sexta-feira, 31 de outubro de 2014

"Enfim, novo ataque à inflação", editorial do Estadão


Passada a eleição, o Banco Central (BC) voltou a cumprir seu papel no combate à alta de preços e anunciou uma nova alta da taxa básica de juros, a Selic, de 11% para 11,25% ao ano. A inflação resistente e muito acima da meta - de 4,5% ao ano - havia sido reconhecida mais de uma vez pelos dirigentes da instituição nos últimos meses, mas entre o reconhecimento e a ação houve uma perigosa e injustificável demora. Anunciado o aumento, líderes do empresariado protestaram, como sempre, mostrando-se menos preocupados com a inflação do que com as condições dos negócios no curto prazo - como se fosse possível adiar a terapia indefinidamente.
A elevação da taxa foi correta, embora atrasada, e o único detalhe estranho foi a divisão dos membros do Comitê de Política Monetária (Copom), 5 favoráveis e 3 contrários ao novo aperto no crédito, como informou a nota divulgada na quarta-feira, logo depois da reunião.

Qualquer hesitação quanto à alta dos juros seria compreensível, como tem sido, em outros países, se a elevação dos preços ao consumidor tivesse alguma funcionalidade. Não tem, no caso brasileiro, e isso está mais do que comprovado. As pressões inflacionárias foram persistentes nos últimos quatro anos, enquanto a produção cambaleou, o investimento encolheu e a indústria nacional perdeu espaço fora e dentro do País. Um pouco de inflação poderá contribuir para a recuperação econômica na zona do euro e no Japão, mas as condições no Brasil são muito diferentes.

Não houve, aqui, nenhuma crise financeira, nenhuma grande depreciação de ativos, nenhum surto de desemprego. Houve uma bolha, sim, mas de outra natureza. Foi formada pela conjunção de muita incompetência na política econômica, irresponsabilidade no manejo das contas públicas, intervencionismo desastrado e doses devastadoras de populismo.

Os dirigentes do BC nunca desconheceram esses fatos, a começar pela gastança federal. Mas aceitaram as imposições da presidente Dilma Rousseff, derrubaram os juros na hora errada e mantiveram a política de complacência por quase dois anos. Pressionados pela piora indisfarçável do quadro inflacionário, voltaram a agir no ano passado, mas interromperam o esforço de ajuste em abril deste ano, quando a alta de preços pareceu perder impulso. Mas analistas do mercado e de consultorias nunca se iludiram. Previram repique dos aumentos no começo do segundo semestre. Essa previsão foi publicada no site do BC e o repique foi mais forte que o previsto.

A nova onda de aumentos continua e é nítida em todos os principais indicadores. O IPCA, referência oficial da política monetária, subiu 0,57% em setembro e acumulou alta de 6,75% em 12 meses. O IPCA-15, usado como prévia, subiu 0,39% em setembro e 0,48% em outubro, com alta de 6,62% em 12 meses. Os preços ao consumidor incluídos no IGP-M, da Fundação Getúlio Vargas, aumentaram 0,42% no mês passado, 0,48% em outubro e acumularam uma alta anual de 6,82%.

As pressões derivadas do aumento do dólar e o risco representado por um próximo aumento dos juros nos Estados Unidos apenas complicam uma situação já muito ruim. Juros americanos mais altos poderão produzir, entre outros danos, um desvio de capitais para os Estados Unidos.

Segundo a nota do Copom, a nova alta de juros deverá "garantir, a um custo menor, a prevalência de um cenário mais benigno para a inflação em 2015 e 2016". O essencial está na expressão "custo menor". Em casos de inflação, câncer e várias doenças, quanto mais cedo se inicie o tratamento, menor é o custo e menos penosa a terapia.

Por isso mesmo o Copom deveria ter agido antes. Mas aderiu à política da presidente Dilma Rousseff de tolerância à inflação. Agora, até ela parece ter percebido o risco e permitido a alta de juros. Afinal, a presidente manda no BC, como ficou claro na campanha eleitoral. Na campanha, o aumento de juros foi descrito como ajuda aos banqueiros para tirar comida dos trabalhadores. Mas nada tira essa comida tão facilmente quanto a inflação. Até a eleição, isso foi escondido dos eleitores mais vulneráveis ao populismo.