sexta-feira, 16 de abril de 2021

"O que é preciso lembrar para vencer uma guerra de narrativas", escreve Henrique Inácio Weizenmann

 


Todo o jornalismo possui um grau de edição: escolhe-se quais fatos serão transformados em notícias. Ou seja, é função jornalística escolher quais matérias serão publicadas e quais não serão publicadas. Geralmente, chama-se isso de gatekeeping, algo que se pode traduzir como “guardiões dos portões” ou “porteiros”.

Disso surge a capacidade de agendamento da mídia: ela é capaz de agendar o debate público a partir dos temas que ajuda a por em circulação. Um segundo nível de agendamento é como os jornalistas tratam determinado assunto.

Os temas que os jornalistas escolhem, a forma como tratam do assunto e quem entrevistam são elementos que compõem uma narrativa. Assim, é possível mentir simplesmente ocultando dados de uma narrativa para torná-la mais ou menos favorável a determinada causa.

Em outras palavras: é possível mentir falando a verdade. É possível mentir só falando a verdade.

Não se pode acusar, por isso, os jornalistas de serem canalhas. Há limitação de tempo e espaço para as notícias e, portanto, é preciso um filtro, uma edição do que será ou não dito. Sempre haverá mais pautas do que aquelas que um jornalista é capaz de cobrir. Mesmo o melhor jornalista em algum momento (ou vários) deixará de falar de algo importante.

Há um contrato mais ou menos tácito entre o público e os jornalistas que ele acompanha, onde o público acredita que os jornalistas falam a verdade. Não qualquer verdade, mas aquela que está entre as mais importantes, urgentes e completas de todas que podem ser ditas. Geralmente, o rompimento desse contrato por parte dos jornalistas leva aos baixos índices de audiência e a acusações de canalhice e mentira.

Em alguns casos, é só incompetência.

Um outro tema é o quanto os jornalistas podem usar do expediente de criar um estado de vigilância e ansiedade constante no público para poderem lucrar. Alguns chamam isso do expediente dos “urubus ao redor da carniça” ou pela máxima “a boa notícia é a má notícia”.

O ponto geral é que as mídias de massa permitem que se crie um estado generalizado de ansiedade por divulgarem notícias negativas às quais o público sente que precisa ficar atento. E elas podem fazer isso de propósito só para lucrarem com a audiência.

As redes sociais, em diversos sentidos, quebraram a hegemonia da grande mídia. Não quebraram de todo a hegemonia, principalmente em função da credibilidade.

A credibilidade da mídia junto às elites ainda é fundamental. E ela ainda é significativamente maior no caso da grande mídia que no caso das redes sociais.

Não só a credibilidade, mas também o poder de formação de memória.

Através das retrospectivas anuais, a mídia criou uma ferramenta para, ao final de cada ano, marcar os acontecimentos mais importantes. E, ao retomar os assuntos de anos anteriores, ela também faz esse mesmo processo de formação de memória.

Combater a grande mídia é, em suma, criar alternativas ao poder de agendamento, à credibilidade dela e ao processo de formação de memória.

Hoje, em geral, as redes sociais são pouco úteis para os dois últimos e, no caso do primeiro, ainda sofrem o problema das bolhas. Isso não implica que devem ser abandonadas, mas indique que novos fronts devem ser buscados.

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