Com Blog do Noblat - O Globo
Se a comunicação for entendida como propaganda, como foi na campanha eleitoral, o governo pode vencer de novo, com ajuda do alquimista João Santana
Presa em seu labirinto, guerreando contra suas convicções e tropeçando no teleprompter, a presidente da República reuniu o maior ministério da história do Brasil e possivelmente o maior do mundo, para ler sua arenga incolor, sem som e sem fúria, significando nada.
Depois de manter-se mais de um mês num ruidoso silêncio, terceirizando a palavra do governo para seu valete Joaquim Levy, a quem coube a desgostosa tarefa de anunciar medidas do ajuste fiscal (coisa que ele fez, aliás, com imperturbável cinismo), Dilma sentiu-se, finalmente, obrigada a dizer ao público a que veio.
(Paradoxalmente, durante seu jejum de palavras, Dilma esteve na terceira posse de Evo Morales, que se orgulhava de ter uma Bolívia livre de “Chicago Boys", enquanto o novo ministro da Fazenda brasileiro era atração em Davos exatamente por sua fama de “Chicago Boy”).
Visivelmente pouco à vontade, com olheiras acentuadas, colocada no centro de deselegante mesa tendo seu vice Temer à direita e seu guarda pretoriano Aloísio Mercadante à esquerda, com ministros espalhados às pencas pelas duas mesas laterais, Dilma quebrou seu silêncio durante 40 torturantes minutos de insipidez retórica e conceitual.
As platitudes que a presidente enumerou foram encabeçadas, como não podia deixar de ser, pela tentativa de explicar a torturante contradição entre o mar de rosas vendido pelo script de Joao Santana e interpretado por ela na campanha eleitoral e a incômoda realidade.
Será preciso promover o “reequilíbrio fiscal” para recuperar o crescimento da economia o mais rápido possível. Só se tenta reequilibrar o que não está equilibrado, como é óbvio, e aí vai então o reconhecimento explícito de que o Brasil que Joao Santana vendeu não era o mesmo que os eleitores compraram.
Para mostrar que o cinismo da novilingua dos governantes não tem limites, a presidente, que na campanha usou a tosca expressão de que não mexeria em direitos trabalhistas “nem que a vaca tussa”, adoçou o remédio amargo com um aspartame retórico: vamos adequar, com “medidas de caráter corretivo”, alguns benefícios trabalhistas às “novas condições socioeconômicas do País”. (Mas que novas condições seriam essas que não existiam no país de Joao Santana ?).
Referindo-se ao escândalo da Petrobras e à repercussão em círculos concêntricos que provocou na área política e na área empresarial, Dilma disse que “nós devemos punir as pessoas e não destruir as empresas; as empresas, elas são essenciais ao País”. O discurso de campanha de não deixar “pedra sobre pedra”, também tinha a sua seletividade. No discurso da presidente, há uma diferenciação seletiva ente pedras e pedras.
No dia seguinte ao do discurso, a Petrobras divulgou seu balanço atrasado e não auditado e despencou na Bolsa perdendo mais valor de mercado, mostrando que as empresas não estão isentas dos efeitos do uso que as pessoas fazem delas em proveito próprio ou de esquemas partidários.
Do discurso da presidente, o único apelo que pode surtir algum efeito é o que conclamou os ministros a lutar para vencer “a batalha da comunicação"
Se a comunicação for entendida como propaganda, como foi na campanha eleitoral, o governo pode vencer de novo, com ajuda do alquimista João Santana.
E o País continuará perdendo.