sábado, 1 de junho de 2019

Liverpool campeão da Champions

MADRI
O alemão Jürgen Klopp dizia que poderia escrever um livro como recordista de vitórias em semifinais. Sua percepção editorial, talvez resultado dos tempos em que era jornalista, não recomendava que o publicasse. “Ninguém compraria”, disse.
Com o capítulo que acrescentou neste sábado (1º), a oportunidade de mercado ficou bem maior.
O treinador conquistou sua primeira Liga dos Campeões, comandando o Liverpool na vitória por 2 a 0 sobre o Tottenham, em Madri.
De óculos, boné, roupa preta e tênis vermelho, gesticulando o tempo todo, Klopp deu cabo do fantasma de perdedor que começava a acompanhá-lo após duas derrotas em finais, uma com o Borussia Dortmund e outra com o próprio Liverpool, no ano passado.
Homem de barba levanta taça de prata
Klopp, treinador do Liverpool, ergue a taça da Champions League ao lado de seus jogadores, em Madri - Toby Melville/Reuters
Atirado para o alto e carregado com as pernas puxadas para os lados, o técnico teve um pós-jogo diferente. “É a melhor noite da nossa vida profissional. Normalmente 20 minutos depois da partida eu já estou meio bêbado, mas agora eu só bebi água”, brincou.
 
“Sem esse treinador nada disso teria sido possível”, afirmou Henderson, o capitão do Liverpool. “Ele criou um vestiário especial. Todo o mérito vai para ele.”
Quando Henderson levantou a orelhuda, como é chamada a taça de 7,5 quilos e 73,5 centímetros de altura da mais badalada competição de clubes do futebol, o Liverpool inscreveu pela sexta vez seu nome na lista de vencedores. O maior ganhador da competição é o Real Madrid, com 13 conquistas.
Três brasileiros levaram a Liga dos Campeões pela primeira vez: o goleiro Alisson, o volante Fabinho e o atacante Roberto Firmino, sendo que o primeiro e o último foram convocados por Tite para a Copa América. O Brasil é o país não europeu com maior presença nas finais da competição —que, pela primeira final em dez anos, não teve transmissão em TV aberta para o país.
Numa noite quente em Madri (32 graus às 21h, quando o jogo começou), Salah aqueceu-se com uma sucessão de cinco gols perdidos no treinamento. Parecia mau presságio; não era. Com apenas 30 segundos de jogo o atacante senegalês Mané tentou passar a bola e ela acabou desviada dentro da área pelo braço do francês Sissoko. Pênalti, que Salah converteu.
A história mostrava que, em três quartos das vezes, quem marcou primeiro na final da Liga dos Campeões acabou vencedor.
Essa estatística pesou mais do que o histórico recente de viradas “impossíveis” nas semifinais desta edição, nas quais o Liverpool superou uma derrota por 3 a 0 para o Barcelona no primeiro jogo e o Tottenham perdeu a ida e começou tomando gol na volta antes de superar o Ajax em Amsterdã.
O gol relâmpago em Madri era o que faltava, se é que faltava alguma coisa, para a maré vermelha que é a torcida do Liverpool tomar conta do estádio.
A empolgação da torcida coloriu um jogo não tão emocionante assim. No primeiro tempo, o dono da bola foi o Tottenham, que a reteve por 61% do tempo, acertando mais passes do que o Liverpool (80% a 68%). Tudo isso para nada: o time não conseguiu dar um um único chute no gol de Alisson.
No segundo tempo, os brasileiros protagonizaram as primeiras substituições. Um saiu no Liverpool (Firmino) e um entrou no Tottenham (Lucas, o herói da semifinal com o Ajax).
O jogo finalmente engrenou, e aí outro brasileiro brilhou: Alisson. O Tottenham acertou a mira, com oito finalizações a gol. E o goleiro gaúcho fez duas boas defesas, uma em chute de Lucas e outra numa cobrança de falta de Eriksen.
Alisson chegou ao Liverpool nesta temporada, na que foi até então a maior transação da história para um goleiro (R$ 73 milhões de euros, cerca de R$ 320 milhões). Ocupou o lugar do alemão Karius, que falhou duas vezes na última final da Copa dos Campeões, contra o Real Madrid, e salvou o Liverpool seguidas vezes na temporada.
Seu desempenho no sábado valeu elogio de um especialista com as mãos, o ídolo da NBA LeBron James. “Alisson está segurando tudo”, publicou ele no Twitter.
Após as defesas do brasileiro, o belga Origi marcou o segundo gol com um chute de perna esquerda e fez com que os torcedores do Tottenham começassem a abandonar o estádio Wanda Metropolitano, que nunca havia recebido uma decisão da Liga dos Campeões. Inaugurado em 2017, ele substituiu o Vicente Calderón como casa do Atlético de Madri.
O Liverpool jamais ganhou o Mundial de Clubes e não está claro se a equipe irá disputar próxima edição do Mundial da Fifa.
Isso porque a entidade mudou o formato, e a próxima edição está agendada não para dezembro, como tradicionalmente ocorria, e sim para junho de 2021. Clubes europeus, que têm dominado o Mundial (ganharam 9 das 10 últimas edições), dizem-se contrários à alteração e podem se recusar a disputar o torneio.
A final entre dois clubes ingleses deu relevo irônico a outra questão política que afeta a bola, o brexit.
Espera-se que os clubes britânicos continuem disputando a Liga dos Campeões, mas ainda não está claro como o novo status afetará o mercado dos jogadores profissionais.
Nada que parecesse preocupar muito a torcida do Liverpool neste sábado, vale dizer. Em meio à chuva de papel picado brilhante, o tradicional hino da Liga dos Campeões perdeu claramente o protagonismo para um coro quase interminável de You’ll Never Walk Alone, canção dos anos 1940 adotada pela torcida do clube inglês.
A torcida costuma acompanhar a música erguendo para o alto faixas vermelhas e brancas. Neste sábado, o time do Liverpool agrupou-se respeitosamente no palco do troféu para acompanhar o coro de seus seguidores. O show de Madri, afinal, era de mão dupla.

Roberto Dias, Folha de São Paulo