Ronaldo Caiado recebe visita do então presidente Jair Bolsonaro (3/6/2019) | Foto: Cristiano Borges/Flickr Ronaldo Caiado
Só candidatos a porta-voz da tribo dos rancorosos estimulam o duelo entre Bolsonaro e Caiado
F era respeitada por candidatos a quaisquer cargos — vereador, prefeito, governador, deputado, senador ou presidente da República. Anunciado o resultado, os derrotados iam embora em companhia de cabos eleitorais graduados. Durante dez dias, do começo da manhã ao fim da tarde, lidavam em silêncio com varas, anzóis, iscas e peixes. Só à noite conversavam em voz baixa sobre a campanha, já em busca de caminhos que garantissem a desforra na próxima. Os vencedores se esbaldavam no comício da vitória, prolongavam a celebração madrugando nos bares por uma semana, não perdiam tempo com provocações aos adversários. Estavam alegres demais para retomar o duelo. Foi assim até o nascimento, em 1980, do Partido dos Trabalhadores. Meia dúzia de eleições bastaram para ficar claro que o PT não sabia perder.
O dia da posse nem chegara ao fim e a “militância” já exigia nas ruas que o inimigo vitorioso caísse fora do cargo que acabara de assumir. Quando o partido começou a vencer eleições, descobriu-se que surgira no Brasil a única torcida do mundo que, além de não saber perder, também não sabia ganhar. Em vez de comemorar o próprio triunfo, o petista-padrão prefere celebrar o insucesso dos outros. Em vez de sorrir, arma a carranca para perseguir nas ruas ou na internet os que ousaram contrariar a vontade do chefão da seita. Algum defeito de fabricação proíbe a companheirada de ser feliz. Se o ressentimento predomina até no comício da vitória, pode-se imaginar como anda o clima entre sacerdotes e devotos da seita que tem num ex-presidiário seu único deus.
Os fatos berram que, nas eleições municipais deste ano, o desempenho do PT foi coisa de partido nanico. Como resumiu o ministro Alexandre Padilha, o time da estrela vermelha continua na zona de rebaixamento (constatação que lhe valeu a imediata transferência para o gueto dos traidores). Mais esperto, o ministro Paulo Pimenta fingiu não ter visto naufrágios ocorridos a um palmo do nariz. Não deu um pio sobre o fiasco em Santa Maria, onde nasceu, nem comentou a performance indigente da deputada Maria do Rosário em Porto Alegre.
Muito mais relevante teria sido “a derrota sofrida por mais de 20 golpistas presos em 8 de janeiro de 2023 que se candidataram neste ano”. O ex-interventor para enchentes e inundações em território gaúcho não revelou os nomes dos candidatos, as cidades em que concorreram nem os cargos que disputaram. Como informa a capa desta edição, a cara do Brasil foi redesenhada pelo esmagador predomínio das vertentes que compõem a direita. Até a véspera da votação, o jornalismo estatizado a serviço do consórcio no poder não conseguia enxergar matizes: só existia a extrema direita, composta por todos os que se negam a votar em Lula.
Confrontados com as dimensões siderais da surra imposta a candidatos esquerdistas, a imprensa velha ressuscitou duas vertentes banidas do noticiário — “centro-direita” e “direita” — para que dividissem a vitória com os extremistas subordinados a Jair Bolsonaro. Único político nativo aplaudido por multidões em todos os lugares que visita, o expresidente está proibido pelo Supremo Tribunal Federal de vencer eleições. Além do mais, miaram as primeiras páginas, “a direita está rachada”.
Nunca foi tão claro o recado emitido pela apuração dos votos: a imensa maioria dos brasileiros é conservadora nos costumes, liberal no campo da política e em questões econômicas, apoia a democracia genuína, ama a liberdade, despreza corruptos de fina estampa, rejeita o governo Lula e as ideias de uma esquerda jurássica, reprova o comportamento do Supremo Tribunal Federal, clama pela volta do país à normalidade e espera que os eleitos saibam respeitar a vontade dos eleitores. Nunca foi tão fácil fazer a escolha certa na encruzilhada. Os integrantes da oposição precisam superar divergências secundárias para juntar-se na luta pelo resgate da Constituição e pela decretação da anistia que resultará na libertação dos presos políticos, no regresso dos exilados e na remoção de outros tumores produzidos pela ditadura do Judiciário.
Essa é a briga certa.
Errada é a troca de pancadas retóricas entre Jair Bolsonaro e Ronaldo Caiado. Bolsonaro é o maior líder popular do país e candidato natural à Presidência da República. Mas o STF confiscou arbitrariamente seus direitos políticos, e é possível que a obscenidade jurídica esteja em vigor quando começar a campanha eleitoral de 2026. O PT foi reduzido ao lulismo — e populistas ególatras como o atual presidente não admitem a existência de possíveis opções, nem permitem a ascensão de alguém capaz de substituí-los.
Em 1989, Caiado foi o único declaradamente direitista na extensa lista de inscritos na primeira disputa pela Presidência ocorrida com o fim do regime militar. Bolsonaro foi o primeiro político de direita a alcançar o Palácio do Planalto. Neste fim de outubro, o ex-presidente mostrou que é o mais musculoso dos políticos brasileiros. A vitória do candidato a prefeito da capital apoiado por Caiado mostrou que o eleitorado gosta do que fez no governo de Goiás,.
Até recentemente, apresentar-se como direitista era um ato de coragem, demonstração de bravura, ousadia perigosa ou coisa parecida. Bolsonaro e Caiado ajudaram a transformar em trunfo o que parecia condenação ao fracasso. Sim, há diferenças entre ambos, mas nenhuma delas parece incontornável. Neste momento, essa espécie de confronto só interessa aos comentaristas da GloboNews, ansiosos por pretextos que justifiquem a inclusão na tela da tarja que mais apreciam: “RACHA NA DIREITA”. Toda briga entre os vencedores de 2024 é errada. Só faz sentido para candidatos a porta-voz da tribo dos rancorosos.
Augusto Nunes, Revista Oeste