 7 de janeiro.
Secretário da Saúde de Bauru e presidente do Cosems-SP (Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de SP), Fernando Monti diz que atrasos não são incomuns, mas "o grau de atraso se aprofundou um pouco partir do último trimestre do ano passado".
"Possivelmente, isso é decorrência da situação econômica geral que a gente está vivendo", afirma o secretário.
Para Paulo Ziulkoski, presidente da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), o problema vem do ajuste fiscal. "Isso é fazer caixa. Tira um pouco daqui, um pouquinho dali e vai fechando com a barriga essa contabilidade do tesouro", diz.
Segundo ele, a União "pagava mal, mas pagava em dia"."Agora, paga mal e não paga mais em dia", afirma.
A previsão para este ano, segundo ele, não é das melhores. "Nós estamos com o pé atrás de novo com a possibilidade de não se realizar o que está estimado", afirma.
Os dois blocos de financiamentos que mais movimentam verbas do fundo foram diretamente afetados: atenção básica e atenção de média e alta complexidade.
Programas do bloco de atenção básica, por exemplo, como Saúde da Família, Agentes Comunitários e Saúde Bucal, ficaram sem verba em dezembro em todo o país.
Paulo Silas, secretário-executivo da Abrac (Associação Brasileira de Prefeituras), afirma que o atraso, mesmo que de um mês, significa um "problemaço" para os prefeitos. "Se atrasa dois meses, você desequilibra as contas dos municípios", afirma.