domingo, 2 de junho de 2019

"O capitão e a microinfluência política", Fábio Zambeli


As manifestações de rua da última semana funcionaram como termômetro acurado da governabilidade e consolidaram Jair Bolsonaro como principal (talvez único) líder nacional da microinfluência política, fenômeno que triunfou nas urnas em outubro passado derrotando o establishment e cuja resiliência insiste em desdizer os prognósticos de fatia expressiva dos formadores de opinião.
O presidente, acossado pelo noticiário tóxico muitas vezes produzido pelo seu próprio entorno, saiu fortalecido de uma espécie de campeonato de mobilização popular instigado pelos opositores, que abraçaram a bandeira da educação para atacar a nova gestão, mas não produziram fato novo desestabilizador e tampouco credenciaram condutores eleitoralmente viáveis da pauta.
Há quem diga que os reais ganhadores do Fla-Flu das ruas seriam, na verdade. Sergio Moro e Paulo Guedes, aclamados pelos ativistas no domingo passado. Faz sentido. São dois ministros e, portanto, funcionários de Bolsonaro. Enquanto as ameaças reais à continuidade do projeto bolsonarista de poder povoam a Esplanada dos Ministérios, os atores exógenos que miram a sucessão presidencial seguem digladiando pelo protagonismo da mediação do debate público. E nesse flanco reside possivelmente a mais perene fortaleza do presidente: a capacidade de desintermediar a interlocução com seus seguidores.
Trata-se de um contingente numeroso (basta lembrar que 35% dos brasileiros avaliam a atual administração como boa ou ótima e outros 25% a consideram regular), com características sócio-econômicas heterogêneas e matizes ideológicos pulverizados. Um universo que permanece interagindo com a convocações feitas pelo Planalto e até agora segue cético aos apelos da política tradicional.
É simbólico: os protestos do dia 26 foram boicotados pela ala mais moderada do PSL, por movimentos que ganharam relevância com o impeachment de Dilma Rousseff como o MBL e o VPR, pelo Novo e por importantes caciques do PSDB que se beneficiaram da onda bolsonarista em 2018. O resultado é conhecido. Perda súbita de alcance na trincheira de influência digital e constrangimento com as dúvidas levantadas acerca da lealdade ao governo ao qual dão, em alguma medida, sustentação.
No mesmo contexto, Bolsonaro dribla os caciques partidários ao acenar de forma contundente (e controversa) aos cristãos conservadores, segmento cuja capilaridade de influência horizontal nas redes sociais tem surpreendido os peritos no tema. A mensagem transmitida na sexta-feira em que o presidente sugere a indicação de um ministro evangélico para o Supremo Tribunal Federal tem caráter cirúrgico para esse público, fiel ao novo governo e dotado de alta capacidade de disseminação orgânica de conteúdo, sobretudo nas correntes de WhatsApp.
A má notícia para o governo é que a disrupção em curso traz consequências que, embora precificadas, tendem a colocá-lo numa constante montanha-russa com o Congresso Nacional. Vilanizado em praça pública sob os aplausos do bolsonarismo, o Parlamento reage emitindo sinais difusos e alarmantes para a tão desejada previsibilidade, valor caro ao mercado e aos investidores.
Ao passo que dão o placar elástico de 70 a 4 em favor do governo na principal votação da semana no Senado (a MP da Reforma Administrativa), os congressistas endurecem, por exemplo, na concessão de crédito suplementar. É um aditivo vital para o custeio da máquina até o final do ano e que evitaria a ultrapassagem da linha da responsabilidade fiscal.
Depende do Legislativo, portanto, a condução de uma agenda fundamental na equação mais elementar à mesa do Planalto. Mesmo revigorado com a energia das ruas, o presidente sabe que pode chegar à primeira ceia de Natal no cargo com o indigesto cardápio da insatisfação social, potencializada pelo binômio (falta de) trabalho/renda.
É neste cenário que se vislumbra um campo minado, muito semelhante ao vocalizado recentemente por um dos próceres do Centrão, Paulinho da Força (SD). Se o Congresso aprovar as reformas e devolver vitalidade à economia, o presidente ganha tônus e pavimenta o caminho da reeleição. E tudo o que os parlamentares desejam é um chefe do Executivo mais frágil, que se veja obrigado a atravessar a praça dos Três Poderes a pé mais vezes.
Com o impasse contratado, emerge uma figura estratégica para desequilibrar o xadrez: o presidente do STF, Dias Toffoli. Subitamente, o ministro foi guindado à condição de aliado do Planalto em recentes tentativas de institucionalizar a agenda positiva, que, a rigor, serve à governabilidade. Foi assim na reedição do “pacto” entre os poderes, em que Toffoli demonstrou estar mais confortável no figurino proposto que os representantes do Legislativo.
Convém monitorar com lupa os próximos passos dessa aliança. Como Bolsonaro terá em curto espaço de tempo a tarefa de indicar pelo menos dois novos integrantes da Corte Suprema, a configuração de forças de seu governo, em especial no biênio 2021-22, passa inexoravelmente pelo apetite do Judiciário em avançar no campo investigativo e punitivo sobre o Legislativo. Como se vê, nada indica que o país navegará em mares serenos. Aliás, conforme decisão soberana do eleitor.
Por Fábio Zambeli, Blog do Noblat, Veja