sexta-feira, 22 de novembro de 2024

'Eles não querem a paz', escreve Sílvio Navarro

 

Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, ministros do STF, Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, e Paulo Gonet, procurador-geral da República, em Brasília | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil


Lula, o uso da PF para sustentar a tese de um golpe de Estado e o destempero público de Janja insuflam o clima de tensão no país 


Há dois anos virou rotina no Brasil: nos momentos mais críticos para o presidente Lula da Silva e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), uma cortina de fumaça se forma em Brasília e inunda as manchetes da velha imprensa. Quase sempre, esses escândalos de festim remetem ao tumulto ocorrido no dia 8 de janeiro de 2023, uma página que o consórcio de poder se recusa a virar. Esse roteiro foi construído por meio de operações da Polícia Federal para prender envolvidos num golpe de Estado que não aconteceu depois das eleições de 2022. Quando não terminam em pessoas algemadas, dezenas de celulares e computadores são apreendidos e vasculhados pela polícia. 

Depois, surgem acusações de que essas pessoas preparavam uma trama cinematográfica, com envenenamento, sequestro, explosões e enforcamento de autoridades em praça pública — o que tampouco aconteceu. As ações policiais são usadas à exaustão pela mídia tradicional, propagadora da tese de que o Brasil segue exposto ao risco de um golpe ou do assassinato do presidente da República e do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Mais: as redações não só divulgam essas notícias sem questionar, como seus comentaristas não se conformam com a ideia de, depois de dois anos, não ter sido encontrada a prova de que Jair Bolsonaro estava por trás de uma conspiração para seguir no poder, e não aceitam o fato de ele não ter sido preso até agora.

\

Reprodução

Reprodução

Duas mortes, de fato, aconteceram desde o dia 8 de janeiro de 2023. Cleriston Pereira da Cunha, o Clezão, de 46 anos, morreu no pátio do presídio da Papuda, em Brasília, porque Alexandre de Moraes não atendeu aos apelos da defesa para que fosse realizado tratamento 22/11/2024, 10:47 Eles não querem a paz - Revista Oeste https://revistaoeste.com/revista/edicao-244/eles-nao-querem-a-paz/ 3/14 médico — mesmo com parecer favorável do Ministério Público Federal. Clezão estava no meio da baderna no dia 8 de janeiro. 

O outro morto foi o chaveiro Francisco Wanderley Luiz, o Tiu França, de 59 anos, que se suicidou depois de arremessar fogos de artifício contra a estátua de pedra que fica em frente ao prédio do Supremo. Com problemas emocionais agudos, ele protestava nas redes sociais contra os presidentes Lula, Bolsonaro, Fernando Henrique Cardoso, José Sarney e o jornalista William Bonner, da TV Globo. 

A morte na Praça dos Três Poderes acabou revelando que naquela quarta-feira 13 acontecia, no mesmo horário, uma reunião secreta em Brasília. Sentaram-se à mesa Lula, os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Cristiano Zanin, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e o diretor da Polícia Federal, Andrei Rodrigues. Nenhum deles informou na agenda oficial que o encontro ocorreria. Ou seja, não fosse a tragédia, o brasileiro nunca saberia dessa reunião. O Partido Novo apresentou requerimentos à Casa Civil e busca outros meios para que a reunião sigilosa seja justificada. “É inadmissível que em um Estado de Direito um conluio entre lideranças institucionais seja usado para perseguir adversários políticos”, afirmou o deputado Marcel van Hattem (RS). 

Se o que foi debatido ali é um mistério, um fato ocorreu no dia seguinte: Alexandre de Moraes autorizou a Polícia Federal a prender quatro militares e um oficial da própria PF.


Reprodução

Na quinta-feira, 21, a Polícia Federal indiciou Jair Bolsonaro e mais 36 pessoas por três crimes: tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa. O documento tem quase 900 páginas e narra o que teria sido uma conspiração nacional, incluindo os assassinatos de Lula e Moraes. A ação teria sido abortada na última hora. 

Cabe à Procuradoria-Geral da República apresentar ou descartar uma denúncia formal ao Supremo. É a primeira vez desde a redemocratização que um presidente eleito enfrenta uma situação desse tipo. “O ministro Alexandre de Moraes conduz todo o inquérito, ajusta depoimentos, prende sem denúncia, faz pesca probatória e tem uma assessoria bastante criativa. Faz tudo o que não diz a lei”, afirmou Bolsonaro em sua conta no X/Twitter. 

“Não posso esperar nada de uma equipe que usa a criatividade para me denunciar.” 

Prisão de militares  

Aos fatos: a mais recente operação policial ocorreu na terça-feira, 19. A PF disse que o país esteve prestes a ser atacado por um grupo composto de cinco homens, sem nenhum apoio dentro de quartéis ou de facções paramilitares. Nesse plano, o brasileiro ainda descobriu que esse grupo seria especialista em operações complexas do Exército — apelidados de “kids pretos”, de Goiânia. Eles tinham um grupo de conversas no celular chamado “Copa 2022” e se tratavam por codinomes de países: Alemanha, Gana, Brasil, Áustria, Argentina e Japão, como na famosa série da Netflix La Casa de Papel. Mais uma vez, as provas da conspiração são diálogos trocados em grupos de WhatsApp e outros aplicativos, nos quais Lula e o vicepresidente, Geraldo Alckmin, eram tratados como “Jeca e Joca”. 

Os dois e o ministro Alexandre de Moraes seriam “neutralizados”. O que aconteceria depois desses assassinatos em série num território com 8,5 milhões de quilômetros quadrados? Ninguém falou sobre isso. O grupo não tinha líderes — mas há um esforço midiático para tentar colar que Jair Bolsonaro, no mínimo, “sabia de tudo”.

Há menções nos relatórios da Polícia Federal ao tenente-coronel Mauro Cid, ex-auxiliar de Jair Bolsonaro, e ao general Walter Braga Netto, que concorreu a vice na chapa presidencial. Mauro Cid passou períodos preso, assinou um acordo de delação e tem de prestar depoimentos com frequência. Braga Netto teria se encontrado com o grupo. A peça central para a PF é o general da reserva Mário Fernandes, preso nesta semana. Os detalhes do plano — batizado de Punhal Verde e Amarelo — foram achados no seu celular. 

O custo seria de R$ 100 mil. Detalhe: o plano, ou minuta de golpe, foi impresso. Quem imprimiria um plano de assassinato ou redigiria uma minuta de golpe de Estado e depois usaria uma impressora dentro do Palácio do Planalto, como se fosse um procedimento de escritório? Como ocorre com quase todos os inquéritos em curso no Brasil, Alexandre de Moraes vai cuidar do caso. Assumiu o papel de vítima, investigador e juiz, um modelo que não existe em nenhuma outra instância do Judiciário. Uma reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que Moraes fez referência a ele mesmo 44 vezes no despacho que trata da operação da PF. A manchete do jornal diz exatamente assim: “Moraes cita Moraes 44 vezes”. 

De acordo com o ministro, a trama tinha características de “terrorismo”, com forte aparato bélico e apoio de veículos militares — embora a única referência feita sobre rodas seja o deslocamento de um Fiat Palio, de Brasília a Goiânia, no dia 15 de novembro de 2022. O site Metrópoles disse que uma das razões para o fracasso do plano foi que um dos militares “kids pretos” não conseguiu pegar um táxi para chegar ao destino. 

“A fase de cogitação de um crime não é punida em nenhuma hipótese, seja lá qual for ele”, afirmou o jurista Fabricio Rabelo. “Assim, se alguém pensa em matar outra pessoa, por exemplo, e nada faz para colocar em prática seus pensamentos, a ele não é possível aplicar nenhuma punição. Se a hipótese de suspeita de crime envolve homicídio, a pretensa vítima jamais pode figurar como juiz do caso.” 








Janaína Paschoal - As notícias estão surreais! Os jornalistas falando que tentaram matar o Lula, mas desistiram. Pelo amor de Deus! Será que esses veículos não têm uma assessoria jurídica para evitar passar vergonha?! Os líderes mundiais não devem estar entendendo nada. Não houve tentativa! 

Parceiro Moraes 

Toda essa operação mirabolante ocorreu na esteira da maior grosseria diplomática cometida até agora. Os insultos de Janja da Silva contra Elon Musk correram o mundo. Na mesma fala, ela ainda chamou Alexandre de Moraes de “parceiro” de trincheira política. O artigo 2º da Constituição determina a independência entre os Poderes da República, mas isso é tratado como coisa do passado pelo STF. Ocorre que há uma afinação entre o que Lula e Janja dizem — sem o uso de palavrões e baixarias — com os discursos de Moraes, do decano Janaina Paschoal @JanainaDoBrasil · Seguir As notícias estão surreais! Os jornalistas falando que tentaram matar o Lula, mas desistiram. Pelo amor de Deus! 

Será que esses veículos não têm uma assessoria jurídica para evitar passar vergonha?! Os líderes mundiais não devem estar entendendo nada. Não houve tentativa! Para… Gilmar Mendes e do presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, entre outros. Seguem as transcrições das falas recentes dos ministros sobre o homem que se suicidou com fogos de artifício em frente ao Supremo. 

1. “É um contexto que se iniciou lá atrás, quando o famoso ‘gabinete do ódio’ começou a destilar discurso de ódio contra as instituições, contra o STF principalmente, contra a autonomia do Judiciário e contra os ministros e familiares de cada um.” (Alexandre de Moraes) 

2. “Muito embora o extremismo e a intolerância tenham atingido o paroxismo em 8 de janeiro de 2023, a ideologia rasteira que inspirou a tentativa de golpe de Estado não surgiu subitamente (…) O discurso de ódio, o fanatismo político e a indústria de desinformação foram largamente estimulados pelo governo anterior.” (Gilmar Mendes) 

3. “Algumas pessoas foram da indignação à pena, procurando naturalizar o absurdo. Não veem que dão um incentivo para que o mesmo tipo de comportamento ocorra outras vezes. Querem perdoar sem antes sequer condenar.” (Luís Roberto Barroso) 

4. “O ataque não é ao edifício do STF. O ataque é contra a legalidade, contra a Constituição. Ontem, um cidadão disse: ‘Minha solidariedade, eu sou de direita’. Eu disse: ‘E daí? O senhor tem mão esquerda e perna esquerda, o senhor é algo a mais do que uma posição política partidária’.” (Flávio Dino)

No mesmo dia, Jair Bolsonaro deu declarações completamente opostas e usou a palavra “pacificação” depois da tragédia. Ele escreveu no X: “As instituições têm papel fundamental na construção desse diálogo e desse ambiente de união. Por isso, apelo a todas as correntes políticas e aos líderes das instituições nacionais para que, neste momento de tragédia, deem os passos necessários para avançar na pacificação nacional. Quem vai ganhar com isso não será um ou outro partido, líder ou facção política. Vai ser o Brasil”. 

Não resta dúvida de que Jair Bolsonaro sempre foi o alvo final dos inquéritos no Supremo. Porém, como escreveu J.R. Guzzo em artigo publicado nesta semana no jornal O Estado de S. Paulo, “a incompetência das investigações chega ao ponto de trabalharem num caso durante dois anos e não levantarem prova alguma que fique de pé? 

Não há nada, pelo menos, que o STF tenha considerado suficiente até agora para prender Bolsonaro. Caso contrário, é óbvio que ele estaria na cadeia”. Fato é que, depois de anos de perseguições, prisões e multas, nem os advogados sabem mais quantos inquéritos seguem abertos, quem ainda é investigado e desde quando. Tampouco é possível afirmar o que pode ter sido real ou pura fantasia nos planos secretos apontados pela Polícia Federal para matar autoridades — o mais plausível seria acreditar que se trata de diálogos amalucados. Mas está claro quem não quer a pacificação — e a quem interessa que o país não saia do dia 8 de janeiro de 2023. 

 

Sílvio Navarro - Revista Oeste