terça-feira, 13 de abril de 2021

"A Lava Jato e o suicídio moral do Supremo"

 

Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil


Salvo alguma mudança de última hora na pauta do plenário, ou se os ministros dedicarem toda a tarde ao tema da CPI da Covid-19, o Supremo Tribunal Federal inicia nesta quarta-feira uma discussão crucial para o futuro da Operação Lava Jato. 

O plenário decidirá se mantém ou derruba a liminar do ministro Edson Fachin que, no início de março, anulou todos os processos contra o ex-presidente Lula na 13.ª Vara Federal de Curitiba, alegando que as ações deveriam ter sido julgadas em Brasília, e não na capital paranaense.

A decisão de Fachin negou toda a jurisprudência construída, afirmada e reafirmada, inclusive no Supremo, em torno da competência da 13.ª Vara. Por mais que também se possa enxergá-la como uma tentativa de salvar o que fosse possível da Lava Jato na iminência de decisões ainda piores, não deixou de ser um erro, e o maior dos golpes até então sofridos pela operação no STF. 

Mas este duvidoso título durou apenas algumas poucas semanas, pois no fim do mês passado a Segunda Turma da corte cometeu um absurdo ainda maior ao decidir pela suspeição do ex-juiz Sergio Moro, considerado parcial em sua atuação no processo do tríplex do Guarujá. \

Uma verdadeira monstruosidade jurídica, pois tal decisão se deu durante análise de um habeas corpus que tinha perdido seu objeto – ou seja, era nulo – depois que as ações contra Lula haviam sido anuladas por Fachin; além disso, a sessão ficou marcada pela também inexplicável reversão do voto de Cármen Lúcia, que em dezembro de 2018 havia votado contra a suspeição, mas mudou de ideia alegando “novos elementos” que já eram de conhecimento público quando ela havia proferido seu voto original. \

Foi graças a essa reversão que se formou maioria de 3 votos a 2 para declarar Moro suspeito.


Reverter tanto a liminar de Fachin sobre a incompetência da 13.º Vara Federal de Curitiba quanto a decisão da Segunda Turma sobre a suspeição de Sergio Moro é a única coisa certa a se fazer, embora seja algo improvável


O Supremo tem cometido equívocos gravíssimos em muitos campos, mas no tema do combate à corrupção podemos afirmar, com toda a certeza, que absolutamente nada em sua história mais que centenária se compara ao que o Brasil viu neste mês de março. 

Sete anos de trabalho incessante para desvendar o maior esquema de corrupção da história do país foram colocados a perder – pois, bem sabemos, ainda que as decisões tratem apenas de processos contra o ex-presidente Lula, se forem mantidas elas servirão de precedente para muitos outros pedidos de anulação. 

Isso se evidências imprestáveis não acabarem servindo para responsabilizar criminalmente os responsáveis pela Lava Jato – falamos, é claro, das supostas conversas que, mesmo obtidas por meio de crime e sem autenticidade comprovada, são usadas por ministros como Gilmar Mendes, que, de forma cínica, as chamam de “desnecessárias”, mas não perdem uma chance de citá-las fartamente nos julgamentos.

A corte teria a chance de remediar todo o estrago recente feito no combate à corrupção caso o plenário revertesse tanto a liminar de Fachin sobre a incompetência da 13.º Vara Federal de Curitiba quanto a decisão da Segunda Turma sobre a suspeição de Sergio Moro. Não há a menor dúvida de que esta é a coisa certa a se fazer, e não há nenhuma outra possibilidade que possamos considerar decente – qualquer outra solução é errada, injusta, absurda, variando apenas o grau de teratologia. \

No entanto, trata-se de possibilidade tão acertada quanto improvável, pois isso exigiria que o plenário derrubasse a liminar de Fachin e, separadamente, aceitasse julgar a suspeição de Moro, negando o habeas corpus da defesa de Lula. No entanto, os precedentes do STF tornam muito difícil que o plenário reexamine algo que já foi decidido por uma turma da corte. 

A única chance real de se anular a mais grave das injustiças, a suspeição de Moro, seria a manutenção da liminar de Fachin acompanhada da declaração da perda de objeto do habeas corpus que levou à suspeição, embora seja impossível considerar minimamente satisfatório um desfecho que anula todas as decisões proferidas em Curitiba.

Em resumo, o STF decide nesta quarta-feira se aprofunda o suicídio moral que vem cometendo há meses, levando consigo o bom combate à corrupção. A corte se afundou em uma sequência de casuísmos, formalismos, inexplicáveis reversões de voto, e na criação de um clima de perseguição contra Moro e a força-tarefa da Lava Jato, em que vale até mesmo usar evidências sem valor jurídico e julgar recursos nulos. 

Se o fazem intencionalmente ou não, pouco importa: fato é que os ministros vêm dando aula após aula de lawfare, usando (ou torcendo) leis, regimentos e precedentes para minar completamente qualquer esperança de vitória no combate à corrupção, passado, presente e futuro.


Gazeta do Povo