Líderes mundiais se reúnem no Rio de Janeiro para a Cúpula do G20 (19/11/2024) | Montagem: Reuters/Leah Millis/Pool/Revista Oeste
Inaugurado com uma mentira e evento presidido pelo governo do PT será eternizado pelas gafes de Janja e pela cerveja à vontade
O G20 do Rio de Janeiro começou com uma mentira. A cúpula dos chefes de Estado e de governo das 20 maiores economias do planeta foi inaugurada pelo discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que proferiu mais uma vez a informação falsa sobre os imaginários “33 milhões de brasileiros famintos” deixados pelo governo anterior, e salvos graças a seu terceiro mandato no Palácio do Planalto. Dados divulgados por uma ONG politizada que foram criticados por uma metodologia no mínimo questionável. Lula tinha usado essa falácia já durante a campanha eleitoral de 2022. No turbilhão do momento, obteve algum ganho político. Desta vez, ninguém acreditou. Nem mesmo a imprensa internacional, sempre muito calorosa com o petista. Mas que agora decidiu não acatar a balela presidencial.
Mas, além da mentira de abertura, o G20 foi marcado por uma série de gafes e incidentes diplomáticos da primeira-dama brasileira, Rosângela “Janja” da Silva. A qual conseguiu a proeza de escandalizar a mídia estrangeira e indignar a brasileira. No primeiro caso, ela insultou pesadamente o empresário sul-africano Elon Musk, com um inenarrável “fuck you” pronunciado ao vivo e em cores. No segundo, organizou um festival cultural que antecedeu a cúpula, regado com pelo menos R$ 33 milhões de recursos públicos 22/11/2024, 14:09 O fracasso do G20 de Lula - Revista Oeste https://revistaoeste.com/revista/edicao-244/o-fracasso-do-g20-de-lula/ 2/12 distribuídos para artistas muy amigos, e que mereceu o irretocável apelido de “Janjapalooza”. Tudo para poder obter seus 15 minutos de fama no palco, ganhar holofotes e conseguir mostrar algum poder, mesmo não tendo nenhum papel institucional. Nessa bulimia de protagonismo, Janja conseguiu ser grosseira com uma participante que ousou pronunciar o epíteto do festival. Além disso, a primeira-dama chamou de “bestão” Francisco Wanderley Luiz, que tirou a própria vida em Brasília na quarta-feira 13. Acabou se transformando num desastre para a sua imagem. E num bumerangue político que atingiu em cheio o governo do marido.
Mas o que desembocou no inimaginável foi a participação de Janja nos trabalhos do G20. Ela se acomodou na plenária logo atrás do marido e ao lado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Nenhuma outra primeira-dama dos líderes mundiais participantes permaneceu na sala. Pois todas sabem muito bem que tomar as decisões sobre os destinos do planeta compete a quem ganhou a eleição e foi agraciado pela vontade popular. Não aos consortes.
Brigitte Macron, mulher do presidente francês, nem sequer foi até o Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro, preferindo permanecer em seu hotel e aproveitar para andar no calçadão de Copacabana.
Distância sideral em relação à sua homóloga brasileira com pretensões de vedete. Que, por sinal, permaneceu concentrada com seu telefone celular enquanto o marido discursava, insensível às palavras de Lula e ao fato de sua imagem estar sendo transmitida em vídeo para o mundo inteiro. Desorganização embaraçosa Além das falas do casal presidencial, o que aborreceu os 2,5 mil jornalistas do mundo inteiro foi a péssima organização do evento.
“O caótico G20 aumenta a sensação de desordem global”, titulou a Bloomberg, salientando como “gafes marcaram as reuniões que muitos chamaram de o G20 mais desorganizado da memória recente”. O caos começou pela sala de imprensa. Horas de ônibus para chegar até o local, filas intermináveis sob o implacável sol carioca para poder entrar, apenas três detectores de metais disponíveis, wi-fi que não funcionava e falta de comida e café foram o dia a dia dos correspondentes. Todos ficaram, obviamente, enfurecidos.
Apenas um item foi liberado à vontade: cerveja Brahma. As latinhas eram onipresentes desde manhã cedo em todas as mesas, entre blocos de notas e computadores. Um G20 “open bar”. Amplamente desfrutado pelos jornalistas brasileiros e desdenhado pelos colegas estrangeiros. Estes últimos mais ocupados em trabalhar de verdade em vez de curtir a festa. Cenas oníricas que jamais serão esquecidas pela mídia mundial. A desorganização foi tamanha, que nem mesmo havia press kit para todos os jornalistas. Mesmo com o credenciamento realizado meses antes do evento, por razões de segurança.
“O nome do senhor não está na lista realizada pela Embratur”, foi a resposta que um jornalista suíço ouviu de uma atendente do local que lhe explicava por que não poderia lhe entregar o brinde. Impossível entender a razão de a entidade capitaneada por Marcelo Freixo ser responsável pela gestão dos profissionais de comunicação do G20. Compreensível, ao contrário, a reação furibunda dos correspondentes.
Poucas horas após a abertura da sala de imprensa, o americano The Wall Street Journal publicou uma dura coluna dizendo que “Lula está liderando o declínio da América Latina”. Mera coincidência. A organização brasileira não foi capaz nem mesmo de tirar a foto oficial com todos os líderes participantes. Na primeira tentativa, na segunda-feira, faltaram o presidente americano, Joe Biden, a premiê italiana, Giorgia Meloni, e seu homólogo canadense, Justin Trudeau, que estavam terminando uma reunião. O fotógrafo oficial não quis esperar, e a foto ficou manca.
Na segunda tentativa, no dia seguinte, realizada sob pedido expresso de Biden, faltaram ainda mais líderes: o chanceler russo, Sergey 22/11/2024, 14:09 O fracasso do G20 de Lula - Revista Oeste https://revistaoeste.com/revista/edicao-244/o-fracasso-do-g20-de-lula/ 7/12 Lavrov, a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, o premiê britânico, Keir Starmer, e o presidente argentino, Javier Milei. A segurança foi um vexame à parte. Horas antes da abertura do G20, dois carros da comitiva do governo federal foram roubados na Via Dutra e no centro do Rio de Janeiro. Demostrando a incapacidade do Executivo de proteger até mesmo a si próprio.
Muito menos as delegações estrangeiras. Como os membros da comitiva de Timor Leste, assaltados no bairro da Lapa. A força pública também ficou inerte quando cidadãos chineses mobilizados pelo governo de Pequim, munidos de longos bastões e grandes bandeiras da República Popular da China, impediram manifestantes de protestar na passagem do ditador Xi Jinping. Vídeos viralizaram nas redes sociais mostrando como essas pessoas agrediam cidadãos brasileiros que queriam instalar um cartaz em chinês na beira da avenida onde passaria o comboio governamental. Tudo sob o olhar, e a inércia, das centenas de policiais militares, civis, federais e soldados presentes no local.
Que decidiram chancelar a censura chinesa em território brasileiro. Cerceamento que continuou dentro da cúpula. Quando jornalistas foram obrigados a se retirarem às pressas durante a bilateral entre Xi e o premiê britânico, Keir Starmer, no exato momento em que o europeu abordou a questão das violações de direitos humanos na China. Foi suficiente citar o caso do editor e ativista Jimmy Lai, de 76 anos, preso injustamente desde 2020, para que seguranças chineses expulsassem os jornalistas da sala. Tudo isso em território brasileiro, onde a censura, em tese, é proibida.
Fracasso diplomático
Com essas premissas, dificilmente o G20 poderia ter um desfecho positivo. Foi um fiasco retumbante.
A declaração final, aprovada às pressas no primeiro dia, foi um festival de frases ao vento. Em quase 10 mil palavras distribuídas em 21 páginas, não se decidiu absolutamente nada, não se enfrentou nenhum problema concreto, muito menos se tomaram medidas para melhorar a vida dos cidadãos do mundo.
A principal proposta brasileira, uma taxa mundial sobre os chamados “ultrarricos”, foi rechaçada. E ficou apenas mencionada como mero diálogo para eventuais cooperações futuras sobre o tema. Nada mais do que bom tom institucional com o país anfitrião.
No âmbito geopolítico, Lula passou o último ano chamando Israel de “genocida” e acusando-o dos piores crimes contra a humanidade. Mas na declaração final do G20 nem sequer houve uma condenação contra o Estado judeu. Das duas uma: ou o G20 inteiro se tornou cúmplice do suposto “genocídio”, ou Lula esteve errado todo esse tempo. E o próprio comunicado passou na marra por vontade do próprio Lula, antecipando a divulgação para evitar oposições. O documento teve a proeza de não citar a Rússia no parágrafo sobre a guerra na Ucrânia. Como se a Crimeia tivesse sido invadida por alienígenas.
Os europeus protestaram, pedindo maior assertividade em relação ao país agressor. Lula abusou de suas prerrogativas de organizador e se recusou a abrir o debate, aprovando o documento enquanto encerrava a sessão plenária de segunda-feira. Em um momento em que os líderes de França, Alemanha e Estados Unidos não estavam presentes na sala. “Foi uma manobra brutal”, classificou uma fonte da delegação europeia.
Os europeus protestaram verbalmente durante as coletivas de imprensa. Aumentando o constrangimento generalizado. Milei decidiu ir além, e publicou uma nota oficial em que nomeava todos os pontos de discordância. Macron foi o mais vingativo: ainda em solo brasileiro, disse claramente que é contra o acordo de livre-comércio entre União Europeia e Mercosul. Enterrando de vez as últimas ambições lulistas de um sucesso diplomático para marcar seu governo.
O G20 que começou com uma mentira terminou em farsa. A tradicional coletiva final realizada pelo presidente rotativo nem sequer aconteceu. Lula convocou algumas dezenas de jornalistas para uma sala reservada, com forte esquema de segurança. Os manteve lá por cerca de três horas sem poderem sair do local. Para depois comunicar que não haveria mais entrevista. Provocando a cólera generalizada. Em suma, a cúpula do G20 do Rio de Janeiro será lembrada como mais uma ocasião perdida para superar as crescentes divisões entre as superpotências globais. A incapacidade de negociar do governo Lula foi tamanha que conseguiu superar a gigantesca incompetência organizacional.
Nos primeiros governos petistas, o Brasil era conhecido por ser um gigante econômico, mas um anão diplomático. No terceiro mandato de Lula, a parte econômica foi arquivada. Só sobrou a diplomática.
Carlo Cauti, Revista Oeste