quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Luís Roberto 'perdeu mané' Barroso comete um artigo constrangedor do início ao fim, por Flávio Gordon

 

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso. (Foto: Gustavo Moreno/STF)


Em seu recente artigo de opinião no jornal O Estado de S.Paulo, Luís Roberto Barroso – uma figura quixotesca em luta perpétua contra o Antigo Regime universal e a permanência de “guetos pré-iluministas” no Brasil – demonstrou mais uma vez não compreender bem o seu papel institucional e os limites do poder judicial que, em tese, ele deveria exercer. Todos já sabíamos, por exemplo, que ele deseja participar da política, mas sem arcar com o ônus de se expor ao escrutínio público, batalhar por votos, submeter-se a mandatos temporários e confrontar adversários de igual para igual. Sim, o nosso Voltaire de Vassouras quer ser político e juiz ao mesmo tempo, desfrutando simultaneamente da condição simétrica do campo de batalha político e da condição hierárquica inerente à posição do magistrado no tribunal; da liberdade de defender apaixonadamente uma determinada agenda político-ideológica e, ao mesmo tempo, da segurança institucional conferida pelo cargo, única e exclusivamente, claro está, na condição de que o magistrado aja imparcial e desinteressadamente.

Mas agora notamos que o sujeito também quer acumular os papéis de juiz e colunista de opinião, gozando apenas dos bônus de ambas as funções. Ao escrever o seu artigo de réplica a um editorial do Estadão, Barroso afeta a postura de um debatedor político no mesmo nível dos demais, de um colunista de opinião como outro qualquer, em condição de igualdade com o autor ou autores dos textos que ele intenta refutar. Mas a afetação de isonomia não dura muito tempo, e a maneira como o texto é redigido trai a condição privilegiada do magistrado, capaz de tornar réu (e, portanto, em posição hierárquica inferior) aquele que até então era um mero oponente no terreno das ideias. Assim é que o pretenso opinador recheia o artigo de reprimendas e ameaças veladas ao jornal que lhe cedeu espaço, mas que, ao término do documento indefinido entre a natureza de artigo de opinião e a de peça judicial, é colocado na posição de candidato a ingresso num dos inquéritos perpétuos que o partido-corte ao qual pertence Barroso tem utilizado em sua permanente lawfare contra adversários políticos.


Luís Roberto Barroso demonstrou mais uma vez não compreender bem o seu papel institucional e os limites do poder judicial que, em tese, ele deveria exercer


Após adotar o procedimento mezzo retórico mezzo inquiritorial de contabilizar o número de editoriais publicados pelo jornal acerca do STF, Barroso ressente-se de seu teor crítico, manifestando-se num parágrafo que, redigido no estilo condescendente característico do autor, equivale a uma emboscada:

“E, no entanto, praticamente todos os editoriais foram duramente críticos, com muitos adjetivos e tom raivoso. Ainda que não deliberadamente, contribuem para um ambiente de ódio institucional que se sabe bem de onde veio e onde pretendia chegar. Ao longo do período, o jornal não vislumbrou qualquer coisa positiva na atuação do STF ou do CNJ. Faz parte da vida. Parafraseando Rosa Luxemburgo, liberdade de expressão é para quem pensa diferente. Mas o que existe está nos olhos de quem vê.”

Sabe-se de onde veio Barroso e aonde ele pretende chegar. Barroso vem de um tribunal ultrapolitizado e parcial, perdendo, nesse quesito, apenas para o Judiciário da Venezuela, como concluiu um levantamento recente da Rule of Law Index (Índice do Estado de Direito), uma publicação do World Justice Project, organização independente que reúne especialistas em direito de todo o mundo. Barroso vem de um tribunal reconhecidamente transformado numa casta privilegiada (como denunciaram recentemente o jornal suíço Neue Zürcher Zeitung e o jornal alemão Handelsblatt), que, enquanto desmantela a maior operação anticorrupção já feita no Brasil (como denunciou o The New York Times), se une corporativamente na defesa do direito autoconcedido à prática recorrente de abuso de autoridade contra críticos e adversários políticos. Eis um assunto que, em seu cabotiníssimo manifesto, o magistrado simplesmente ignorou.

Pois Barroso vem, portanto, dessa heterodoxa corte constitucional, cuja credibilidade colapsa dia após dia. E aonde ele quer chegar? Essa é fácil: à intimidação contra o Estadão, uma vez que, na qualidade de colaborador do “ódio institucional” que veio da “extrema direita” e pretendia chegar num “golpe de Estado” – essa a tese do iluminista e de seus companheiros de partido-corte –, o Estadão passa a ser um alvo potencial dos inquéritos ilegais comandados por Alexandre de Moraes e chancelados por todo o STF, sob o pretexto de preservar a democracia e o Estado de direito. Aliás, era previsível que funcionários públicos com complexo de grandeza, espírito revolucionário e arrogância patológica – que ora imaginam poder “empurrar a história”, “editar o país inteiro”, “derrotar o bolsonarismo” e “recivilizar o Brasil” – não fossem se deter na perseguição exclusiva aos assim chamados “bolsonaristas”.

Aliás, o próprio Estadão antevira a manobra retórica de Barroso no editorial do dia 2 de janeiro, intitulado “A credibilidade do STF em queda livre”. “Mesmo críticos que nada têm a ver com o bolsonarismo são censurados como ‘extremistas’ e suas críticas são tomadas como ‘ataques às instituições’”, escreveu o editorialista. É justamente aí que o fleumático Barroso pretende chegar com suas ameaças, as quais, não obstante distintas em estilo das de seu colega mais sanguíneo, nem por isso são menos autoritárias. Trata-se de forçar o jornal paulistano a retomar a postura leniente e quase cúmplice que manteve com a corte ao longo dos últimos anos, sobretudo durante o governo de Jair Bolsonaro, visto como uma espécie de aberração antidemocrática que autorizava todas as veleidades dos magistrados supremos.


O Voltaire de Vassouras se vê simultaneamente como homem e como deus da democracia


Convicto de ser um representante dos “deuses da democracia” na terra – ou mesmo de ser ele próprio um deus da democracia feito carne –, é natural que Barroso tenha dificuldade de lidar com toda expressão que não seja de adoração, como a que, mal-acostumado, ele recebe diariamente das Organizações Globo. Barroso é o profeta da religião secular da democracia – uma democracia de gabinete, dos convescotes patrocinados por empresários com ações na corte, uma democracia sem povo. Mas, como escreveu certa vez o filósofo político John Gray: “O problema com os mitos seculares é o de serem frequentemente mais danosos que os antigos. No cristianismo tradicional, o impulso apocalíptico era controlado pelo insight de que os seres humanos eram inerentemente falhos. Nas religiões seculares que surgiram desde então, esse insight foi perdido. O resultado foi uma forma de tirania inédita na história, cujos vastos crimes são cometidos em nome do paraíso na Terra”.

Com efeito, o grande mito secular no qual crê Barroso é, no fundo, uma paródia da encarnação cristã. O Voltaire de Vassouras se vê simultaneamente como homem e como deus da democracia, ora como ser histórico, ora como ser situado fora da história, capaz, portanto, de empurrá-la na direção desejada. Compreende-se que alguém com esse delírio de autointerpretação não se contente com a reles função de juiz constitucional, e não se conceba submetido às mesmas regras, parâmetros e referências que circunscrevem as ações do cidadão comum. Por fim, compreende-se também que, ao redigir um artigo de opinião (ademais medíocre), um sujeito como esse imagine transmitir um mandamento.


Luís Roberto Barroso - Gazeta do Povo