Kamala Harris, em discurso no National Mall, uma semana antes da eleição presidencial dos EUA, em Washington (29/10/2024) | Foto: Reuters/Hannah McKay
Trump voltou como uma das figuras mais triunfantes da história presidencial dos Estados Unidos
Na noite da última terça-feira, 5 de novembro, durante a transmissão do resultado da eleição presidencial americana de 2024, o âncora da Fox News Bret Baier caracterizou o retorno de Donald Trump à Casa Branca como “provavelmente a maior fênix saída das cinzas que já vimos na história da política”. Apesar de os democratas terem feito tudo ao seu alcance para frustrar seu retorno — impeachment, campanhas difamatórias, processos para a sua falência, condenações criminais e até duas tentativas de assassinato —,Trump voltou como uma das figuras mais triunfantes da história presidencial dos Estados Unidos da América. O 45º presidente americano não apenas sobreviveu às campanhas da oposição e saiu com uma vitória esmagadora, como também conquistou o Senado (ainda com a possibilidade de conquistar a Casa dos Representantes), concedendo à sua administração o poder de aprovar vários nomes para o seu governo, ampliando o domínio político em seu histórico retorno e recuperando a autoridade moral sobre uma nação dividida.
Trump venceu representando a mais ampla tenda multirracial, religiosa e econômica que o Partido Republicano e a América viram em décadas. Ele quase dobrou sua parcela do voto negro, dominou com eleitores do sexo masculino, conquistou mais hispânicos, trouxe os votos dos independentes, foi o nome escolhido da vasta maioria cristã, cresceu significativamente entre judeus e até muçulmanos. Trump também estabeleceu um feito inédito — pela primeira vez na história, comunidades inteiras do povo Amish, conhecido por seus costumes conservadores, como o uso restrito de equipamentos eletrônicos, inclusive telefones e automóveis, saíram de suas vilas e cidades para votar em seu nome para presidente.
O agora eleito 47º presidente dos EUA, ele superou as marcações históricas e se tornou o primeiro republicano a ganhar o voto popular desde 2004, e com uma folgada margem de mais de 5 milhões de votos. A coalizão construída por Trump saiu vitoriosa como um movimento bipartidário colossal unido pela liberdade de expressão sobre a censura, integridade administrativa sobre a corrupção em Washington, e uma tolerância autêntica que os americanos evidentemente começaram a finalmente reconhecer. Tal reconhecimento, no entanto, levou muito tempo para se materializar.
A acachapante vitória de Trump através de tamanha diversidade no eleitorado pode ser facilmente creditada à exaustão absoluta do povo americano diante da bizarra e antiamericana agenda woke do Partido Democrata nos últimos anos. A retumbante resposta de um tsunami vermelho (cor do Partido Republicano) não apenas derrubou e venceu a muralha azul (cor do Partido Democrata) nos estados-pêndulo no Cinturão da Ferrugem, mas estabeleceu o mais sonoro recado ao partido de Kamala Harris: homens não são mulheres e não podem usar o banheiro feminino ou praticar esporte com garotas; policiais são bons, criminosos são maus e não são vítimas da sociedade; controle a inflação e mantenha a economia próspera; deixem-nos em paz para produzir; proteja nossas fronteiras; e, jamais, encostem a mão em nossas crianças para doutriná-las ou mutilá-las como produto de uma agenda grotesca.
A resposta incontestável dos americanos foi clara: basta! Vocês abusaram de nossa boa vontade e tolerância, ignoraram todas as classes trabalhadoras e honestas que irrigam as engrenagens do país — estamos rejeitando sua agenda de doutrinação, cancelamento, escravidão ideológica, divisão e sofrimento econômico. Não somos racistas, fascistas, nem deploráveis e muito menos lixo. Somos os Estados Unidos da América, uma nação que é próspera porque é livre e trabalhadora.
E essa união foi como um déjà vu para os americanos. A campanha de Donald Trump reacendeu de muitas maneiras o espírito da visão de Ronald Reagan nos anos 1980, conectando-se com americanos que se sentiam invisíveis, não representados e deixados para trás. Quando Trump declarou “Make america great again”, ele não estava apenas ecoando o “Let’s make america great again” da campanha de Reagan — ele estava reacendendo uma esperança que já havia inspirado milhões na época de Reagan. Como Reagan, Trump explorou um senso de nostalgia, uma América idealizada que trabalhava para seus cidadãos, lutava por sua prosperidade e se mantinha orgulhosa e forte no cenário mundial. Para muitos americanos, esse chamado para restaurar a grandeza atingiu um acorde profundamente pessoal. Não se tratava apenas de política; era sobre uma promessa de trazer a América de volta às suas raízes, de reconstruir um país que cuidasse de si mesmo.
Trump, como Reagan, baseou-se fortemente na crença de que os trabalhadores americanos — os homens e mulheres que constroem, produzem e cultivam em todo o país — são o coração da nação, e não a elite de Washington na cama com os globalistas. Reagan alcançou os eleitores da classe trabalhadora que estavam desiludidos com a mudança do Partido Democrata para a esquerda na década de 1980, e Trump encontrou o mesmo poço profundo de frustração e esperança em 2016, fazendo a mesma conexão novamente agora em 2024 depois da caótica administração Biden/Harris. As pessoas em cidades industriais, comunidades rurais e regiões esquecidas sentiam que tinham sido deixadas para se defenderem sozinhas. A voz de Trump, assim como a de Reagan, foi uma promessa de lutar por elas, restaurar os empregos que haviam sido perdidos para a globalização e trazer de volta as indústrias que antes impulsionaram suas comunidades.
Quando Reagan fez campanha em 1980, ele falava em cortar impostos, reverter regulamentações excessivas e capacitar pequenas empresas, desencadeando um crescimento econômico que muitos creditam à revitalização da classe média americana nas décadas seguintes ao seu governo. Trump assumiu esse manto décadas depois, cortando impostos e revertendo regulamentações para estimular o crescimento do emprego. Mas sua mensagem foi além dos pontos políticos — foi um grito de guerra para os americanos que viram fábricas fecharem, empregos serem enviados para o exterior e salários estagnarem. As políticas comerciais de Trump, especialmente sua postura dura em relação à China e a renegociação do Nafta, foram motivadas por um compromisso profundamente pessoal de trazer empregos de volta para casa. Ele falou diretamente aos americanos no Cinturão da Ferrugem (Rust Belt), aos mineradores de carvão, siderúrgicos e fazendeiros, prometendo não apenas uma recuperação econômica, mas uma restauração da dignidade, orgulho e propósito.
Na política externa, tanto Reagan quanto Trump projetaram uma sensação de poder e proteção. A doutrina de “Paz através da força” (“Peace through strength”) de Reagan guiou sua abordagem à União Soviética, e sua visão de uma América robusta e invencível tocou um acorde em um país cansado das ansiedades da guerra fria. Trump prometeu similarmente colocar a América em primeiro lugar — uma postura sem remorso que priorizou a segurança nacional e a soberania da nação. Sua mensagem foi de desafio: ele não deixaria que se aproveitassem da América no cenário global. Sua postura em relação à força militar e à renegociação comercial, especialmente com a China, falou a um público que viu suas comunidades sofrerem à medida que a concorrência estrangeira crescia de maneira descontrolada e sem benefícios para o país.
Ambos os líderes redefiniram o Partido Republicano, diminuindo a divisão entre os conservadores tradicionais e os americanos da classe trabalhadora que se sentiam deixados para trás. Reagan teve seus “democratas Reagan”, e Trump construiu seus “homens e mulheres esquecidos”. Ambos criaram uma mensagem que transcendeu o partidarismo, unindo americanos de todas as origens com um chamado para resgatar o sonho americano. Para muitos, a campanha de Trump não foi apenas sobre política, mas um movimento, um renascimento da fé em um país em que acreditam profundamente. Reagan certa vez chamou a América de “cidade brilhante em uma colina”, e Trump explorou essa mesma visão — uma promessa de que os melhores dias da América ainda estão por vir.
Uma frase-chave que capturou a essência do apelo de Ronald Reagan aos americanos para a eleição de seu primeiro mandato foi sua pergunta simples, mas poderosa: “Você está melhor do que há quatro anos?” (“Are you better of than four year ago?”). Essa frase ia direto ao cerne de como os americanos se sentiam em sua vida diária. Era mais do que apenas uma pergunta — era um lembrete de que a liderança deveria melhorar vidas, que as promessas feitas ao povo devem se traduzir em benefícios reais e tangíveis. Para Reagan, foi um chamado claro para olhar honestamente para a direção do país e decidir se a mudança era necessária.
Donald Trump reviveu essa frase em praticamente todos os comícios neste ano, pedindo aos americanos que olhassem ao redor e questionassem se as promessas dos líderes anteriores haviam se concretizado. No mesmo espírito de Reagan, Trump falou diretamente aos americanos, especialmente aqueles em cidades e comunidades que tinham visto dias melhores. Quando Trump fez uma pergunta semelhante, não foi apenas retórica — foi um desafio ao status quo político que muitos sentiam que os havia ignorado por muito tempo. Trump bebeu nas boas páginas de Reagan e apelou para aqueles que sentiam que seus meios de subsistência haviam sido sacrificados por acordos comerciais, regulamentações ambientais e políticas que pareciam beneficiar a todos, menos a eles.
Para Reagan, a mensagem “Você está melhor?” enfatizou uma ruptura clara com o passado e uma visão de renovação. Trump a usou de forma semelhante, pedindo uma reavaliação das promessas feitas por Biden e Harris. Ambos os líderes exploraram um profundo senso de frustração, mas ofereceram uma visão de esperança — uma América onde as vidas, empregos e comunidades das pessoas seriam restaurados. Não se tratava apenas de números econômicos; tratavase de se os americanos poderiam sentir orgulho, segurança, oportunidade em sua própria vida e autonomia sobre suas escolhas.
Ao fazer essa pergunta, Trump, como Reagan, forjou uma conexão emocional com o povo americano. Ambos desafiaram os cidadãos a responsabilizar seus líderes e os lembraram de seu poder de exigir melhor. Para milhões, esse chamado à ação foi profundamente pessoal e simbolizou uma crença renovada de que o governo poderia — e deveria — servir aos melhores interesses do povo.
Outra famosa frase de Ronald Reagan, “Eu não deixei o Partido Democrata, o Partido Democrata me deixou”, tornou-se um símbolo de uma mudança ideológica importante na política americana nos anos 1960 e também voltou ao cenário político americano em 2024.
Originalmente um democrata convicto, Reagan acreditava na defesa dos direitos da classe trabalhadora e no compromisso do partido com a reforma econômica. No entanto, em 1962, ele sentiu que o Partido Democrata havia se afastado de seus valores tradicionais, inclinandose para o que ele considerava uma dependência excessiva da intervenção do governo, programas sociais expansivos e uma postura menos firme em defesa das liberdades individuais. Ele a repetiu com frequência em discursos para enfatizar sua crença de que o Partido Democrata havia se inclinado para uma ideologia progressista mais à esquerda, que não mais ressoava com americanos que valorizavam um governo limitado e a responsabilidade individual. Mais de 60 anos depois, a mesma frase seria dita por Robert Kennedy Jr. e Tulsi Gabbard, ex-democratas e ex-adversários de Trump, e que agora fazem parte da equipe de transição do republicano para o novo governo.
A saída de Reagan do Partido Democrata não apenas marcou sua própria mudança ideológica, mas também simbolizou um realinhamento na política americana em que um número significativo de democratas moderados e conservadores começou a abraçar os princípios republicanos. Essa mudança abriu caminho para o movimento conservador que moldou a política americana nas décadas seguintes, consolidando o legado de Reagan como uma figura transformadora no cenário ideológico dos dois principais partidos.
E, por mais que os críticos de Donald Trump sigam exagerando e mentindo nas afirmações e avaliações sobre suas propostas e realizações, o fato é que seu movimento “MAGA” estabelece um verdadeiro realinhamento com o antigo Partido Republicano que também construiu uma grande coalizão e que mostrou o poder de uma nação unida na defesa de seus princípios inegociáveis. Não por acaso, ao redigirem a Constituição Americana, os Pais Fundadores fizeram questão de iniciá-la com as famosas e substanciais palavras: “WE THE PEOPLE” — símbolo máximo de que quem faz e sustenta a América é o povo, e não o governo.
A eleição de Donald Trump nesta semana vai muito além da política — foi a liberdade vencendo a insanidade.
God bless America.
Ana Paula Henkel, Revista Oeste