Crescimento do consumo, safra recorde do agro, mercado imobiliário e bolsa de valores demonstram consistência da recuperação da economia
Aeconomia brasileira apresenta sinais consistentes de recuperação. Depois de impactados pela pandemia de covid-19, diversos setores voltam a registrar crescimento. É o caso de áreas como agronegócio, mercado imobiliário, varejo, comércio eletrônico, indústria automotiva e bolsa de valores. Segundo o monitor divulgado pela Fundação Getulio Vargas na última semana, o Produto Interno Bruto do país avançou 7,5% no terceiro trimestre de 2020, ante uma queda de 9% no segundo trimestre.
O consumo, as perspectivas da indústria, o volume de fusões e aquisições e o humor geral dos empresários indicam a retomada em V não como miragem, mas uma realidade tangível.
Parte da recuperação deve-se ao auxílio emergencial, que injetou R$ 250 bilhões na economia e produziu um crescimento imediato do consumo de alimentos e de material de construção. Os preços aumentaram, em razão da demanda, e a inflação acumulada dos últimos doze meses ficou em 4,22%, um pouco acima da meta de 4%, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15). Alguns produtos subiram bem mais que isso. A carne bovina chegou a ficar 40% mais cara em certos supermercados.
Em muitos Estados, o preço do tijolo teve aumento de até 90%. Embora mereça atenção, a inflação não se encontra numa faixa que exija medidas urgentes. O fim do auxílio emergencial reduzirá a demanda e os preços naturalmente retornarão à normalidade — como ocorre em qualquer sistema de livre mercado. Ou seja: o cenário macro é positivo.
Na comparação com outros países de renda média, o Brasil não passa vexame. Em setembro, o governo da África do Sul anunciou tombo de 51% do PIB anual. O México viu sua economia fechar o segundo trimestre em -17%. No mesmo período, a queda foi de 23,9% na Índia.
O Fundo Monetário Internacional vislumbra crescimento de quase 3% do PIB em 2021
Embora os dados atuais ainda não indiquem o fim por completo da recessão, projeções demonstram entusiasmo em relação à retomada brasileira. Em relatório divulgado no início do mês, o Fundo Monetário Internacional vislumbra crescimento de quase 3% do PIB em 2021 — após estimativa de recuo próximo a 6% no consolidado deste ano, queda menor do que a prevista para a América Latina como um todo (-8%).
Na última semana, o Ministério da Economia também reviu — de forma um tanto quanto positiva — o PIB de 2020. Em vez de retração de 4,7%, agora a previsão é de -4,5%.
Setores em alta
Além do agronegócio, que não parou de crescer mesmo diante da pandemia e terá a maior produção de grãos da história — quase 270 milhões de toneladas —, o mercado imobiliário voltou a surpreender. As 14 maiores incorporadoras de capital aberto no país obtiveram, juntas, um lucro líquido de R$ 721 milhões no terceiro trimestre.
A indústria também se anima com os números positivos. Em setembro, por exemplo, o faturamento alcançou o maior nível percentual de crescimento em relação ao mês anterior: 5,2%. Isso indica retorno da confiança e dos planos de investimento na produção. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), tal patamar não era registrado desde outubro de 2015. Neste mês, a mesma CNI divulgou que:
- o Índice de Confiança do Empresário Industrial (ICEI) avançou 1,1 ponto em relação a setembro e, assim, chegou a 62,9 pontos;
- pelo quinto mês consecutivo, a atividade da indústria progrediu. Agora, a pontuação está em 58,3.
O segmento automotivo destaca-se entre os impulsionadores da indústria. De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, o setor fechou outubro com a maior produção dos últimos doze meses. Em relação a setembro, a alta foi de 7,4%. Saíram das fábricas 236,5 mil veículos no decorrer do mês passado, somando-se carros de passeio, utilitários, caminhões e ônibus. E a resposta na ponta do consumo foi rápida. As vendas estão em crescimento e o número de emplacamentos em outubro chegou a 311 mil.
Avanço do e-commerce
A crise provocada pela pandemia de covid-19 passou longe do comércio eletrônico. De acordo com levantamento da plataforma Nuvemshop, o setor fechou o primeiro semestre de 2020 com alta de 145% nas vendas. O crescimento empolga Felipe Dellacqua, sócio da Vtex, empresa de marketplace e pagamento: “Em 2019 o Brasil tinha 4% do varejo nacional on-line. A estimativa é passar dos 10% neste ano”.
Não foi surpresa, portanto, a decisão da Amazon de expandir sua operação no país. O gigante global do varejo inaugurou três centros de distribuição, chegando a oito bases no Brasil. Em funcionamento desde o início de novembro, os novos espaços estão localizados em Betim (MG), Nova Santa Rita (RS) e Santa Maria (DF) e atenderão a demandas em mais de 500 municípios. A expectativa da companhia é gerar mais de 1.500 postos de trabalho.
A criação de empregos já é realidade na indústria de eletroeletrônicos. Em julho, o setor foi responsável por 4,5 mil contratações. “Assim como vêm mostrando os demais indicadores, o nível de emprego apresenta um crescimento consistente e sugere que o pior já passou”, disse o diretor-presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, Humberto Barbato, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
No país, a perspectiva é que 2020 termine com o mesmo número de desempregados do fim de 2019, 11,6 milhões. Na prática, a quantidade de empregos ceifados em razão da pandemia terá sido recuperada — parte deles, evidentemente, em áreas diferentes daquelas que sofreram reduções.
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É da natureza da economia que, num setor em expansão, a competitividade aumente. Assim, o Mercado Livre, importante player do comércio eletrônico, busca melhorar a qualidade do serviço e entregar em até dois dias 80% dos produtos vendidos. Para isso, também investe em logística. Seu plano de expansão inclui a inauguração de cinco centros de distribuição: dois em Cajamar e um Guarulhos, no Estado de São Paulo; um em Extrema, Minas Gerais; e o outro em Governador Celso Ramos, em Santa Catarina.
Fator bolsa de valores
O vigor da retomada reflete-se na B3, a bolsa de valores brasileira. No início da pandemia, em março, a estimativa dos analistas mais otimistas era que, em dezembro, o Ibovespa chegasse aos 95 mil pontos. Em novembro, o índice deve fechar em 105 mil, e a XP Investimentos projeta 115 mil pontos para o fim do ano. Confiantes nos sinais positivos, os investidores estrangeiros já retomaram os negócios na B3, num claro sinal para o mundo de que o Brasil está numa recuperação em V.
Em outubro, eles foram responsáveis por R$ 283 bilhões em compras de ações e venderam cerca de R$ 280 bilhões, gerando um superávit de R$ 3 bilhões. Em novembro, operadores estrangeiros fizeram o maior aporte diário desde agosto de 2011. No pregão do dia 10, injetaram quase R$ 5 bilhões.
Diretor de relacionamento com clientes da B3, Rogério Santana não credita o bom momento do mercado de capitais apenas aos estrangeiros. Santana disse à Revista Oeste que são igualmente responsáveis pelo desempenho — ou até mais — os investidores pequenos e médios. Com a queda dos juros, eles passaram a buscar alternativas mais rentáveis de investimento.
Em sintonia com esse novo perfil de investidor, mais empresas começaram a enxergar a bolsa como um bom canal para se capitalizar. Constatação confirmada pelas 18 operações de IPO — estreia de uma companhia no mercado de ações — realizadas entre janeiro e setembro. Foram apenas cinco em 2019.
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“A conjuntura econômica está acelerando o processo de amadurecimento do investidor institucional, que tem olhado com mais atenção as ofertas menores e eventualmente até compõe portfólios de ações com maior diversidade de ativos. No caso da pessoa física, vemos a diversificação de investimentos, com mais disposição ao risco em busca de maior retorno”, analisa Santana. “Está se criando uma demanda para as ofertas.”
Empresas vão às compras
Não há energia expansionista numa economia paralisada. E os últimos movimentos do Magazine Luiza demonstram segurança na retomada em V. A rede varejista fez dupla aquisição. Comprou uma plataforma de mídia on-line e se tornou dona do CanalTech, site sobre tecnologia com quase 15 milhões de visitas mensais. “A união de e-commerce, conteúdo e publicidade é um negócio em expansão em todo o mundo”, enfatizou o presidente da companhia, Frederico Trajano.
De acordo com a consultoria Euromonitor, o Magazine Luiza não está sozinho na estratégia de ir às compras. O volume de fusões e aquisições deve crescer 18% em 2020 e o Brasil entrará pela primeira vez na lista dos dez países com mais negócios do gênero. Somente nos últimos meses foram anunciadas as seguintes negociações:
- Consórcio formado por Claro, TIM e Vivo comprou a unidade de telefonia móvel da Oi.
- A PagSeguro adquiriu a empresa de pagamento on-line Wirecard Brazil.
- Então concorrentes no mercado de aluguel de carros, Localiza e Unidas anunciaram fusão.
- Varejista de roupas e calçados, a Reserva vendeu 45% de suas ações para a Arezzo.
- O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) arrecadou R$ 2,5 bilhões ao se desfazer de lote de ações da Vale.
- Produtora de petróleo e gás natural, a PetroRio comprou participações em dois campos de extração do pré-sal.
Ainda não é voo de cruzeiro
Embora a segunda “perna” do V esteja em decolagem, não há garantias de voo de cruzeiro tranquilo. Setores importantes poderão mais adiante registrar retração, observa a economista Zeina Latif. “Qual será o motor da economia daqui para a frente? Aqueles de agora não estarão operando em breve. O fim do auxílio emergencial é uma decisão correta, mas não indolor a curto prazo”, escreveu Zeina, em artigo recente publicado no jornal O Estado de S. Paulo.
Segundo ela, o governo não poderá fazer muito para ajudar, caso seja necessário incentivar o consumo. “Não há espaço para estímulo fiscal tampouco para cortes de juros, pelo contrário, diante do elevado risco fiscal. A fatura chega.”
Um pen drive comprado por R$ 4 mil é um dos exemplos da “burrocracia” estatal
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A dívida pública deve atingir 96% do PIB — patamar argentino —, o serviço público segue inchado e ineficiente e o Estado continua gastando mal. Apenas como exemplo, a Controladoria-Geral da União (CGU) revelou em setembro que, somente em 2018 e 2019, o governo federal gastou quase R$ 440 milhões para adquirir serviços e produtos avaliados em R$ 155 milhões. Um pen drive comprado por R$ 4 mil é um dos exemplos da “burrocracia” estatal.
Para que a retomada seja consistente e possa assegurar um 2021 que liquide os efeitos nefastos do coronavírus na economia, o Executivo e o Congresso terão de trabalhar nas privatizações e nas reformas estruturais, a administrativa e a tributária. Paralelamente, será necessário reduzir de modo significativo a burocracia e tornar o país menos hostil ao empreendedorismo. Assim, a retomada econômica em V poderá resultar num ambiente de crescimento consistente e sustentável por vários anos.
Anderson Scardoelli, Revista Oeste