Como saber se um quadro é uma moderna falsificação? Testes de bombas nucleares realizados em meados do século passado podem dar uma indicação.
Há anos, os cientistas vêm aperfeiçoando algumas técnicas para determinar a idade de um quadro usando a datação por radiocarbono e os efeitos prolongados dos testes. Agora, uma equipe de pesquisadores acaba de datar uma dessas obras de arte usando uma amostra da pintura do tamanho de uma semente de papoula, diz um estudo publicado no dia 1º de junho na revista The Proceedings of the National Academy of Sciences, dos Estados Unidos.
Criada nos anos 1940, a datação por radiocarbono permite aos cientistas estabelecer a idade de uma ampla variedade de materiais, inclusive fósseis e pinturas rupestres, pelo exame dos tipos de átomos de carbono contidos neles.
Os cientistas podem determinar a idade de matéria orgânica morta de até dezenas de milhares de anos calculando a proporção de três diferentes tipos de isótopos de carbono. Mas esta fórmula foi comprometida pelo advento de testes nucleares. O carbono 14 é criado quando raios cósmicos colidem com átomos de nitrogênio na atmosfera.
Ocorre que os testes de poderosas bombas nucleares acima do solo, realizados em meados do século passado, criaram ainda mais isótopos de carbono 14 a partir deste nitrogênio atmosférico. Esta quantidade de carbono 14 que se criou desse período até a assinatura da proibição parcial dos testes nucleares, em 1963, foi tão grande que os níveis praticamente dobraram na atmosfera.
"O pico dos testes com as bombas constitui realmente uma assinatura definitiva", afirmou Laura Hendriks, doutoranda do ETH de Zurique, na Suíça, e principal autora do estudo, referindo-se ao pico do carbono 14. O aumento refletiu-se em todas as coisas que viveram ou morreram depois de 1963, inclusive madeira e fibras que poderiam constituir o suporte ou a tela de uma obra de arte moderna, ou a matéria orgânica usada para aglutinar os pigmentos na pintura moderna.
Em 2015, especialistas na Itália usaram fibras de telas para determinar que um quadro supostamente de autoria do artista francês Fernand Léger era, na realidade, uma falsificação. Mas os falsificadores reutilizaram telas antigas para produzir falsificações. E foram necessárias amostras maiores para realizar as análises.
No novo estudo, as amostras que a equipe usou eram mínimas, do tamanho de milímetros. As amostras foram retiradas de uma falsificação conhecida, um quadro que representava uma cena de aldeia do século 19, supostamente produzida em 1866. Na realidade, a obra havia sido pintada nos anos 1980 por Robert Trotter, um artista que posteriormente foi preso e pagou uma multa.
Para preparar as amostras, a equipe inicialmente as limpou, lavando-as com solvente e ácido a fim de eliminar substâncias contaminantes e vernizes. Depois, submeteu essas mesmas amostras a um calor de aproximadamente 955º Celsius com o objetivo de liberar o dióxido de carbono, explicou Laura. O gás foi capturado e colocado em um acelerador de partículas, onde os átomos de carbono da amostra foram classificados e comparados.
Os resultados do teste foram inconclusivos. Trotter contou que reciclara telas antigas para suas falsificações, e as fibras podiam datar de qualquer época, do final dos anos 1600 a meados do século 20. Mas a substância aglutinante da tinta era fresca quando a obra foi criada, de acordo com Laura. Segundo a análise de sua equipe, o óleo usado como aglutinante na pintura de Trotter continha um excesso de carbono 14 e era proveniente de sementes colhidas de 1958 a 1961, ou de 1983 a 1989 - muito depois da data de criação da falsificação que Trotter forneceu inicialmente.
Por mais útil que o método seja para a identificação de falsificações, não deixa de ter limitações. A datação por radiocarbono é, por definição, destrutiva. Embora a equipe mostrasse que podia realizar o teste usando amostras mínimas, os pesquisadores ainda precisaram retirar material do quadro.
Por outro lado, o pico das bombas aparentemente está expirando. Os níveis de carbono 14 estão retornando aos anteriores à bomba. "Ainda pode ser útil, mas será cada vez mais difícil", disse Laura. "São as peças de um quebra-cabeça que se juntam". / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
Niraj Chokshi, The New York Times