Enquanto o governo concentra grande parte dos seus esforços para aprovar uma reforma da Previdência que garanta economia mínima de R$ 1 trilhão em dez anos, a prometida agenda de privatizações vai virando uma agenda de reestruturação.
O governo autorizou a realização de programas de demissão voluntária de sete estatais e alguns ministros anunciaram que pretendem apenas reestruturar suas estatais, como EBC, EPL, Valec, Conab e Infraero, ao invés de vendê-las ou fechá-las. Além disso, há o empecilho do julgamento no STF, que vai decidir se o governo precisa do aval do Congresso para privatizar estatais e subsidiárias.
A EBC – o conglomerado estatal de mídia que inclui TVs, rádios e agência de notícias públicas – é uma das primeiras empresas a passar por uma reestruturação neste governo. O ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, responsável pela estatal, disse em janeiro que a EBC não seria fechada, como havia prometido o presidente Jair Bolsonaro durante a campanha, e sim "racionalizada".
O processo de racionalização da estatal já está em curso. A companhia tem um novo presidente, Alexandre Henrique Graziani Junior, que mudou parte da diretoria e colocou militares entre seus integrantes. As programações da TV Brasil e da NBR foram unificadas.
A EBC também reduziu o quadro de funcionários, com dois programas de demissão voluntária e fechamento de alguns cargos comissionados. Além disso, congelou os salários dos comissionados que continuam, rescindiu contratos de conteúdo e reduziu alguns valores de contratos administrativos e operacionais.
O objetivo é que essas e outras mudanças gerem uma economia de R$ 110 milhões por ano e que, até 2022, a estatal consiga ser uma companhia com sustentabilidade financeira. Hoje, ela é dependente da União, ou seja, não gera receita suficiente para bancar suas despesas e depende de subvenções do Tesouro. Em 2018, o governo enviou R$ 679,98 milhões à companhia.
Já a Conab, Companhia Nacional de Abastecimento, começou a implementar seu plano de reestruturação. Esse programa deve incluir a venda de boa parte dos armazéns da companhia, além de outras ações para enxugamento. No fim de maio, já foram vendidos 27 armazéns, reduzindo o número de 92 para 65. A Conab também é dependente do Tesouro e recebeu R$ 1,4 bilhão da União em 2018 para bancar suas contas. A estatal está vinculada ao Ministério da Agricultura.
A EPL, a Valec e a Infraero estão sob o guarda-chuva do Ministério da Infraestrutura e também vão passar por uma reestruturação durante o governo Bolsonaro. As três companhias não serão privatizadas, assim como a Conab e a EBC.
A EPL, criada em 2012 para elaborar estudos sobre o trem-bala, vai se dedicar a ajudar o governo na modelagem das concessões de infraestrutura; a Valec, na gestão e construção de ferrovias, o que já faz hoje; e a Infraero, que continua administrando aeroportos, vai se transformar numa prestadora de serviços para as novas concessionárias dos aeroportos, já que todos os terminais serão 'privatizados' até 2022.
Governo Bolsonaro dá sequência a PDVs
Outra ação para enxugar as estatais são os programas de demissão voluntária (PDVs), que foram intensificados no governo Temer e seguem na gestão Bolsonaro. Em maio, o Ministério da Economia autorizou a realização de PDVs de sete estatais, incluindo Correios, Petrobras, Infraero, Caixa e Embrapa.
Ao todo, o governo espera que mais de 21 mil funcionários venham a aderir a esses sete programas e, consequentemente, deixem de fazer parte do quadro do funcionalismo público. A economia aos cofres públicos com essas demissões voluntárias pode chegar a R$ 2,3 bilhões por ano.
De acordo a Secretaria Especial de Desestatização e Desinvestimento do Ministério da Economia, além dos sete programas aprovados em maio, outras quatro estatais já demonstraram interesse em fazer PDVs ainda neste ano.
Busca por eficiência nas estatais
Economista e professor do Ibmec, Gilberto Braga avalia que o governo está focado em resolver a questão fiscal, com a reforma da Previdência, e em arrumar a casa, por isso está priorizando as reestruturações ao invés da agenda de privatizações.
“Neste momento, o governo está fazendo a arrumação de casa, e é mais fácil fazer uma reestruturação do que uma privatização, que, dependendo da empresa e do setor, precisa negociar com o Congresso, não basta uma canetada ministerial e presidencial.”
Ele explica que todo processo de reestruturação de uma estatal implica em mudança de objetivos e estratégia, com o foco em ser mais eficiente. “A reestruturação normalmente caminha no sentido de racionalização, tanto de processos quanto de métodos quanto de pessoal. Busca mais eficiência com a troca, com novos métodos de gestão e quadros de pessoal.”
O professor também acrescenta que estatais reestruturadas tendem a diminuir o número de funcionários, com incentivos a aposentação (para quem já atingiu os requisitos) e as demissões voluntárias. “Isso acontece porque uma série de atividades redundantes passam a ser concentradas em um único local”, completa.
Apesar de ser um processo benéfico, pois busca dar mais eficiência à empresa, o professor alerta que qualquer processo de reestruturação precisa estar atento a dois riscos para o bom funcionamento da máquina pública.
O primeiro seria a “perda de quadros eventualmente valiosos dentro do setor público pelo conhecimento e experiência e que vão acabar sendo realocados em funções que não vão render plenamente ou que vão preferir se aposentar ou ir para a iniciativa privada”.
O segundo seria causar um prejuízo à atividade prestada, já que as reestruturações mudam toda uma estrutura da empresa. O risco é comprometer a qualidade do serviço prestado.
Compromisso do governo com a agenda de privatizações segue vivo
Apesar de mais anúncios de reestruturação do que de privatização, o compromisso do governo segue sendo de intensificar a agenda de privatizações após a reforma da Previdência.
“Por enquanto não tem peixe grande. Daqui a pouco vão entrar os grandes também. Com as privatizações, vamos travar essa despesa que é uma vergonha para o Brasil”, afirmou o ministro da Economia, Paulo Guedes, se referindo aos juros da dívida, que serão pagos com o que o governo arrecadar com as privatizações. A afirmação ocorreu dia 22 de maio, durante seminário organizado pelo Correio Brasiliense.
O secretário especial de Desestatização e Desinvestimento, Salim Mattar, responsável pela agenda de privatizações, explicou que neste primeiro ano o governo vai focar nos desinvestimentos, ou seja, na venda de participação acionária que a União tem em diversas empresas. A partir do segundo ano, a agenda de privatizações deverá ser intensificada.
“Nós acreditamos que no ano de 2019 devem acontecer poucas privatizações, mas muitos desinvestimentos. No segundo ano [2020], as privatizações aceleram e em 2021 concluímos o processo”, afirmou”, afirmou o secretário no início de maio, em coletiva do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI)"
Jéssica Sant'Ana, Gazeta do Povo