domingo, 31 de agosto de 2025

'Pigmeu diplomático', por Augusto Nunes e Uiliam Grizafis

 Última parte da viagem pela política externa da canalhice


Luiz Inácio Lula da Silva | Foto: Ricardo Stuckert/PR


D. Pedro II achava aquele filho do Visconde do Rio Branco pouco paciente e muito mundano para chefiar o cobiçado Consulado Geral do Brasil em Liverpool. Como lhe sobrava teimosia, o jovem diplomata José Maria da Silva Paranhos Junior insistiu na reivindicação até superar a má vontade do monarca. Garantido o emprego na Inglaterra, recorreu aos defeitos aparentes para mostrar serviço. Funcionou: o que fez por lá transformaria o nobre quase enjeitado pelo homem no trono numa figura estelar da república ainda na infância. Nomeado embaixador na Alemanha pelo presidente Campos Salles, o já Barão do Rio Branco comandou o Ministério das Relações Exteriores de 3 de dezembro de 1902 até a morte em 10 de fevereiro de 1912. Nesses 9 anos, serviu a quatro diferentes governos. Ao morrer, sem que fosse disparado um só tiro, o Brasil republicano ficara 900 mil quilômetros quadrados maior que o Brasil imperial. 

A expansão do mapa consumou-se na virada do século. Começou pelo redesenho da fronteira que separava o Amapá da Guiana Francesa, por decisão da arbitragem conduzida pelo presidente da Suíça. Como a linha divisória passou a ser o rio Oiapoque, o Brasil cresceu. Pouco depois, uma arbitragem comandada pelo presidente norte-americano Grover Cleveland determinou a anexação ao território brasileiro de uma larga fatia do Paraná e de Santa Catarina reivindicada pela Argentina. Mas nenhum desses avanços foi tão audacioso quanto o desfecho da negociação que definiu a quem pertencia o Acre. Ao Brasil, concordou em 1903 a delegação da Bolívia, que se contentou com concessões territoriais e, sobretudo, compensações econômicas oferecidas pelo Barão do Rio Branco. É tarde para saber quais foram e quanto valiam. Como calcular agora, por exemplo, o valor real do cavalo que fez o figurão boliviano que o ganhou de presente acreditar que o Acre era brasileiro antes mesmo do Descobrimento? 


José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco. Ministro das Relações Exteriores do Brasil de 1902-1912. Incorporou 900 mil km ao território brasileiro sem necessidade de conflitos armados | Foto: Wikimedia Commons


Além de consolidar os contornos do país, o Barão do Rio Branco estreitou as relações historicamente amistosas com os Estados Unidos e as grandes democracias europeias. Essa aliança atravessou sem maiores avarias um século atormentado por duas guerras mundiais e sucessivos solavancos. Parecia esbanjar solidez quando a vitória na eleição de 2002 instalou no Planalto uma cabeça baldia pronta para errar todas as escolhas. Com a implosão da União Soviética, passaram a ter preferência os nostálgicos do Muro de Berlim, as viúvas de Guevara, os órfãos de Stalin e todas as bestas quadradas prontas para atribuir ao capitalismo selvagem e ao imperialismo ianque todos os pecados do mundo — passados, presentes e futuros. Para Lula e seus comparsas, o futuro está no passado. Os exemplos a seguir são Cuba, Coreia do Norte, Venezuela, Nicarágua e outras obscenidades. A luta continua, agora engrossada pela escória planetária. Os parceiros perfeitos são os liberticidas que se reúnem nos piqueniques do clube dos cucarachas. 

Disfarçado de “Assessor-Chefe da Assessoria Especial do Presidente da República”, Celso Amorim continua a comandar a política externa. Mas as asas do Pintassilgo do Planalto já batem há 83 anos. A ave anda exausta. Consultas à agenda oficial informam que Amorim comparece ao local de trabalho só duas vezes por semana, para dizer a Lula o que deve ser feito pelo chanceler Mauro Vieira. Até recentemente, o arranjo funcionou. A trinca mostrou-se afinada ao autorizar a ancoragem em águas brasileiras de suspeitíssimas embarcações iranianas. O vocalista Lula jurou sem ficar ruborizado que os judeus mataram em Gaza 12 milhões de crianças palestinas. O embaixador designado por Israel ficou três meses em Brasília tentando, em vão, apresentar suas credenciais. Lula culpou o presidente da Ucrânia pelo estupro praticado por tropas russas. “Quando um não quer dois não brigam”, filosofou o analfabeto funcional. O desempenho do trio ficou bem mais confuso com a entrada em cena da cavalaria americana. 

Lula não conhece Trump. Achou que poderia insultar impunemente o candidato à Presidência. Imaginou que nada aconteceria se, depois da vitória do inimigo, propusesse a criação de uma nova moeda para substituir o dólar como referência monetária mundial, sugerisse a transformação do Brics numa OTAN mais atrevida e enviasse claros sinais de que sonha fazer do Brasil uma Venezuela tripulada pelo consórcio Planalto-STF. Má ideia, descobriu tarde demais. O tarifaço levou Lula às cordas. As punições aplicadas a ministros do Supremo e do governo deixaram grogue o falastrão. Enquanto rezava pelo fim do round, simulou contra-ataques delirantes. “O Geraldo Alckmin, que conversa com todo mundo, está telefonando pra todo mundo. Mas ninguém atende”, queixou-se. O vice corrigiu: tivera, sim, uma conversa com o secretário de Comércio do governo americano. E como fora?, quis saber um jornalista. A resposta é a cara do carola socialista: “Proveitosa”.


Celso Amorim, Assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais | Foto: Ton Molina/Estadão Conteúdo


Por que Janja haveria de ficar fora dessa? Nesta semana, entre movimentos corporais tão graciosos quanto um balé de hipopótamos, caprichando no sorriso de intimidar enfermeiro de manicômio, a primeira dama presenteou a plateia domesticada com o pronunciamento abaixo transcrito sem retoques nem correções:

“E se tem essa confusãozinha por aí é porque o Banco do Brics e o Brics é muito importante pro cenário mundial. Então, tô aqui … tô aqui… ó…. com o sururote aqui no meu bolso, já fiz um vídeo, vou mandar pra nossa presidenta Dilma. Tá mais que na hora da gente ter uma moedinha alternativa aqui no nosso Sul global, né? A gente tem potencial, o Brasil tem muito potencial, o presidente Lula fala muito disso, o Brasil tem todo o potencial do mundo”.


Apesar de não ter cargo oficial, a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, continua a exercer protagonismo no governo Lula | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Auguasto Nunes e Uiliam Grizafis -  Revista Oeste