O que aconteceu durante o mais novo “vazamento” do tabloide The Intercept na madrugada de sábado (29) está sendo tratado de forma equivocada pelos veículos de comunicação. Há bons textos, mas passam longe da gravidade jurídica dos fatos verificados.
O impacto digno de destaque é no pedido de habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Lula no Supremo Tribunal Federal sob o argumento de parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro à época da instrução e julgamento do caso.
Lembremo-nos: o HC ainda não foi julgado pelos membros da Segunda Turma do STF. Os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia já votaram por denegar o pedido, mas faltam os votos de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e do decano Celso de Mello. A decisão ficou para o segundo semestre de 2019 após a frustrada manobra jurídica para conceder uma inédita liminar em habeas corpus.
Em festival de entrevistas concedidas durante a semana (antes desse último vazamento) — Estadão e GloboNews, para ficar em dois exemplos —, o ministro Gilmar Mendes foi claro ao defender que “provas obtidas por meios ilícitos podem ser usadas em juízo” e que os vazamentos do tabloide “podem suscitar a nulidade dos processos da Operação Lava Jato”. Em resposta à jornalista Eliane Cantanhêde, Gilmar sugeriu, inclusive, que poderia haver “indenização do Estado” a quem ficou preso, caso haja nulidade dos julgamentos.
Noutras palavras, o material de Glenn Greenwald e sua equipe estava causando uma reviravolta no universo jurídico, com chance realista de liberdade para o ex-presidente Lula. Talvez a maior delas nesses 450 dias de cárcere.
Pois é... e agora?
Agora, o vento virou. Com as navalhadas do Intercept no último vazamento, os ministros do STF não podem mais usar o material em seus votos, nem mesmo em menções indiretas.
Não se trata mais de serem ou não provas obtidas por meio ilícito. Agora há a certeza factual de que o material sofre edições para publicação, pode conter alterações dolosas, erros brutais e não representar a transcrição fidedigna dos dados cibernéticos hackeados.
Deixou de ser informação jornalística, lastreada pelos melhores métodos profissionais. Tornou-se material de origem duvidosa, editado para ser panfleto político-partidário.
Para que possa ser utilizado como prova na confecção de um acórdão da Suprema Corte, todo o material, recebido por Glenn Greenwald através de “fonte anônima”, precisaria ser instruído ao processo, devendo ser requisitado e periciado em sua integralidade a pedido do juízo responsável.
Esses detalhes pouco importam para Gilmar e Lewandowski. Mas, eles terão peso no voto do ministro Celso de Mello. Basta observar todos os votos do decano em decisões de grande envergadura da Corte.
Ou vocês imaginam que Celso de Mello pode determinar a soltura de Lula baseado em matérias de imprensa onde não é possível verificar se o "Ângelo" é Ângelo Goulart Villela ou Ângelo Augusto Costa? Se “Monique” é a procuradora Monique Checker ou qualquer uma das 327 Moniques que constam nos quadros do Ministério Público Federal (MPF)?
Eu, particularmente, duvido que o ministro cairá nessa cilada restando poucos meses para sua aposentadoria.
Resumo da ópera: numa fração de minutos, os “erros de edição” do Intercept transformaram-se no maior tiro no pé para a defesa do ex-presidente Lula.
P.S.: Note-se que, em momento algum deste texto, foi utilizada a expressão “opinião pública”. Se considerada, o desastre é ainda maior para a narrativa de quem defende “Lula Livre”.
Bom domingo a todas(os)!
Helder Caldeira
Escritor, Colunista Político, Palestrante e Conferencista
*Autor dos livros “Águas Turvas” e “A 1ª Presidenta”, entre outras obras.
Jornal da Cidade