Gabriela Valente - O Globo
Foi o primeiro resultado negativo desde que o Banco Central começou a registrar os dados, em 2002
O Brasil teve um rombo de R$ 32,5 bilhões nas contas públicas. Esse foi a primeira vez que o setor público (União, estados, municípios e estatais) registrou um déficit primário desde que o Banco Central começou a registrar os dados em 2002. Isso significa que o país gastou esse montante a mais do que o valor arrecadado em tributos pelo Estado. O valor representa 0,63% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país em um ano).
Apesar de ser um ano eleitoral - com vários impedimentos para despesas públicas - 2014 foi um ano atípico. Dos 12 meses, em sete o governo gastou muito mais dinheiro do que arrecadou. Não foi diferente em dezembro. No mês passado, o rombo veio inclusive maior que o projetado pelos economistas mais pessimistas do mercado financeiro: R$ 12,9 bilhões, o pior desde 2008.
No ano passado, todas as esferas de governo ficaram no vermelho. A União fechou o ano com um déficit de R$ 20,5 bilhões. Os governos regionais com um rombo de R$ 7,8 bilhões. E as estatais com uma fatura em aberto de R$ 4,3 bilhões.
Com essa gastança governamental, faltou dinheiro para pagar juros da dívida. O Brasil tinha uma conta de R$ 311,4 bilhões de encargos para arcar em 2014. Sem poupança nenhuma para diminuir essa dívida, a conta não fechou. Ao contrário, como os impostos não foram suficientes nem para as despesas do ano, os gastos a mais viraram dívida.
Isso aumentou o chamado déficit nominal do país que chegou a R$ 343,9 bilhões, ou seja, 6,7% do PIB: o maior da história.
Sem conseguir poupar nenhum centavo para pagar juros, a dívida aumentou independentemente do tipo da contabilidade. No caso da dívida líquida, foi a primeira vez que ela aumentou - em termos anuais - desde 2009. Subiu de 36,2% do PIB, em 2013, para 36,7% do PIB.
Já a dívida bruta passou de 63% do PIB para 63,4% do PIB no ano passado. Ao todo, o governo deve R$ 3,3 trilhões.
— Essa tendência de elevação da dívida deve continuar ao longo de 2015 - avisou o chefe - adjunto do departamento econômico do BC, Fernando Rocha.
O resultado consolidado é divulgado um dia após o Tesouro Nacional informar que o governo central — que reúne Tesouro, Previdência e Banco Central — registrou déficit primário de R$ 17,2 bilhões, o primeiro saldo negativo de toda a série história, iniciada em 1997. O número foi influenciado pelo desequilíbrio entre despesas e receita: em 2014, os gastos do governo aumentaram 12,8%, enquanto os ganhos cresceram só 3,6%.
Desde dezembro, a nova equipe econômica já anunciou uma série de medidas para reforçar as contas do governo. A primeira delas foi a restrição ao acesso a alguns benefícios de trabalhadores, como o seguro-desemprego. A estimativa é que as novas regras resultem em uma economia de R$ 18 bilhões só neste ano. O governo, no entanto, já indicou que pode ceder a pressões de centrais sindicais, que são contra as restrições.
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciou na semana passada uma série de aumentos em impostos, que devem melhorar a arrecadação — que encolheu no ano passado — em cerca de R$ 20 bilhões neste ano. O pacote inclui a cobrança da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), tributo que incide sobre os combustíveis.
No ano passado, o governo — ao perceber que não conseguiria cumprir a meta fiscal estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) —, o governo conseguiu aprovar a alteração da legislação no Congresso que, na prática, permitiu que a meta não fosse cumprida. A estratégia foi permitir o abatimento do total das despesas do Programa de Aceleração do Crescimento, o que poderia chegar a R$ 140 bilhões. Dessa forma, mesmo com resultado negativo, o governo cumpre a legislação e entrega um superávit primário de R$ 49,1 bilhões.