A imagem acima não parece, mas é de um comício. Foi capturada na tarde deste sábado (31/10), em Flint, no estado do Michigan. Lá no fundo, sobre um tablado negro, estava o favorito das pesquisas e dono da maior torcida do planeta, Joe Biden. E não só ele. O evento contava com a maior estrela do partido Democrata, o ex-presidente Barack Obama.
O ermo é uma evidência de como Joe não empolga. Escalado para perder a eleição – em um momento que Trump era imbatível – Biden so tornou viável com a ajuda da peste. A pandemia de coronavírus, associada às derrapadas do presidente na condução da crise, colocaram Biden bem perto da vitória. Pelo menos é o que dizem as pesquisas e jornais. E Kamala Harris saiu do banco nos minutos finais do segundo tempo para colocar a mão na taça.
E faz sentido. Muita gente não gosta de Donald Trump. Muita gente mesmo. O voto em Biden não é uma opção plena. Ele é uma espécie de antídoto contra o homem laranja. O que não deixa de ser extremamente poderoso e poder levá-lo à vitória. Mas não é o suficiente.
A imagem abaixo não parece, mas é de um comício em tempos de covid-19. Foi capturada horas depois do evento de Biden em Butler, na Pennsylvania. Sob o palco está o presidente Donald Trump. O candidato que, segundo as pesquisas de opinião, será derrotado.
Cenas tão díspares servem para dizer quem vai ou não ganhar a eleição? Evidentemente não. Da mesma forma que análises passionais também não.
1) De acordo com a Rasmussen Reports, um dos institutos mais reputados dos Estados Unidos, Trump chega para eleição com uma aprovação de 51%. O índice é mais alto desde que o vírus chinês desembarcou no país.
Quando comparado com o primeiro mandato de seu antecessor Barack Obama, que foi reeleito em 2012, a aprovação de Trump é ainda mais surpreendente. Naquele ano, Obama saiu vitorioso das urnas com uma aprovação de 49%, segundo a Rasmussen.
Antes de Obama, Bill Clinton, com 54%; e George W. Bush, com 48%, tiveram suas reeleições garantidas pelo grau de aprovação de seus governos. No sentido oposto, Bush pai fora punido em 1996, quando perdeu a reeleição. Ele tinha 36% de aprovação. A relação é direta.
2) Nas primárias de 2016, Trump era um outsider que disputou com pesos pesados do partido Republicano. Apesar disso, sua votação foi o suficiente para ganhar a nomeação que o levaria à Casa Branca. O gráfico abaixo mostra que naquele ano, os republicanos se apresentaram de forma massiva para escolher seu candidato que disputaria a eleição depois de oito anos de administração Obama. Comparado com os últimos vinte anos, a adesão republicana só foi menor que em 2008, quando o partido lutou para apresentar um candidato capaz de barrar os democratas.
O sobe e desce da curva mostra que nas disputas de reeleição, os eleitores da situação tendem a mostrar um esmorecimento na adesão às primárias. Foi assim com George W. Bush, em 2004, e Barack Obama, em 2012. O gráfico acima parece mostrar que o fenômeno se reproduziu neste ano. Parece.
Por causa da pandemia do vírus chinês, só foram realizadas primárias republicanas em apenas 33 dos 50 estados americanos e a capital Washington, D.C. Há uma lacuna que não foi preenchida.
Analisando apenas os números dos estados participantes, Trump definitivamente caiu no gosto dos eleitores do partido. As pessoas que se dispuseram a sair para participar votaram de forma quase massiva nele. Em números absolutos, ele recebeu 29% mais votos que em 2016. Dos 31,18 milhões de votos republicanos nas primárias daquele ano, 14 milhões foram para Trump. Neste ano, dos 19,2 milhões que votaram, 18,1 foram em apoio a um segundo mandato do presidente.
3) Em 2018, os institutos de pesquisas foram driblados pelos chamados “eleitores envergonhados”. Uma definição injusta e de certa forma arrogante, que sugere que o leitor que tem a opção por um candidato asqueroso ou ruim se vê intimamente constrangido a não declarar o seu voto. No caso brasileiro, o então deputado federal pelo Rio de Janeiro e ex-capitão do Exército era o perfeito candidato de dar vergonha. O tal eleitor envergonhado seria o culpado pela surpresa nas urnas.
Mas o que passa no Brasil é muito parecido com o que ocorre nos Estados Unidos. Em 2018, quem declarou voto em Jair Bolsonaro e desde então quem ousa a elogiá-lo é praticamente apedrejado em praça pública. Não precisa nem ser bolsonarista no sentido pleno da palavra. Mas qualquer traço de conexão com o presidente brasileiro é suficiente para transformar quem quer que seja na figura mais abjeta do ciclo de amigos, profissional e até mesmo familiar.
A pressão social sobre quem votou, pensa em votar ou aprova em certa medida o governo de Bolsonaro é tão atroz que quem se encontra nesta condição prefere se entocar. É a tal maioria silenciosa que Donald Trump diz, com razão, que existe e pode levá-lo à vitória.
Os eleitores que votam em Trump estão meio cansados de serem chamados de racistas, nazistas, fascistas, ignorantes, preconceituosos e obscurantistas. É o tal gado, apelido adotado no Brasil para desumanizar os bolsonaristas.
Os institutos de pesquisas podem errar novamente por essa névoa formada pelos eleitores que se cansaram de ser agredidos ou menosprezados pelos democratas. Alguns institutos já reconhecem isso. Dizem que por Trump estar indo mal nas pesquisas, os republicanos têm se sentido menos estimulados a expressar seu voto nas pesquisas. Muitos deles desligam o telefone logo depois de ouvir que se trata de uma pesquisa eleitoral.
Segundo os institutos, este é um fenômeno recorrente. Associado à uma espécie capitulação diante de uma possível vitória do adversário.
É possível. Mas não é só isso.
4) A imprensa americana entrou em parafuso com a vitória de Trump, em 2016. Ao invés de uma autocrítica por não ter sido capaz de entender o próprio país, se entrincheirou. Partiu para uma defesa da democracia que a distanciou ainda mais de sua missão e de parcela importante do eleitor/leitor que se viu ainda mais achincalhado e solitário.
A imprensa caiu na arapuca da polarização. Está dividida entre aqueles que acreditam nela ou não. E isso já não é mais jornalismo. Convicção é algo próprio de outras atividades. Em descrédito para muitos, passou a ser vista como parte do jogo político. Todos perdem com isso.
O eleitor que reelegerá Trump vai rir de tudo isso. Ele quer se vingar. Há um ressentimento profundo pela forma que é tratado. Pela forma que o país é retratado. Um país absolutamente horrível habitado por gente deplorável que vota em Donald Trump.
5) O gráfico das primárias (acima) mostra que os Democratas conseguiram o mesmo nível de participação que em 2008, quando elegerem Obama. É mais um sinal de que a participação eleitoral será igualmente ou até mais poderosa. Há um clima de “precisamos nos livrar” de Donald Trump. O ponto relevante é que a adesão massiva não significa vitória. Biden já tem a Califórnia e Nova York, por exemplo.
Se metade ou 100% dos eleitores desses estados votarem com ele, o efeito é zero. Ele terá o mesmo número de votos no computo dos colégios eleitorais. Está muito claro que os Democratas podem vencer no voto popular, mas a propalada conquista de estados como a Florida, North Carolina, Georgia não deve acontecer. Ohio, que desde os anos de 1980 tem mostrado uma tendência a repetir o comportamento eleitoral da eleição anterior deve votar por Trump.
Os republicanos apostam que conquistarão a Pennsylvania. Acontecendo isso, Trump tem mais quatro anos pela frente. O Estado virou uma questão de vida ou morte para sua campanha.
As variáveis são infinitas. As apresentadas acima não são as únicas a explicar a vitória de Trump. Também não uma resposta definitiva para o imponderável.
Paralelo 39